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Invasões de terras têm se tornado constantes neste ano, exemplos que ganharam repercussão foram as invasões de fazendas produtivas de cultivo de eucalipto na Bahia, que provocaram imediata reação do agronegócio e de instituições ligadas ao setor, bem como de políticos e lideranças nacionais. Desta vez, 250 pessoas invadiram três áreas com cerca de 800 hectares em Pernambuco, dando início ao Abril Vermelho – movimento dos trabalhadores rurais em defesa da reforma agrária. Mas, afinal, seria esse o melhor caminho para solucionar o problema de terras do Brasil? A coluna Agro Business conversou com o presidente da Comissão de Direito Agrário e Agronegócios da OAB-ES, Lorenzo Mill, para entender melhor este cenário.
Frente a este cenário de insegurança no campo, políticos brasileiros já começaram a se posicionar a respeito do assunto, bem como colocaram no radar Projetos de Lei que, se forem aprovados, podem contribuir para coibir este tipo de ação. Sendo eles:
O PL 8262/2017, que permite ação da polícia sem ordem judicial em ocupação de imóveis, está em análise na Câmara dos Deputados. Essa é uma proposta para permitir a ação policial, sem necessidade de ordem judicial, na retirada de invasores de propriedade privada.
Já o PL 1198/2023 aumenta a pena para invasores de terras públicas e privadas. A intenção é alterar o Código Penal e aumentar a punição para quem invadir terrenos e edifícios no país. Caso aprovado, a punição passaria dos atuais de um a seis meses de detenção para 4 a 8 anos.
Um outro projeto 895/2023 prevê que os invasores de terras não possam participar do benefício social do Bolsa Família. Já a PL 1373/23 foi apresentada para impedir que invasores de propriedades rurais sejam beneficiários de programas relacionados à reforma agrária, regularização fundiária ou linhas de crédito voltadas ao setor.
Lorenzo Mill, advogado e presidente da Comissão de Direito Agrário e Agronegócios da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Espírito Santo (OAB-ES), afirma que já existem instrumentos legais para solucionar ou amenizar o problema, sem que as pessoas tenham o seu patrimônio violado.
Um deles é o artigo 184 da Constituição Federal que diz que a União deve desapropriar, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo a sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos de dívida agrária.
Agro Business: Quais instrumentos legais existentes são mais apropriados para minimizar as invasões e os conflitos por terras?
LM: Além de ilegais, as invasões de terra não são medidas inteligentes. Claro que o Brasil possui um grave problema de concentração fundiária, cenário que favorece os latifúndios improdutivos, mas existem instrumentos legais para solucionar ou amenizar o problema.
Um deles é o artigo 184 da Constituição. Para viabilizar esse comando constitucional, a Lei nº 8.629/1993 especificou o que seria o cumprimento da função social, estabelecendo graus de utilização da terra e de eficiência na exploração.
Além disso, a lei visa os imóveis classificados como grandes propriedades improdutivas, ou seja, aquelas áreas superiores a 15 módulos fiscais (na maior parte dos municípios capixabas, 1 módulo fiscal corresponde a 20 hectares, mas em Ponto Belo, por exemplo, chega a 60 hectares)
Em resumo, a desapropriação é o instrumento legal mais adequado para solucionar os conflitos por terra. Não precisamos inventar nada novo, basta que haja vontade política e planejamento estratégico, o que inclui levantar fundos para o pagamento das indenizações.
AB: Quais são os caminhos legais que os movimentos de trabalhadores sem terra podem adotar para terem direito à reforma agrária?
LM: Esses movimentos podem usar sua capacidade de mobilização para exercer pressão política sobre os órgãos públicos encarregados da reforma agrária, em especial sobre o Incra (autarquia vinculada à União). Eles precisam exigir que a instituição cumpra as suas funções e utilize a legislação já existente, que é satisfatória.
Inclusive, a participação dos movimentos sociais na indicação de áreas a serem desapropriadas é prevista pelo Decreto nº 2.250/1997, que também garante a presença de representante técnico dos movimentos durante a realização da vistoria do imóvel.
A reforma agrária deve ser feita dentro da lei. Invadir terra alheia é exercício arbitrário das próprias razões, e nenhuma sociedade minimamente próspera e ordenada pode tolerar isso.
