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Beco das Garrafas renasce e deve virar filme

São Paulo – Um palquinho, um violão. Um dos berços da bossa nova e do samba-jazz carioca, o Beco das Garrafas, nascido nos anos 1950 no coração de Copacabana, cultivou sua fama a despeito de suas dimensões diminutas: juntando suas três casas de shows, não davam 200 lugares sentados. As tentativas de recriá-lo se sucederam nos anos 1990 e 2000, mas só agora a música voltou para valer à travessa sem saída da Rua Duvivier, a um quarteirão da praia.

Está fazendo um ano que os dois palcos remanescentes, o Bottle’s Bar e o Little Club, ressurgiram, depois de mais de 30 anos sem espetáculos. O sucesso de público é evidenciado pelas filas para entrar – em geral, até 30 pessoas voltam para casa, porque não há como comportá-las – e o burburinho na calçada. Esse barulho antes e depois das apresentações rendeu o apelido do Beco, dado pelo escritor Sérgio Porto: sem conseguir dormir, os moradores do prédio sobre as casas jogavam garrafas para afugentar os frequentadores, que resistiam e só iam embora com o dia claro.

Os vizinhos podem treinar a mira. O Beco vem programando shows todos os dias, pelo menos dois por noite, seja de nomes dos anos 1960 na ativa, como Marcos Valle, João Donato, Roberto Menescal e Leny Andrade, seja de artistas em início de carreira, como a cantora Daíra Saboia, que se apresenta com o violonista Lula Galvão, e o jovem compositor Tuca Oliveira. Os horários hoje são mais razoáveis: às 2 horas, o som acaba.

“O Beco sempre foi lugar de vanguarda. A gente valoriza o que nasceu aqui e também traz os artistas que não têm espaço ainda para se apresentar”, diz a sócia Amando Bravo. Ela é cantora de bossa nova e filha do compositor Durval Ferreira (1935-2007), dos sucessos Tristeza de Nós Dois e Batida Diferente, que começou a carreira ali.

Amanda e o advogado Sergio de Martino são os responsáveis pela nova fase das casas. Ambos ligados afetivamente ao lugar, eles não se conformavam com o fechamento e a decadência – a travessa, vocacionada não só à música, mas também à prostituição, virara abrigo de moradores de rua.

As tentativas de revitalização, no passado apoiadas por gigantes como Baden Powell (1937-2000) e Luís Carlos Vinhas (1940-2001), nunca foram para frente, por falta de recursos e de empenho do poder público. Em 2013, Amanda e Martino passaram o chapéu entre amigos e angariaram R$ 100 mil para obras. O Bottle’s Bar e o Bacarat perderam paredes e viraram um só. O Little Club abriu depois. Em seguida, veio a cervejaria Heineken, que patrocinou melhorias nas acomodações.

A dupla espera recuperar o investimento no ano que vem. Como a bilheteria é tímida, por conta da capacidade limitada, os dois sabem que não vão enriquecer com o Beco. Apostam em subprodutos, ainda em fase de idealização: um selo, o Beco das Garrafas Records, que deve começar lançando um DVD de João Donato gravado ali, seguido de um CD do trombonista Raul de Souza e outro da cantora Chris Dellano; a criação de um roteiro turístico da bossa nova, que passe por ali; a produção de shows tributos a ícones do Beco, esta já amparada por um edital da Prefeitura; a exibição de shows por streaming, voltada aos fãs no exterior.

“O show acontece aqui à meia-noite e o japonês vai ver almoçando, ao meio-dia”, brinca Martino, que frequenta o Beco há 40 anos, desde que era um jovem operador do caixa do Little Club, hoje de sua propriedade (o Bottle’s Bar é alugado de um amigo). O sonho de ver a travessa de volta a seus melhores dias o acompanha há 30 anos. “Acho que deu certo agora porque era muita gente querendo a mesma coisa. O Beco está voltando a ser um ponto turístico. O Rio trata muito mal a bossa nova, e a cultura em geral.”.

Há nove anos, o Beco já respirava ares musicais, desde que abriu a livraria Bossa Nova e Companhia. Os CDs, DVDs, partituras e songbooks são focados no gênero, e também em samba, choro e MPB; os livros são para todos os gostos. No mezanino, entre LPs raros, como Chega de Saudade (1959), o primeiro lançado por João Gilberto, está um charmoso ambiente com objetos domésticos dos anos 1940 a 1970, como uma rádio-vitrola, uma máquina fotográfica Rolleiflex e máquinas de escrever.

Metade dos clientes é de fora do País, e são atraídos por guias como o Lonely Planet e o Guide Du Routard – os vendedores, além de entenderem do assunto, falam inglês e francês. A proprietária, Leila Martins, chegou à travessa quando não havia sequer uma placa a indicar que ali era o mítico Beco das Garrafas. Ela conta que o retorno dos shows não chegou a impactar suas vendas, como seria de se esperar. “São públicos diferentes. Nosso negócio vai bem, mesmo estando num lugar escondido.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.