São Paulo – Há encontros musicais que marcam nossos ouvidos na primeira audição. É o caso desta dupla que se reuniu pela primeira vez 20 anos atrás. Ela, Mary LaRose, vocalista de jazz da área de Manhattan que tinha como característica pessoal a vontade de colocar letras em temas instrumentais. Ele, Jeff Lederer, músico de jazz consolidado. Clarinetista e saxofonista, mostrou-lhe temas desafiadores, compostos por nomes, como Charlie Mingus, Albert Ayler e Eric Dolphy.
Em 2001, gravaram o fabuloso CD Obbligato. E agora, 12 anos depois, constroem outra obra-prima em Reincarnation. O CD foi lançado no finalzinho de 2013 pelo selo do próprio Lederer e é uma espécie de síntese e amadurecimento de um trabalho conjunto de alta qualidade. Enquanto, em 2001, o acompanhamento era feito de dois ou três sopros ancorados num contrabaixo, agora fica a cargo de um quarteto de cordas, o Broklyn Rider, e de sopro do qual só participa o próprio Lederer.
Há uma tradição, a partir do bebop, de se colocar letras em temas jazzísticos. Desde o trio vocal Hendricks, Lambert and Ross, passando por Carmen McRae, Mark Murphy e a grande Betty Carter. Lederer e LaRose são, como os citados, mais um genial ponto fora da curva. De Reincarnation of a Lovebird e Nostalgia in Times Square, de Charlie Mingus, a Broken Shadows e What Reason Could I Give?, de Ornette Coleman; da surpreendente Ring of Fire de Johnny Cash ao adeus ao grande Dolphy em So Long Eric, réquiem por sua morte, pontificam uma escrita refinada para as cordas e a voz pequena, afinadíssima e atrevida de LaRose. Ora ela terça finos contrapontos, ora explode com o sax-tenor de Lederer, lancinante, por exemplo, em Witches and Devils, de Albert Ayler.
Lederer lançou simultaneamente outro CD, Swing N Dix, onde comprova musicalmente sua tese de que “a improvisação coletiva é o ponto comum entre a música nova e o jazz do início do século 20, possivelmente mais do que o que se tornou conhecido como o jazz moderno”.
Aqui, ele revisita, ou melhor, reinventa, temas do dixieland dos primórdios do jazz com um olhar contemporâneo. Ao seu sax-alto e clarineta juntam-se Kirk Knuffe na corneta, Bob Stewart na tuba e Matt Wilson na bateria. Em seus arranjos, trabalha com as linguagens e estilos como se estivesse diante de uma paleta de tintas. Salpica momentos free numa estrutura tradicional em Honeysuckle rose, o clássico de Fats Waller; relembra o jazz west coast de Shorty Rogers em Ride.
Seu sax duela com a bateria de Wilson em La Rosita, e junta-se à voz de Mary LaRose em uníssono na melodia tradicional My Sweet Home in Zion; encantam ainda seus delicados contrapontos na clarineta com a tuba em Nibble. Enfim, a cada novo tema, uma surpresa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.