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O duradouro é o transitório: o que a arte pode fazer - parte 2?

Fernando Augusto segue reflexão sobre ligação entre arte, ecologia e Coca-Cola, e o que pode a arte frente à necessidade de mudar paradigma

Imagem de Fernando Augusto: óleo sobre isopor sobre imagem impressa de “O Jardim das Delícias” de Hieronymus Bosch. Acervo do artista
Imagem de Fernando Augusto: óleo sobre isopor sobre imagem impressa de “O Jardim das Delícias” de Hieronymus Bosch. Acervo do artista

No artigo O duradouro é o transitório: o que a arte pode fazer?, publicado mês passado nesta coluna, incomodado com a frase “recicle-me”, estampada nas garrafas de plástico da Coca-Cola, eu me perguntava qual a ligação entre arte, ecologia e Coca-Cola? Hoje volto à tona para pensar soluções possíveis para o problema.

Começo dizendo que não vejo saída. Por que isso? Porque a saída requer mudanças de hábito, requer investir no não lucro, requer esquecer de si.

Lembro-me que há alguns anos atrás, criou-se uma lei para os supermercados não  fornecerem gratuitamente sacola plásticas nas compras. 

Elas passavam a custar algo como dez centavos cada . O objetivo era claro:  economizar sacolas plásticas e consumir menos plástico. Não houve protestos do público e não houve também mudança imediata de comportamento.

Devíamos levar nossas próprias sacolas de casa  e era uma dificuldade lembrar desse item, além disso,  muitos de nós nem dispúnhamos de sacolas duráveis.

Os supermercados até começaram a vender sacola duráveis, muitas delas manufaturadas na região. No início foi desconcertante, por que começou a diminuir o número de sacolas em casa (e no atelier), onde elas se tornavam sacos de lixo.

Mas aí o que aconteceu? Retiraram a referida lei, bem no momento  em que a população a estava adotando, bem no momento em que a população estava se adaptando à condição de levar sua própria sacola de compras aos superados garantindo assim menos consumo de plástico.

O argumento foi de que os estabelecimentos não podiam cobrar a mais pelo empacotamento dos produtos vendidos, o que é correto – você vende algo,  você  o entrega numa embalagem para ser transportado.

Mas o foco da questão não era esse, era sobre um desconto para quem levasse sua própria sacola, para assim, diminuir o consumo e poupar o planeta de umas tantas toneladas de plástico por ano. Com uma pequena mudança de hábito diária, outras poderiam vir. 

Cortaram o projeto pela raiz.  A facilidade da sacola plástica gratuita e seu consumo desenfreado venceu, assim como venceram a indústria do plástico, do lixo, da poluição, do lucro, da destruição do planeta.

Civilização: um projeto de destruição?

Marcelo Gleiser em seu livro “Despertar do universo consciente – um manifesto para o futuro da humanidade” diz que nossa civilização está numa encruzilhada, e pergunta: será que o caminho do nosso projeto civilizatório é somente de destruição?

Destruição de nós mesmos e do nosso planeta? Como cientista ele sabe que existe o lado heroico da ciência, que são as pesquisas e as descobertas, isso, até a ciência  fazer pacto com a indústria e com o poder.

Pois a ciência pesquisa, descobre, inventa artefatos, mas o uso de tudo que ela faz e pode fazer não é decidido por ela, nem pela ética, nem pelo bom senso, mas pelo lucro, pela busca de poder, pela ganância, pela vaidade.

Por isso ele propõe uma mudança de mentalidade (de hábito) geral a partir de três  princípios (em nível individual, corporativo e governamental): Primeiramente o MENOS: menos consumo, menos energia, menos água, menos lixo,  menos carne (não cair na falácia do agronegócio).

Segundo o MAIS: mais exposição  à natureza, mais parques, mais pracinhas,  mais plantas, mais tempo livre (e conseguir se colocar em tempo livre). Terceiro, consciência  do que se está consumindo e ter mais generosidade  e pertencimento com o planeta. Ter noção de codependência.

Portanto o “recicle-me” das embalagens não está  pensando na natureza,  não está pensando na despoluição, está, pelo contrário,  poluindo,  produzindo mais e mais garrafas plásticas, quando o mais correto seria o menos. O menos.

Trata-se de uma situação complexa. E conforme Yuval Noah Harari parece não haver solução possível, pois constituir esta organização seria necessário convencer muitos estranhos a cooperarem uns com os outros.

“E isso só acontecerá se esses estranhos acreditarem em alguns mitos compartilhados. Daí decorre que para mudar uma ordem imaginada existente precisamos primeiro acreditar em uma ordem imaginada alternativa (…) e uma mudança de tal magnitude só pode ser alcançada com a ajuda de uma organização complexa,  como um partido político, um movimento ideológico, um culto religioso”.

Diante de quadros como este o que a arte pode fazer?

Fernando Augusto Colunista
Colunista
Artista plástico, pintor, desenhista e fotógrafo. Professor do Departamento de Artes da UFES. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP - Sorbonne).