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Oscar 2025 e a polêmica que mudou o rumo da premiação; veja análise dos bastidores

Há muito o que se comemorar nas vitórias da noite do Oscar, e não só na de "Ainda Estou Aqui". Mas, antes, precisamos analisar a premiação

Oscar
Foto: Freepik

*Artigo escrito por Matheus Ribeiro da Cunha, estagiário e estudante de Cinema

No último fim de semana, o Brasil parou, em pleno domingo (3) de Carnaval, para assistir à cerimônia do Oscar. Mesmo com os pedidos de Fernanda Torres para que não houvesse “clima de Copa do Mundo”, era inevitável: o povo brasileiro torcia pela vitória do país na premiação, como na mais importante das competições de futebol.

E, por conta de toda a expectativa gerada pelos brasileiros, houve um certo clima de decepção quando o Brasil saiu vencedor de apenas uma categoria: a de Melhor Filme Internacional.

Oscar: há muito o que comemorar

Porém, há muito o que se comemorar nas vitórias da noite – e não só na de “Ainda Estou Aqui”. Mas, antes, precisamos analisar a fundo os resultados da premiação.

O que aconteceu nas principais categorias foi resultado direto de todas as polêmicas em que Karla Sofía Gascón, estrela de “Emilia Pérez”, se envolveu nas semanas que antecederam a votação.

O filme francês, apesar de envolto em controvérsias desde seu lançamento em Cannes, era considerado o favorito para vencer a principal categoria da noite.

Algumas semanas depois do Globo de Ouro – onde Fernanda Torres venceu a categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama e se consolidou como uma forte concorrente ao Oscar –, uma série de tweets polêmicos de Karla Sofía Gascón surgiu nas redes sociais.

Controvérsia de “Emília Pérez”

Se Emilia Pérez já era controverso por suas músicas, além da representação de pessoas trans e latinas, agora havia um problema ainda maior: a atriz que havia sido o rosto de toda a campanha tinha uma série de publicações consideradas ofensivas em suas redes sociais.

Isso colocou em xeque tudo o que era esperado nas categorias de Melhor Filme e Melhor Filme Internacional.

Se “Emilia Pérez” era visto como o vencedor óbvio de ambas as categorias, Melhor Filme Internacional passou a ser considerado uma disputa de “Ainda Estou Aqui”, o concorrente mais forte, enquanto a categoria principal ficava aberta a possibilidades, com “Anora”, “Conclave” e “O Brutalista” sendo apontados como os principais concorrentes.

Isso acabou se confirmando, com “Anora” ganhando bastante força nas premiações que antecederam o Oscar e levando a principal categoria da noite. Esse resultado também se refletiu na categoria de Melhor Atriz, sempre considerada bastante disputada.

Boas narrativas de Demi Moore, Fernanda Torres e Mikey Madison

A verdade é que Demi Moore, Mikey Madison e Fernanda Torres tinham todas boas narrativas para conquistar aquele prêmio. Todas tiveram momentos de favoritismo durante as semanas que antecederam a premiação.

O resultado seguiu um padrão comum: a vitória da atriz que estrelava o filme vencedor de Melhor Filme – o que não é exatamente surpreendente em uma disputa acirrada, ainda que Demi Moore fosse vista como uma vencedora provável.

Mas a vitória de Mikey Madison vai além disso. Inicialmente, pode parecer uma derrota para a representatividade, já que ela concorria com uma mulher mais velha, uma mulher trans, uma mulher negra e uma latina. Porém, há outra perspectiva a ser considerada.

Em 1996, Demi Moore apostou toda a sua carreira em “Striptease”, filme em que interpretou uma stripper, e que, na época, foi considerado um dos piores filmes de todos os tempos.

Isso a consolidou como uma “atriz pipoca”, que não merecia ser levada a sério. Agora, Mikey Madison ganha o Oscar interpretando uma profissional do sexo.

Filme sobre sexo quase destruiu carreira de Demi Moore

Num momento em que o conservadorismo está em ascensão, ver um filme que aborda sexo e prostituição – numa tentativa de humanizar essas profissionais – vencer a principal categoria da noite é extremamente relevante, ainda mais quando outros filmes que tratavam de temas como sexo e desejo, como “Nosferatu”, “Babygirl”, e os excelentes “Challengers” e “Queer”, de Luca Guadagnino, foram esnobados na premiação.

Se, no passado, viver uma profissional do sexo quase destruiu a carreira de Demi Moore, desta vez, o papel consolidou a trajetória de Mikey Madison.

Essa vitória se torna ainda mais interessante pelo fato de “Anora” ser um filme independente norte-americano, um dos poucos não distribuídos por um grande estúdio a vencer Melhor Filme.

O cinema independente também foi representado por “Flow”, primeiro Oscar da Letônia, que venceu a categoria de Melhor Filme Animado, tendo sido realizado por uma equipe de apenas cinco pessoas, em um software gratuito.

Da mesma forma, “No Other Land”, vencedor do prêmio de Melhor Documentário, representa uma conquista importantíssima ao expor os horrores vividos diariamente pela Palestina para todo o mundo, em uma premiação de grande visibilidade como o Oscar.

“Ainda Estou Aqui”: vitória em um momento especial

Por fim, “Ainda Estou Aqui”, vencedor na categoria de Melhor Filme Internacional, representa o que há de melhor no cinema nacional ao contar uma história autenticamente brasileira.

Ganhar esse prêmio é uma grande conquista e foi um momento especial, mas não foi a maior vitória do filme.

E, sim, teria sido emocionante ver Fernanda Torres ganhar aquele prêmio. No entanto, isso de forma alguma diminui a importância e o merecimento de quem saiu vitorioso, especialmente no cenário sociopolítico atual.

A maior conquista de “Ainda Estou Aqui”, no fim das contas, não foi o Oscar de Melhor Filme Internacional, mas sim a visibilidade mundial que trouxe ao cinema brasileiro em um momento em que a indústria local busca se reinventar e se redescobrir.

A indicação à categoria principal garantiu que o filme fosse visto e, assim, expôs os talentos e a história do Brasil para todo o mundo – e isso vale mais que qualquer estatueta.