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Festival de Locarno celebra 'Copacabana Mon Amour'

Locarno – No recorte brasileiro do Festival de Locarno de 2014, um clássico do cinema nacional teve sessão memorável nesta semana. A versão restaurada de Copacabana Mon Amour, de Rogério Sganzerla, foi exibida logo depois da estreia internacional do média Poder dos Afetos, de Helena Ignez. Foi justamente Helena, a eterna Sonia Silk, atriz e mulher de Sganzerla, quem apresentou os dois filmes ao lado da filha Djin Sganzerla, que também atua no média.

Obra pouco vista no cinema, ainda que tenha conseguido bom alcance na TV, Copacabana Mon Amour continua gigante na tela grande. Exibido em copia restaurada em DCP, seu delírio tropical ainda incomoda e intriga. Não por acaso, a plateia, majoritariamente estrangeira, que lotou o cinema PalaVideo, dividiu-se entre os que se maravilharam com o transe da prostituta Sonia e seu irmão Vidimar por um Brasil dominado pela ditadura militar, dividido entre o grito e o transe. “Por que tantos gritos no filme? Meus amigos não aguentaram e saíram durante a sessão”, indagou um espectador a Helena no debate que se seguiu ao filme. “Era um período muito difícil do Brasil. Talvez o mais difícil. Ou a gente calava ou gritava. Não havia outra opção”, respondeu a atriz e diretora para uma plateia interessada, que ainda tenta entender o quebra-cabeça chamado Brasil.

Djin contou que se surpreendeu ao ver pela primeira vez o longa exibido em formato digital (DCP) em Locarno, pois, até esta quarta-feira, a única sessão da obra restaurada havia sido em película 35mm, no Cinesesc de São Paulo, em janeiro deste ano, quando se completaram 10 anos de morte de Sganzerla. “A cópia original estava muito deteriorada, com fungos já. O restauro foi feito por minha irmã. E se tornou uma cópia belíssima em 35mm. Aqui, passou em DCP. Senti uma leve diferença nas cores e contrastes”, comentou a atriz. “Claro que sempre vamos achar a película mais bonita. Antes de ser restaurada, ficou por um tempo guardada no MAM do Rio, depois um período na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.

Mas acho que esta cópia digital está ótima”, pontuou Helena, que disse entender o estranhamento que Copacabana Mon Amour causa até hoje no público. “Foi um filme feito para isso”, analisou a atriz sobre o longa rodado em 1970 como uma das seis obras da Belair, produtora que Sganzela criou em parceria com Ronaldo Bressane e Helena no período mais duro do regime militar no Pais.

“O Bandido da Luz Vermelha também passou aqui. E Luz nas Trevas também. Foram sessões mais fáceis, pois são longas mais narrativos. Copacabana é uma experiência. Provoca sensações variadas na plateia”, declarou Helena. “Não existe uma interpretação realista desse filme. Ele nos faz sofrer, incomoda. É um longa expressionista, quase uma pintura”, declarou outro espectador, que será reexibido no Brasil no Festival do Rio, em outubro.

É justamente a divergência e incômodo provocados por Copacabana Mon Amour que fazem do filme uma das grandes obras do cinema brasileiro, tão atual quanto o transe de Sonia Silk, em que o expressionismo é a única voz de seus personagens perdidos em um Brasil paradoxal.

Se o longa é controverso, o média Poder dos Afetos, exibido logo antes de Copacabana, em sua primeira sessão fora do Brasil, teve acolhida mais suave. Projeto que vai se tornar um longa, o média se passa em um cenário onírico, em que justamente amor e o afeto são capazes de quebrar preconceitos, velhas tradições e sinalizam a construção de uma realidade por meio de uma revolução amorosa. “É um filme de liberação. Fala de um outro momento do País. Eu acredito que é possível uma transformação sem que se pegue em armas. Esse filme é sobre isso”, comentou a diretora.

O longa se chamará Ralé – Um Amor Singular, que Helena dirige ainda este ano, também será estrelado por Ney Matogrosso, Djin e Simone Spoladore, entre outros. “Vai ter a mesma linha narrativa, mas ampliada. O elenco também será maior. Vai contar com Mario Bortolotto, o bailarino Marcelo Gabriel…”, contou Helena. “Estou feliz em dirigir. Comecei ainda em 2002, quando Rogério estava vivo. Ele me ajudou naquela época. E quando ele morreu, senti que o Luz das Trevas tinha de existir. E assim vou caminhando. Vou continuar”, finalizou Helena.