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Imaginário do candomblé e paisagem urbana inspiram artistas da Exposição 20/20

A mostra celebra os 20 anos do Museu Vale e traz obras de 20 artistas nascidos ou moradores do Espírito Santo.

De monitora e estagiário de arte-educação a expositores. Essas duas trajetórias estão vivamente presentes na Exposição 20/20, que marca os 20 anos do Museu Vale, com as participações dos artistas Juliana Pessoa e Gabriel Borem. Ex-colaboradores do espaço, cheios do sentimento de realização, ambos trazem para a mostra comemorativa obras maduras e consistentes.

Foto: Divulgação

Fruto de uma pesquisa que realiza desde 2014 a partir do imaginário do candomblé, retratado, principalmente, pelo etnólogo Pierre Fatumbi Verger e pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Espírito Santo (Neab/Ufes), Juliana expõem desenhos da série Motumbá, que vão ao encontro da ancestralidade afro-religiosa, revelando o seu vigor, grandeza e dignidade.

Foram quatro meses de trabalho, partindo de fotografias do livro Orixás, de Pierre Verger, e, a seguir, lançando mão de materiais elementares, como carvão, giz, pigmentos em pó e papel pardo, a artista repercute a simplicidade dessas religiões, que reconhecem em cada elemento da natureza, incluindo o vigor do próprio corpo, a essência do divino.

“Eu utilizo a borracha como elemento de desenho. Apago e volto inúmeras vezes, criando várias camadas. Essa ação tem em vista imprimir no papel uma gestualidade que indica movimento. Nesse sentido, apesar de estáticos, os desenhos dão a impressão de se moverem, como se dançassem, refletindo a dinâmica própria dessas religiões, que se funda no ritmo, na dança e no gesto. Isso significa dizer que a opção de desenhar, a partir de fotografias, não visa a sua reprodução, mas sim repercutir as forças ativas que delas emanam”, explica Juliana.

Foto: Divulgação

Em outra linha de trabalho, Gabriel Borem traz para a Exposição 20/20 uma instalação composta por uma coleção de fragmentos urbanos de metal, móveis de cozinha, grades, automóveis, cabos, latas, caçambas e restos de canteiros de obras coletados nas ruas, quintais e fissuras da cidade. Orientados como um frame panorâmico da paisagem urbana e instalados diretamente na parede, as peças reunidas cumprem o intuito de provocar a discussão em torno do campo da pintura na contemporaneidade, partindo do tema da paisagem como ponto de interesse. “Chama-se ‘Abandeiramento, Serra Siderúrgica’ e faz parte da série ‘Urbanorâmicas’, apresentada pela primeira vez em 2012”, explica Gabriel.

O artista explica que seu processo de criação teve início na reflexão e, pelo fato de lidar com o conceito de site-specific ou de arte ambiente, ele partiu para a decisão de usar apenas o metal para trabalhar. Foram dois meses de coleta dos materiais e depois, diante da parede, em dois dias, foi feito o mapeamento da distribuição dos itens e a montagem de cada parte, absorvendo materiais como pregos, parafusos, imãs, massa corrida e etc., e contando com a expertise dos montadores Danilo Porphírio de Almeida e Lucas Oliveira Andrade, capitaneados por Tuca Sarmento.

Foto: Divulgação

Para Juliana e Gabriel, o Museu Vale tem uma importância significativa em suas carreiras. “Junto com a Ufes, considero o Museu um elemento central para a minha formação como artista e cidadã. Foi lá que pude ter contato com obras e artistas que conhecia de livros. Essa oportunidade é fundamental para quem busca construir uma carreira na área, porque permite pensar por si mesmo, sem a mediação de um autor. O Museu é um lugar privilegiado para o exercício da criatividade”, comenta Juliana.

“São muitas as camadas de importância que este lugar tem para mim. Eu já estava completamente interessado pela arte contemporânea e ter conhecido o Museu recém-aberto, só confirmou meu sentimento. Fui estagiário lá, onde até hoje eu me sinto em casa”, cita Gabriel.

Saudosa das vivências no Museu Vale, Juliana fala das lembranças que o espaço deixou. “A liberdade. Não havia fórmulas a serem seguidas, nem imposição de narrativas. Nós recebíamos o material sobre as exposições e podíamos descobrir, a cada dia, junto ao público, a nossa própria abordagem. Outro aspecto era o alto grau de profissionalismo. Temos a ideia de que o trabalho com arte é frouxo e isso é um erro. Da produção da exposição ao serviço educativo, tem muito esforço empenhado. Sem isso, nada acontece”, explica Juliana.

Foto: Divulgação

Para Gabriel, ser selecionado para mostrar o seu trabalho quando o Museu Vale completa 20 anos é muito especial. O mesmo sentimento é demonstrado por Juliana, que considera a Exposição 20/20 um marco em sua carreira. “É difícil ser artista no Espírito Santo, são poucas oportunidades, tendo em vista a quase ausência de um mercado ou sistema de arte em nosso Estado. Assim, a opção mais lógica é ir embora, para nunca mais voltar. Porém, para mim, permanecer aqui é também uma atitude política, no sentido de tentar participar da construção de um cenário artístico em nossa terra, algo que o Museu nos ensina que é possível. Precisamos cuidar de nossa cultura. Cultura é isso: cultivo”, finaliza Juliana.

Serviço

Exposição 20/20

Até 25/02/2019

Terças a sextas, das 8h às 17h, sábados e domingos, das 10h às 18h

Em janeiro, terças a domingos, das 10h às 18h

Entrada gratuita

Museu Vale – Antiga Estação Pedro Nolasco, s/n, Argolas – Vila Velha/ES

Informações: (27) 3333-2484.