São Paulo – Num artigo de 1989, o musicólogo norte-americano Joseph Kerman chama de “misterioso” o motivo de o público atual se encantar com Mozart com o mesmo entusiasmo dos que pagavam as subscrições dos concertos miscelâneas do compositor, na Viena dos anos 1780. A genialidade é mesmo um mistério. Foi esta a sensação dos que estavam na quarta-feira, 07, na Sala São Paulo. Um show de adolescentes prodígios: o concerto em ré para violino que Mendelssohn escreveu aos 12 anos, a sinfonia n.º 29, K. 201 e o concerto para violino K. 207 de Mozart, compostos entre os 15 e 17 anos. “A Serenata” do britânico Edward Elgar, escrita aos 35 anos, em 1892, está longe da vivacidade desses meninos prodígios.
Mozart não teve concorrência. Dominou a noite. A qualidade dos músicos da Arte del Mondo e a interpretação amadurecida transformou a “Sinfonia 29” em um clarão luminoso de sutilezas – é isso, justamente, que faz a diferença entre a execução burocrática e a de exceção. Um brilho registrado nos dois concertos. De novo, Mozart parecia léguas à frente de Mendelssohn, invertendo a distância histórica de quase meio século que as separa.
O menino Mendelssohn espelhou-se no concerto para violino à francesa; o adolescente Mozart abriu sua série de concertos para o instrumento seguindo o estilo galante. A precisão e virtuosismo de Daniel Hope são incontestáveis, mas os momentos memoráveis ficaram com os andamentos lentos: o Andante precioso em Mendelssohn, o Adagio emocionante em Mozart. Com música e performance de tamanha qualidade, empalideceu a serenata para cordas de Elgar.
No concerto de quinta, Hope e a Arte del Mondo interpretaram a “transcrição” das “Quatro Estações” de Vivaldi pelo compositor contemporâneo Max Richter. Contemporâneo só porque está vivo. Na verdade, os marqueteiros da Deutsche Grammophon sacaram que a crise da indústria do disco se deve ao suposto fato de que hoje as pessoas não têm mais tempo para ouvir obras longas, como as do concerto de quarta. Encomendaram a Richter pílulas de 2 a 4 minutos condensando clichês barrocos e românticos. Quebraram a cara com o CD. Repetem agora a dose em escala maior. Pra que “recriar” hipocritamente Vivaldi? A Universal lançou o CD “Recomposed by Richter” esta semana, no Brasil. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.