Para entender o impacto e potência de Tina Turner para a música mundial, é antes necessário saber quem foi o ícone, que partiu na tarde desta quarta-feira (24), aos 83 anos de idade. Nomes da cultura capixaba relembraram a trajetória da cantora norte-americana.
Quando deu as caras no mundo, o nome era outro: Anna Mae Bullock. Tina nasceu em 1939, em Brownsville, Tennessee. Aquele tempo representava o auge das leis de Jim Crow, que implantavam a segregação racial nos Estados Unidos. O estado natal da cantora, parte do Cinturão Sul, era conhecido pela brutalidade com que tratava os negros.
Fruto de um lar desfeito, como era costume na época, a mãe fugiu de casa logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, para fugir da violência do pai. Daquele tempo em diante, Tina e as duas irmãs mais velhas passaram a viver com os avós maternos.
Em meados dos anos 1950, ela se mudou para o Mississippi ao lado da irmã Ruby, uma compositora. Naquela mesma época começaram a zanzar pelos clubes e pela vida noturna de East St. Louis. Foi neste tempo que conheceu o guitarrista Ike Turner, com quem se casaria e daria início à carreira musical.
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“Eles vêm de um momento muito peculiar: Ike era um guitarrista de grande capacidade, indo do rock n’ roll à música negra. Ela começou como backing vocal dele, mas em determinado momento, chamou atenção e os dois formaram uma dupla: Ike & Tina Turner”, contou o músico Edu Henning, membro da banda Clube Big Beatles e grande admirador de Tina.
A parceria rendeu 24 lançamentos, entre discos de estúdio e singles até 1978. A relação rendeu não apenas sucesso, mas também diversas cicatrizes à vida pessoal de Tina, como explica Edu.
“Ele era um cara estúpido, grosso, a agredia. Com esse tipo de relação, não havia como manter a parceria. Eles se separam e ela entra em um limbo”, disse o músico.
Ressurgimento e sucesso nos anos 80
Após um período de ostracismo, Tina foi apadrinhada pelo produtor Phil Spector, e ganhou o apoio de dois fãs importantes, dois dos maiores músicos de todos os tempos: Mick Jagger e David Bowie, que a convidaram para abrir suas apresentações durante a década de 1980.
Naquela época, Tina passou a experimentar e tudo foi incorporado à sua música: o já característico rhythm and blues, além do pop, soul e o estilo que a tornaria uma rainha: o rock n’ roll.
“Ela começou a trabalhar junto com o Phil essas músicas com várias camadas, desenvolveu um caminho para toda uma geração de música negra. Ali ela viveu um sucesso muito avassalador, um hit atrás do outro e não parou mais. Não é que ela fez sucesso, ela esteve no topo, sempre, por 20 anos consecutivos. Naquele momento, ela dominou o mundo”, explicou Edu.
Tina surfou a onda do sucesso com o profissionalismo de poucos artistas antes dela. Foram trilhas sonoras, discos que vendiam milhões de cópias, que ajudaram a sacramentar o espaço da música negra naquele período.
Foi durante esta época que a artista fez seu primeiro e único show no Brasil, em 1988, no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Edu marcou presença no show e se lembra do impacto.
“Foi simplesmente incrível, o local estava lotado! Foi recorde de público na época. Ela trouxe um verdadeiro show, com explosões, performance, com influência de música brasileira, inesquecível”, disse.
Influência para as próximas gerações
Como um filho bastardo do blues, o rock n’ roll se construiu com as raízes negras do Sul dos Estados Unidos. Mas ao contrário do lamento aveludado dos violões do delta, o novo estilo se utilizava da felicidade e da rebeldia como instrumentos para enfrentar o status quo.
Isso se torna notório no trabalho de Tina Turner, sempre engajada em causas sociais e nas pautas raciais, além da sensualidade e inteligência para firmar o lugar da música negra no imaginário popular.
