Paixão, intensidade, empoderamento, aceitação e transformação. Isso resume o trabalho que Giselle Ferreira, de 52 anos, tem feito com as mulheres que escolheram a dança flamenca.
Giselle é professora, coreógrafa e diretora do Alma Andaluza Studio de Dança. A carioca chegou ao Espírito Santo há mais 25 anos e abriu o espaço em 2011, mas sua história com a arte começou aos 7 anos, no balé clássico. Aos 12, foi apresentada à dança espanhola; aos 14, ao flamenco. Com 16 anos, já era assistente da professora.
Aos 17 anos, Giselle assumiu a sala de aula e passou a integrar um grupo profissional da Casa de España, um dos maiores clubes da zona sul do Rio, onde dançou até os 22. Desde então, esteve envolvida com a dança flamenca, fazendo cursos e se aperfeiçoando com professores espanhóis no Brasil.
O flamenco é uma dança muito passional, e o brasileiro se identifica muito com ele. O estilo me conquistou porque trabalha algo muito íntimo: a expressão dos sentimentos através da dança. Há uma parte festiva, mas também uma parte muito íntima, na qual cada bailarino coloca sua história de vida.
Flamenco como ferramenta de cura
Cerca de 40 mulheres dançam no Alma Andaluza e, durante os 35 anos de experiência, Giselle já testemunhou grandes mudanças na vida de quem passou pelo estúdio – especialmente em relação à autoestima.
“Há um espelho enorme na frente da sala e já tive alunas que não conseguiam se olhar. Parece algo simples, mas isso diz muito sobre autoestima. Eu as incentivo a olharem no espelho e identificarem o que têm de melhor, em vez de focar no que não gostam. É um exercício de reconexão com o feminino, uma cura, uma aceitação do próprio corpo”, explicou.
A professora de dança ainda reforça que o flamenco e a dança cigana promovem processos internos de aceitação do próprio corpo, já que não é preciso ter um tipo de corpo ou idade específicos. Qualquer pessoa pode dançar.
“A própria postura da dança proporciona consciência corporal, permitindo que a mulher se veja de forma positiva. O foco está na autoestima, que considero até mais importante do que o conceito de empoderamento. Para se sentir empoderada, é preciso primeiro fortalecer a autoestima”, pontuou.
Por meio da arte e da técnica, Giselle incentiva o acolhimento feminino, despertando um olhar gentil sobre as alunas e sobre as mulheres ao redor. “Quando nos olhamos com carinho e valorizamos o que temos de melhor, passamos a nos cobrar menos e também a cobrar menos das outras”.
Acolhimento e reconexão com o feminino
Além de especialista em dança flamenca, desde 2016, Giselle é terapeuta holística. Ela revela que sentia falta de ter embasamento para acolher as dores de quem chegava até o estúdio.
“Meu olhar como professora se tornou mais treinado para perceber e analisar os desafios de cada mulher que chega. Às vezes, há abertura para conversas mais profundas e algumas aulas se tornam momentos de troca, em que falamos sobre experiências e sobre como a dança pode atuar como ferramenta de mudança interna”, contou.
Essa transformação começa antes mesmo dos primeiros passos de dança. No ritual de vestir a saia, calçar os sapatos, adornar o cabelo e arrematar com o xale, para Giselle, simboliza a relação com a ancestralidade feminina que, por vezes, é perdida.
Esse ritual traz algo a mais para a sala de aula. Acredito que o flamenco tem essa conexão entre terra e ar. É uma dança que nos mantém firmes no chão, mas também nos eleva. E esse fluxo energético se reflete na vida.