Aprovação do marco temporal traz segurança jurídica ao campo, apontam especialistas do agronegócio
Um impasse pode proibir a produção agropecuária em áreas consolidadas da Mata Atlântica em 2,2 milhões de propriedades rurais em 10 estados brasileiros, incluindo o Espírito Santo. A Embrapa estima perdas consideráveis em diversas culturas do Brasil, pois a produção de arroz pode sofrer uma queda de 80%, a de maçã pode ser reduzida em 85%, a de soja em 40%, a de uva em 56% na uva, a de café em 50%, a de trigo em 84%, entre outras.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6446), que questiona a não aplicação do Código Florestal em áreas de Mata Atlântica, será julgada pelo STF nesta sexta-feira (02).
A ação levanta a questão sobre a necessidade de uma interpretação única na administração pública, considerando que existe uma lei específica para a proteção da Mata Atlântica promulgada em 2006, antes do Código Florestal.
O ponto principal é que a lei da Mata Atlântica não prevê a possibilidade de atividades produtivas no bioma, o que cria um impasse com o Código Florestal. Essa divergência tem gerado preocupações para os produtores.
As restrições teriam impacto negativo nas atividades agropecuárias, afetando diversas cadeias produtivas, como café, pecuária de leite e de corte, fruticultura e horticultura. Segundo os primeiros levantamentos de um estudo da Embrapa, os impactos serão especialmente sentidos pelos pequenos produtores e pela agricultura familiar.
No Brasil, o alcance da decisão de restrição atingiria 936 municípios em 10 estados, totalizando uma área de quase 52 milhões de hectares (46% do bioma Mata Atlântica). Com recorte para o Espírito Santo, podem ser impactadas 46.156 mil propriedades cadastradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), em 35 municípios, cobrindo uma área de 1,7 milhão de hectares.
No caso do café, 50% da produção brasileira pode ser reduzida. O estado de Minas Gerais pode perder 30% da produção, levando à redução da disponibilidade dos grãos no mercado interno, além de afetar as exportações. No ES, isso também é motivo de preocupação visto que é o segundo maior produtor de café do país.
A Associação Agricultura Forte, representada por Geraldo Ferreguetti, ressalta que os impactos na produção agropecuária estão em evidência, especialmente no ES porque cerca de 70% das propriedades são dedicadas ao cultivo de café. Além disso, alguns municípios poderiam perder toda a produção de hortaliças, inclusive Santa Maria de Jetibá, considerado o maior fornecedor de hortifruti capixaba.
Ele ressalta que impor regras sem considerar os impactos econômicos pode causar sérios danos à economia capixaba. Ele argumenta que as propriedades rurais estão localizadas em áreas de Preservação Permanente (APP) já consolidadas, onde já não há risco de erosão ou contaminação do solo.
“A maioria das pessoas são conscientes da importância da agricultura e do meio ambiente ao lado do Código Florestal. Nós temos 66% da vegetação nativa do Brasil dos quais 26% está dentro de propriedades particulares, o que demonstra o compromisso dos produtores com a preservação”, afirmou Ferreguetti.
Um dos pontos abordados por ele é a insegurança jurídica e financeira gerada por possíveis mudanças nas regras ambientais. Como o país tem passado por um momento de discussões sobre privatizações e mudanças fiscais, existe uma tendência de aumento da incerteza tanto para produtores quanto para investidores.
“Qualquer mudança generalizada nas regras do Código Florestal deve ser feita de forma gradual e regionalizada, levando em consideração as particularidades de cada região. É necessário um olhar técnico sobre a preservação ambiental, mas o momento atual não é propício para uma revisão ampla e abrupta da legislação”, concluiu.
A seguir estão alguns números consolidados pela Embrapa que demonstram os possíveis impactos econômicos:
-Perda de 80% da produção de arroz do Brasil;
-Impacto de 85% da produção de maçã do Brasil;
-Perda mínima de 40% da produção de soja do Brasil;
-Perda de 56% da produção de uva do Brasil;
-Impacto de 50% da produção de café do Brasil;
-Perda de 84% da produção de trigo do Brasil;
-Extinção de 100% das atividades agrárias do sul do país;
-Eliminação de 30% da produção cafeeira em Minas Gerais.
A discussão sobre o tema envolve decisões que causam insegurança jurídica no campo. As entidades ligadas ao agronegócio defendem a aplicação do Código Florestal ao bioma Mata Atlântica na medida em que a Lei da Mata Atlântica inviabiliza as atividades nas propriedades rurais.
Uma ação judicial (ADI 6446), iniciada em 2020, questiona a não aplicação do Código Florestal em áreas de Mata Atlântica. A Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou que certas partes do Código sejam aplicadas ao bioma, permitindo atividades produtivas em áreas de preservação permanente, desde que atendidos determinados critérios.
O processo busca estabelecer uma interpretação única na administração pública, já que há uma lei específica de proteção à Mata Atlântica promulgada em 2006, que não prevê a possibilidade de atividades produtivas no bioma. Os órgãos ambientais argumentam que a norma anterior deve prevalecer sobre o Código Florestal, devido à sua especificidade.
Embora o Código Florestal seja uma lei moderna e que aborda questões não contempladas na Lei da Mata Atlântica, os tribunais têm decidido em favor da aplicação desta última, apesar do STF já ter reconhecido a constitucionalidade do Código Florestal. Portanto, a questão está em disputa judicial, gerando insegurança jurídica.
Leandro Mosello, advogado especialista na área ambiental, ressalta que o Instituto das Áreas Rurais Consolidadas é aplicável no bioma Mata Atlântica por várias razões. De acordo com ele, a Lei Federal nº 11.428/2006, conhecida como Lei da Mata Atlântica, estabelece expressamente em seu artigo 1º que a proteção desse bioma deve ser combinada com o Código Florestal.
“Não há contraposição entre as normas (antinomia) porque o instituto das áreas rurais consolidadas foi criado pela Lei Federal nº 12.651/2012, que é autônoma e não tem correspondente na legislação específica do Bioma Mata Atlântica”, afirmou Mosello.
“Durante o processo legislativo do Código Florestal, que incluiu centenas de audiências públicas, a aplicação do código foi projetada e aprovada, por ampla maioria no Congresso Nacional, para todo o território nacional, sem ressalvas para um bioma específico”.
Segundo o advogado, o reconhecimento da constitucionalidade da aplicação do instituto das áreas rurais consolidadas no bioma Mata Atlântica não possibilita a perda de um único centímetro quadrado sequer dos seus remanescentes existentes.
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