Sabe aqueles dias em que tudo parece estar revirando na cabeça e no mundo? É como Juliano Gauche diz se sentir quando compôs “Tem Dia que É Demais“, sexta faixa do seu mais recente disco, Afastamento. Inspirado pelo vai e vem das notícias cotidianas, o artista capixaba, natural do município de Ecoporanga, viu em um acidente aéreo e nos comentários gerados pelo acontecimento o gatilho para falar sobre a fluidez dos dias, principalmente sobre a dicotomia entre os bons e os ruins.
“A coisa começou a ir para o lado das notícias que a gente estava vendo: avião caindo, e todo mundo vendo que tinha sido derrubado. Esse bafa´fá que fica na rua quando uma coisa ruim acontece. É um pouco em cima disso, esse sarcasmo”, revela o cantor.
O ex-vocalista da banda Solana conversou com o jornal online Folha Vitória e falou sobre o novo show, marcado para este sábado (31) no Centro Cultural Sesc Glória. Com o ritmo calmo e melancólico, mas preservando a essência crítica e reflexiva sobre a vida, Gauche pretende levar para o show o minimalismo de um observador, com uma performance acústica em voz e violão.
“Esse show é um momento que eu considero muito especial. Eu venho namorando esse momento por muito tempo, porque ele é difícil. Eu preciso resolver tudo com voz e violão, usando o mínimo de arranjo possível. Então eu tive que primeiro exercitar muito o meu jeito de cantar, de tocar, a postura, e escolher bem as pessoas que vão tocar”, diz o artista.
Com uma atmosfera intimista e potente, Gauche imprime nos trabalhos musicais o vocal arrastado e suave que se encaixa com os arranjos elaborados sutilmente. No discurso, por sua vez, vem uma filosofia imersiva, que une a sonoridade tranquila à mente do artista, sintetizadora de um entendimento do mundo característico da própria personalidade.
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Entrevista
Do que fala o seu último álbum, Afastamento?
R: No (álbum) Afastamento eu acabei literalmente me colocando no ponto de vista da pessoa afastada. Aquilo que eles falam que você deve tomar uma certa distância para enxergar as coisas direito. Eu acho que tem a ver com isso. Não que na prática você se mantenha distante, mas como observador. E isso acabou entrando no meu comportamento. Meio que aliviou as coisas nas relações. Desde “Silmar Saraiva”, o observador olhando a cidade de cima de uma pedra; em “Dos Dois”, o observador vendo de longe a separação de um casal; em “Pedaços de Mim”, duas visões do observador: uma que transcende e a outra que sofre. Uma relação material e imaterial.
Qual faixa você considera como a principal (a “de trabalho”)?
R: É difícil tirar uma faixa, pois eu vou construíndo as coisas para que elas se encaixem quando eu penso em um disco inteiro. Mas algumas elas acabam sintetizando mais o conceito geral e funcionam também sozinhas, independente do conceito do disco. “Silmas Saraiva”, “Pedraços de Mim” e “Dos Dois” têm vida própria. Cada uma já tocou bem no seguimento. Essas têm essa característica.
“Tem Dia que É Demais” vem de algum momento específico vivido?
R: Ela veio de um dia que o Gustavo Macacko passou no apartamento que eu morava em São Paulo na época. A gente ficou brincando com riffes, e eu já tinha o mote do “tem dia que é demais, tem outros dias que não”, porque isso aplica a várias situações. Mas quando eu puxei isso nesse momento que a gente estava começando a compôr, a coisa começou a ir para o lado das notícias que a gente estava vendo: avião caindo, e todo mundo vendo que tinha sido derrubado. Esse bafa´fá que fica na rua quando uma coisa ruim acontece. É um pouco em cima disso, esse sarcasmo. Principalmente quando fala: ‘tem dia que é demais, tem outros dias que não’, como se fosse raro um dia bom. A poética fica brincando com esse jogo da situação.
O furor de “Cuspa, Matrate, Ofenda” parece ter acalmado em Afastamento, mas as visões mórficas da paixão e o olhar crítico permanecem por entre as letras poéticas. O que diz sobre essa característica?
R: acho interessante quando colocam isso dessa forma. Não é raro não. Essa impressão de que as coisas se acalmaram, de que não têm mais aquela violência. Mas o meu ponto de vista é o contrário. Sabe quando a roda está tão rápida que dá a noção de que está andando para trás? Eu me sinto meio assim nesse momento. Se você for observar as letras com cuidado, está tudo ali. Só não explode porque eu acho que o campo de absorção da informação parece que aumentou. Não tem muito atrito, não tem muita dor. Mas todos os temas e questões continuam. No Afastamento eu acho que consegui sintetizar melhor o meu ponto de vista poético.
Você lida bem com o amor?
R: Essas coisas grande como amor, morte, deus, liberdade…, a minha visão é que elas são enormes mesmo. Escapam a qualquer tentativa de a gente querer que isso encaixe na nossa compreensão, na nossa capacidade de expressar e lidar com esse tipo de coisa. (…) Lido, mas me assusta. O amor não, mas o que a gente conhece como amor, que pauta a nossa relação com algumas pessoas. Mas há um jeito de se harmonizar com tudo, você começar a ver as coisas e entender que têm um porquê. Acho que isso tem a ver com amor também, e isso eu sei lidar. Com a outra face humana das relações eu acho que ainda estou aprendendo.
O que podem esperar do seu show amanhã (hoje) no Sesc Glória?
R: Esse show é um momento que eu considero muito especial. Eu venho namorando esse momento por muito tempo, porque ele é difícil. Eu preciso resolver tudo com voz e violão, usando o mínimo de arranjo possível. Então eu tive que primeiro exercitar muito o meu jeito de cantar, de tocar, a postura, e escolher bem as pessoas que vão tocar. Elas precisam entender a vibração do acústico, com muito silêncio. Todo o groove depende do jeito que se toca, porque não tem a bateria. O show que vai ter hoje tem essa riqueza de profundidade, de detalhe, esse tipo especial de concentração para qual eu tava me preparando há muito tempo. Eu sinto que esse show está vindo no momento certo, e é uma onda muito boa.