“Era um fenômeno, uma mulher poderosa, de postura, de posicionamento. É impossível não citá-la na questão do desafio. Sempre engajada nas causas sociais, na questão racial. Ela abriu espaço para muitos artistas que vieram depois e bebem na mesma fonte como Beyoncé e Rihanna. A questão da sensualidade, mas também da elegância e em fazer grandes músicas, produzir um grande show”, destacou Edu.
Influência para todos os DJs
Renato Vervloet é nome conhecido na cena musical capixaba. DJ e, primeiramente amante de música, é um grande admirador da vida e trajetória de Tina Turner. Ele conta que a música de Tina foi uma grande influência para sua carreira, além como de várias outras pessoas que já se arriscaram nas pickups.
“Sua música influênciou minha carreira assim como praticamente todos os DJs da minha geração, no lançamento do LP ‘Private Dancer’ de 1984 com os sucessos What’s Love Got To Do With It, Private Dancer e Let’s Stay Together, essa última lançada em versão Extended num single que vendeu nas lojas do Brasil na época e tive oportunidade de adquirir”, disse.
Ele se lembra também de conhecer grandes sucessos de Ike & Tina durante os anos 1990, com remixes e regravações dos clássicos, o que teve um grande impacto em sua vida profissional e pessoal.
“Nos anos 1990, a clássica de Ike e Tina Turner, NutBush City Limits, que era um rock & roll dancante ganhou um remix House Music feito pelo DJ e produtor CJ Mackintosh. Outra faixa que marcou para mim, foi Raise Your Hand (U Got To) também da era Ike & Tina que ganhou um super remix house no ano de 2005”.
Outra característica marcante da vida de Tina, para o DJ foi sua capacidade de se reerguer em momentos de dificuldade, até mesmo superando grandes traumas como a violência doméstica.
Segundo ele, a cantora era um exemplo de força para outras mulheres, o que torna difícil descrever sua importância e impacto na cultura pop e na luta por direitos.
“É dificil resumir uma história músical de três décadas, aliada a uma história de vida de mais de 80 anos repleta de desafios e transformações. Sua história de vida e profissional são exemplos da força da mulher na luta contra os abusos, agressões e exploração”.
Imbatível nas rádios
Outro grande fã do trabalho de Tina, é o radialista Sergio Nascimento, um admirador confesso de rock n’ roll e rhythm and blues. Segundo ele, um dos momentos que mais queria ter presenciado da artista aconteceu quando ela já marcava seus 50 anos, em 1969.
Naquele ano, Tina dividiu o palco com outro grande nome feminino do rock n’ roll, a igualmente inesquecível Janis Joplin. “Tina cantava Rock, Blues, Soul, R&B, chegou a ter uma participação com Janis Joplin, imagina esse encontro? Foi em 1969 no Madison Square Garden, em Nova Iorque”, disse.
De acordo com o radialista, Tina dividiu o sucesso com outras grandes artistas, mas quando o assunto era sucesso nas rádios, não tinha para ninguém, ela era imbatível.
“Tina Turner era uma potência gigantesca, uma voz retumbante, umas das maiores divas da música pop mundial. Para mim estava entre as três gigantes: sendo as outras duas Whitney Houston e Donna Summer. Mas no rádio Tina foi imbatível, emplacou inúmeros hits, em especial na década de 80”, disse.
Uma perda dolorosa
Sérgio afirma ainda que não há como mensurar a perda de uma artista do calibre de Tina Turner. Afastada dos palcos desde 2008, a artista morreu pacificamente em sua casa, na Suíça. De acordo com o radialista, a perda será sentida.
Se o cetro de rei do rock é disputado em um cabo de guerra entre Elvis Presley e Chuck Berry desde os anos 1950, para o radialista capixaba, o título de rainha pertence indiscutivelmente à cantora.
“Artisticamente, ela já havia se despedido há 15 anos, quando decidiu se aposentar dos palcos; mas a saída definitiva de uma marca tão relevante pra música mundial é sempre muito sentida”, disse.
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