Um dos mais bem-sucedidos programas de reforma agrária da história brasileira foi feito no Rio Grande do Sul, durante a década de 1950, por Leonel Brizola, sem a invasão de um único terreno. O governo gaúcho impôs essa condição aos movimentos sociais para que o programa fosse realizado.
AB: Em todo caso, quais medidas dentro da lei os proprietários de terras podem utilizar caso haja suspeita de invasões e/ou quando for detectado que as terras foram invadidas?
LM: As medidas mais comuns são as ações judiciais possessórias (reintegração para os casos de perda da posse, interdito proibitório para os casos de ameaça à posse, e manutenção para os casos de moléstia da posse).
O possuidor – que não necessariamente é o proprietário do imóvel, pois posse e propriedade são coisas diferentes – ajuíza a ação com um pedido liminar, para que não tenha de esperar todo o trâmite do processo para ver sua posse retomada ou protegida. Com a concessão da ordem judicial, o possuidor pode solicitar auxílio de força policial para vê-la cumprida.
Existe, ainda, um mecanismo extra menos conhecido: é o chamado “desforço imediato”, previsto no Código Civil. O possuidor pode manter ou retomar a posse por sua própria força, contanto que o faça logo (ou seja, esses atos de defesa precisam ser praticamente simultâneos à perturbação da posse).
É uma das raras hipóteses de autotutela admitidas no direito brasileiro, isto é, o indivíduo não precisa recorrer ao Poder Judiciário para fazer valer o que interpreta como seu direito.
Então, se a intenção for tornar as coisas mais rápidas e menos burocráticas, é recomendável que grandes proprietários mantenham auxiliares permanentemente em seus imóveis, para que possam utilizar o recurso em caso de invasão.
Vale lembrar, claro, que os atos de defesa não podem ir além do indispensável à manutenção ou recuperação da posse porque qualquer excesso será tido como crime. A legislação não admite violência generalizada no campo.
AB: Alguns projetos de lei estão tramitando na Câmara dos Deputados para coibir invasões em propriedades rurais. Qual a chance desses projetos irem adiante?
LM: É difícil falar sobre chances de aprovação, pois frequentemente os projetos são objeto de negociações das quais não temos ciência. Sobre o conteúdo dos PLs, me chama a atenção o de nº 8.262/2017 porque ele muda a dinâmica do “desforço imediato”, permitindo que o possuidor solicite auxílio policial para repelir a invasão – atualmente, a força policial pode ser realizada somente mediante ordem judicial.
Certamente, isso fortaleceria o “desforço imediato” em detrimento das ações judiciais possessórias, conferindo maior autonomia aos possuidores. De todo modo, tenho ressalvas quanto ao critério eleito pelo PL para solicitação da força policial: apresentação de “escritura pública que comprove a propriedade do imóvel”.
Isso acaba excluindo os meros possuidores – como dito acima, posse e propriedade são coisas diferentes. Para que haja direito de propriedade sobre o imóvel, é preciso uma escritura pública no registro geral de imóveis da comarca em que o imóvel se localiza.
E não é raro, no meio rural brasileiro, nos depararmos com áreas cultivadas e ocupadas há gerações sem escritura pública. A regularização fundiária é outro desafio a ser enfrentado.
O agronegócio por ser uma das principais atividades econômicas do Espírito Santo tem ganhado protagonismo na mídia. Com uma diversidade de culturas, desde o café até o cacau, passando por frutas, hortaliças e pecuária, a produção agrícola capixaba tem grande força nas economias local e nacional.
Produzida pela Conexão Safra, a quarta edição do Anuário do Agronegócio Capixaba abordou conteúdos com o tema principal “Tecnologia e sustentabilidade: os caminhos do agro”. Focadas no agro, as publicações potencializaram os acessos ao site no mês de março.
Em plena pandemia, a turma liderada pela jornalista Kátia Quedevez lançou a Safrinha HQ, o agro capixaba contado em histórias em quadrinhos, com personagens reais do setor. Novos episódios estão sendo preparados e com novidades pela frente, com a proposta de unir agronegócio e educação. Vamos acompanhar!
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