Era janeiro, em algum ano da primeira metade da década de 1980. Altas temperaturas, ainda que mais amenas do que as atuais, e igualmente altas expectativas em relação ao novo ano letivo.
Cadernos e livros sobre a mesa da sala indicavam que estávamos prestes a iniciar um ritual comum na minha família nessa época: encapar e etiquetar com nossa mãe o material escolar da minha irmã e meu.
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Uma tarefa aparentemente organizacional se transformava em uma atividade educativa.
Como posso ajudar meu filho na volta às aulas?
Lembro-me do cheiro dos livros novos, das etiquetas e do plástico usado para encapá-los. Também me recordo dos sons: o folhear das páginas, o rasgar da fita adesiva e o barulho do ventilador que aliviava o calor.
Décadas e avanços tecnológicos se passaram, mas uma pergunta felizmente permanece: como posso ajudar meu filho no retorno às aulas?
Os rituais podem ser um ótimo ponto de partida. É da natureza humana criar e participar de ritos, especialmente em momentos cruciais da vida.
Incluir as crianças nas atividades relacionadas ao início do ano letivo é uma forma de colocá-las no papel que sempre lhes pertence em sua jornada de aprendizado: o de protagonistas.
Ainda que a rotina acelerada de um quarto do século XXI tenha introduzido serviços como os de “encapadores de livros”, existem muitas maneiras de envolver os filhos com seus materiais de estudo.
Crie desafios ou escreva prefáfios nos cadernos
Que tal explorar um capítulo do livro de geografia juntos e aprofundar o tema? Ou criar desafios com problemas de matemática?
Outra ideia é escrever, em parceria, um “prefácio” para cada caderno, contextualizando o aprendizado que está por vir.
O mais importante é que tudo seja feito de forma simples e prazerosa, estabelecendo uma conexão positiva com o aprendizado.
Afinal, aprender é complexo, mas não precisa ser complicado – e pode ser, simultaneamente, desafiador e divertido.
Retorno à rotina é outro rito importante
Outro rito importante é o retorno à rotina. Assim como o conceito de yin-yang no taoísmo simboliza a alternância e interdependência de forças opostas, mas complementares, a vida também se equilibra entre trabalho/estudo e descanso, compromissos e lazer, dia e noite.
A transição entre esses estados requer atenção, e nós, adultos, temos um papel essencial em ajudar as crianças nesse processo.
Pequenos ajustes, como readequar os horários de dormir e acordar na semana que antecede o início das aulas, contribuem para uma adaptação mais tranquila. Retornar de viagens com antecedência também ajuda nesse ajuste.
Evite frases como “acabou a vida boa”
Uma dica valiosa: evite comentários, ainda que em tom de brincadeira, como “acabou a vida boa” ao se referir ao início das aulas.
Essas frases, ainda que ditas em tom de brincadeira, podem desmotivar. Lembre-se de que, para as crianças, o retorno às aulas é, muitas vezes, marcado por alegria, reencontros e sorrisos.
Rituais para novos ciclos
E quando a volta às aulas envolve a troca de escola? Aqui, os ritos também podem ser grandes aliados.
Na semana passada, recebemos uma família que havia pedido para que o irmão mais velho (de quatro anos) pudesse levar o mais novo (de dois anos) para conhecer a sua nova escola e a sala de aula onde ele (o mais velho) havia estudado.
Certamente estava se iniciando um ciclo de conexão e a construção de uma nova história: a da nova escola para um e a da escola com o irmão mais novo para outro. Está aberto o portal para um ano mágico.
Para crianças mais velhas ou adolescentes, vale verificar se há colegas conhecidos na nova escola e conversar com os educadores sobre como ocorre a integração social.
Além disso, em casa, compartilhe histórias pessoais sobre mudanças que tenham trazido aprendizado e crescimento. Encarar a impermanência como algo natural e belo pode ser uma lição valiosa.
Reflexões sobre o novo contexto escolar
Ainda sob a impermanência, faço uma ponderação sobre um novo fenômeno neste século: famílias que, antes mesmo do início das aulas, ou ainda na primeira semana de aula, procuram as escolas para “pedir” para que o filho fique na sala A ou B, com professora X ou Y.
Não me recordo desses pedidos na minha vida escolar e a ausência deles não me causou nenhum trauma ou queda de rendimento acadêmico.
Essa prática, comum em algumas escolas brasileiras, contrasta com o que se observa em sistemas educacionais de outros países.
Interferência no desenvolvimento de habilidades essenciais
Embora bem-intencionados, esses pedidos podem interferir no desenvolvimento de habilidades essenciais, como a antifragilidade – a capacidade de crescer diante de desafios e incertezas.
Como afirma o psicólogo Jonathan Haidt, “a proteção excessiva cria fragilidade. Ao evitar que os jovens enfrentem dificuldades, impedimos que desenvolvam resiliência.”
Por isso, confie na escola que você escolheu para seus filhos. A colaboração entre família e escola é indispensável e respeitar os papéis de cada instituição é fundamental para criar uma relação saudável e produtiva.
Equilíbrio é essencial
Ao planejar o novo ano, lembre-se de que a escola deve ocupar um espaço significativo na rotina das crianças, mas não ser sua única atividade.
Elas precisam de tempo para brincar (longe das telas), praticar esportes, explorar hobbies e socializar.
Evite sobrecarregar os filhos com agendas executivas, que frequentemente se assemelham mais à rotina de trabalho de um adulto do que à infância.
Finalizar uma jornada acadêmica e iniciar outra em um terceiro turno não condiz com um desenvolvimento integral do ser humano.
Pelo contrário, o aproxima de um operário como o desempenhado por Chaplin em Tempos Modernos.
Amplie horizontes com atividades extracurriculares
Atividades extracurriculares devem ampliar horizontes – seja por meio de música, teatro, esportes ou artes –, mas também deve haver espaço para momentos sem compromisso, permitindo descanso e criatividade.
Estamos próximos ao início da escrita de novas páginas nos capítulos escolares dos livros da vida de nossos filhos/alunos.
Que os ritos de passagem propiciem registros de aprendizagens múltiplas e enriquecedoras para as crianças e jovens, e por que não, para nós pais e educadores também!
Feliz Novo Ano Letivo para todos!