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Livro revê relação entre cinema russo e política

Em apenas três anos, entre 1924 e 27, Sergei M. Eisenstein (1898-1948) compôs o que não deixa de ser uma trilogia sobre a tomada do poder pela classe trabalhadora na Rússia czarista, no começo do século passado. Primeiro, veio A Greve; depois, O Encouraçado Potemkin, que por décadas foi considerado o melhor filme de todos os tempos, disputando o posto com Cidadão Kane, de Orson Welles; finalmente, Outubro. O terceiro passa nesta terça, 26, na TV paga – às 11h40, no Telecine Cult.

Pode muito bem servir como pretexto para se falar do livro Cinema para Russos, Cinema para Soviéticos, de João Lanari Bo, da Editora Bazar do Tempo (304 págs., R$ 69,90), que já está nas livrarias. Quando Eisenstein fez seu filme, a estrutura de poder mudara na (então) URSS. Stalin consolidara-se no poder e reescrevia a história. Seu oponente, Trotski, que seria assassinado no México, foi banido da historiografia oficial e teve de ser excluído da reconstituição dos sete dias que abalaram o mundo – a Revolução Russa – orquestrados por Eisenstein. Isso, de alguma forma, abalou o conceito do filme tal como havia sido pensado pelo cineasta. Mais que isso, marcou o início dos problemas que Eisenstein teve com as autoridades do regime comunista – e Stalin – durante toda a sua vida.

O ponto alto de Outubro é a movimentação que resultou na tomada do palácio de inverno, como símbolo da vitória das forças populares na revolução. São antológicas as cenas do encouraçado Aurora disparando seus canhões e a multidão de manifestantes sendo metralhada pelas forças repressoras do czarismo. Eisenstein desenvolveu uma importante teoria da montagem e a chamada “montagem de atrações”, inexistente em Potemkin, organiza as imagens desse filme no inconsciente do público, compondo um vasto afresco espetacular sobre um período conturbado da história russa (e do mundo).

Revisto quase 100 anos depois, o que mais impressiona é que o filme, encarado hoje como obra de arte, possui um realismo cênico e uma montagem tão dinâmica que o espectador tende a vê-lo como autêntico documento de época. Em seu livro, Lanari Bo reflete sobre o cinema produzido na Rússia, na URSS e de novo na Rússia, após a queda do Muro de Berlim e a implosão do regime comunista.

O livro é sobre cinema e política, sobre forças de poder e controle ideológico, sobre personalismo e propaganda. Cobre desde autores do período de ouro da vanguarda, como Eisenstein e Dziga-Vertov, até autores contemporâneos como o celebrado Andrei Tarkovski. Em definitivo, é sobre os momentos em que o regime comunista impunha que o homem soviético fosse reassegurado louvado e enaltecido pelo realismo socialista que marcou os anos de Stalin, e os momentos em que o homem russo se impunha, portador de uma espécie de retorno do real, que invadia o espaço e o tempo do cinema.

Rever o clássico de Sergei Eisenstein e ler o livro de Lanari Bo são experiências enriquecedoras para qualquer cinéfilo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.