Certa vez, li um texto delicado que tratava da importância de valorizar saberes distintos dos tradicionais em uma prova.
Em “Histórias para encantar e desenvolver valores”, de Solimar Silva, há uma narrativa marcante: o relato de uma estudante de enfermagem que enfrentou uma avaliação peculiar. Entre as questões, a última parecia inesperada: “Qual é o nome da mulher que limpa a escola?”
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Quando questionado sobre a pertinência da pergunta, o professor explicou: “Em suas carreiras, vocês conhecerão muitas pessoas. Todas são significativas. Elas merecem sua atenção e cuidado, ainda que seja apenas para receber um sorriso ou ouvir um ‘olá'”.
Entre nós, professores, é comum nos referirmos a essas funcionárias como “a menina da limpeza”. Uma expressão aparentemente inofensiva, mas que denuncia a distância e a despersonalização impostas, em parte, pela terceirização dessa mão de obra — um modelo que não só precariza as condições de trabalho, mas também esvazia a humanidade dessas pessoas que convivem conosco diariamente.
Essa reflexão sobre o reconhecimento e o cuidado com o outro ganhou ainda mais sentido para mim no início deste ano letivo.
Tudo começou quando avistei uma funcionária da limpeza sentada em uma cadeira no corredor. Sua expressão era de preocupação, quase desamparo. A barriga, já evidente, anunciava a chegada de um bebê.
Aproximei-me e perguntei seu nome. “Leidiana”, respondeu. Conversamos por alguns minutos. Ela me contou que a gravidez não havia sido planejada e que se sentia insegura e despreparada.
Foi impossível não refletir sobre a importância do início da vida de um ser humano e sobre como o acolhimento pode transformar histórias. Decidi agir.
Entre colegas, sugeri organizarmos uma “vaquinha” para ajudá-la com itens essenciais para o bebê. Escrevi um texto explicando a importância de oferecer apoio nesse momento tão sensível.
Ela mencionou que tinha pressão alta e pré-eclâmpsia. Contou também que o bebê apresentava uma má-formação no coração.
Ao ouvi-la, pensei em como a sociedade como um todo deveria oferecer maior proteção às grávidas, às puérperas e aos bebês. Gestação, parto e puerpério são momentos de extrema fragilidade feminina, que exigem amparo e empatia.
A adesão à “vaquinha” foi generosa. Com o valor arrecadado, comprei fraldas, lenços umedecidos, pomadas para assaduras e outros itens. Cada objeto carregava um toque de cuidado, uma tentativa de reacender a conexão que, tantas vezes, o cotidiano escolar insiste em silenciar.
Meses depois, soube que a bebê de Leidi precisaria passar por uma cirurgia devido a um problema de saúde. Quando a encontrava ocasionalmente pela escola, perguntava como estavam, e ela respondia que estavam bem, mesmo diante das dificuldades.
Até que, perto do final do ano, Leidiana me surpreendeu com uma carta. Nela, agradecia pelo apoio e dizia que jamais se esqueceria de mim, pois minha ajuda havia dado forças para que ela enfrentasse a gestação. Porém, no final da carta, veio o choque: sua filha, Hadassa, havia partido.
Fiquei atônita. Fui imediatamente procurá-la e, juntas, choramos. Naquele vale de lágrimas, duas mulheres com histórias de vida tão distintas encontraram um ponto de convergência: uma dor que pouco se pode expressar em palavras.
No ambiente escolar, somos frequentemente atropelados por demandas e problemas. Às vezes, esquecemos nossa condição humana, a mesma que nos conecta e nos dá propósito. Mas histórias como a de Leidiana nos atravessam e nos fazem lembrar do que há de mais importante.
Sobre a narrativa do início deste texto, a menina da limpeza tem nome. É Leidiana. Sua filha também: Hadassa. Ambas têm significados e vozes. E eu também jamais as esquecerei.