Out 2024
15
Stefany Sampaio
AGRO BUSINESS

porStefany Sampaio

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Stefany Sampaio
AGRO BUSINESS

porStefany Sampaio

No Espírito Santo, diversas comunidades quilombolas se concentram na região norte, como o Quilombo do Sapê do Norte, que abrange Conceição da Barra e São Mateus. Essas comunidades mantêm viva a cultura afro-brasileira, enfrentando ao mesmo tempo desafios de regularização fundiária.

Atualmente, há 26 comunidades quilombolas certificadas no Sapê do Norte. Esse processo de certificação, conduzido pela Fundação Palmares, é rigoroso e inclui análise documental e visitas técnicas, mas a certificação não garante automaticamente a demarcação ou desapropriação da terra.

A responsabilidade pela regularização dos territórios quilombolas é do INCRA, que lida com identificação, desapropriação e titulação, enfrentando, contudo, limitações orçamentárias. No norte do estado, existem denúncias que indicam que a grilagem e outras ameaças à segurança das comunidades complicam ainda mais o processo de regularização e geram conflitos.

Um outro fato que merece atenção é que o ano de 2024 trouxe um cenário preocupante de incêndios florestais, agravado pela estiagem severa e aumento das temperaturas. De janeiro a agosto, o número de queimadas subiu 94% em relação ao ano anterior, somando 2.331 ocorrências no Espírito Santo. Segundo o Corpo de Bombeiros, as regiões mais afetadas foram a Metropolitana (818 ocorrências), a Norte (466) e a Sul (449), com Serra, Linhares, Cachoeiro de Itapemirim, Vila Velha e Colatina entre os municípios mais atingidos. Além de impactar o meio ambiente, os incêndios afetam a biodiversidade, a qualidade do ar e a saúde pública nas regiões afetadas.

Vale lembrar que a região norte do Espírito Santo é estratégica para a instalação de grandes empresas, especialmente nos setores agrário e mineral, que geram empregos e movimentam a economia local. Em entrevista, o advogado Diogo Ciuffo Carneiro comenta sobre a situação e explica os principais desafios fundiários no estado.

Agro Business: As invasões de terras são uma realidade que impacta muitas vidas. Em muitos casos são executadas pela justiça as medidas de reintegração de posse. Qual a situação no Espírito Santo e quais fatores levam a essas invasões?

Diogo Ciuffo: Observamos um aumento nas ações de reintegração de posse no Norte do Espírito Santo, especialmente em fazendas produtivas que cumprem sua função social.

A região norte do Espírito Santo tem uma presença histórica de comunidades tradicionais, como quilombolas. Recentemente, essas invasões não foram realizadas por comunidades tradicionais, mas por indivíduos com interesse próprio, o que inclui a prática de grilagem. O Judiciário, em geral, tem concedido liminares de reintegração, respeitando o direito de propriedade dos donos. Ao mesmo tempo, é importante distinguir entre as comunidades tradicionais e invasões que desrespeitam o Estado de Direito.

Agro Business: Como ocorre o processo de remarcação de terras para comunidades tradicionais no INCRA? Poderia detalhar as etapas e os desafios enfrentados pelos proprietários e pelas próprias comunidades?

Diogo Ciuffo: O processo de remarcação de terras para comunidades tradicionais é de fato bastante extenso e começa com a análise da Fundação Palmares, que verifica a presença e os direitos das comunidades quilombolas na área. No INCRA, o processo inclui mapeamentos e entrevistas, avançando para a fase final, que envolve indenização dos proprietários.

Esse processo exige muita cautela, tanto para verificar se os indivíduos reivindicantes realmente pertencem a essas comunidades, quanto para assegurar que áreas produtivas – que cumprem uma função social e geram receitas e empregos – não sejam afetadas.

Agro Business: Quais são os desafios na viabilidade dos reassentamentos, especialmente quanto ao tamanho das áreas destinadas a cada família?

Diogo: Um dos maiores desafios é o tamanho das áreas oferecidas, pois alguns lotes chegam a 60 campos de futebol por família. Manter uma área dessa extensão pode gerar custos anuais de cerca de até 3 milhões de reais, algo inviável para a maioria das famílias dessas comunidades. Esse modelo de loteamento pode levar ao risco de abandono ou venda das terras, contrariando a finalidade de preservação e desenvolvimento das comunidades tradicionais.

Agro Business: Quais medidas legais estão disponíveis para os proprietários que enfrentam invasões em suas terras? Existe um protocolo específico para lidar com essas situações?

Diogo: As invasões de terras constituem violação do direito de propriedade e não uma questão política fundiária. A ação possessória é o caminho jurídico correto, onde o proprietário entra com pedido de reintegração de posse na comarca local. O Judiciário tem se mostrado ágil ao conceder liminares para a retirada dos invasores, e, em alguns casos, as empresas aplicam uma “retirada humanizada” para evitar incidentes e respeitar os direitos das pessoas envolvidas

Agro Business: Existem projetos de lei em tramitação que visam coibir invasões de terras. Como esses projetos contribuem para uma convivência pacífica e respeitosa no campo?

Diogo: Mais que leis, precisamos garantir que os assentamentos sejam sustentáveis, que ofereçam infraestrutura e condições para os beneficiários prosperarem. Temos, no Brasil, a tendência de esperar que uma nova lei resolva tudo, mas, na prática, é essencial envolver a iniciativa privada e dar apoio contínuo às comunidades. É importante que as políticas públicas sejam implementadas de maneira a inserir essas comunidades em redes de apoio e desenvolvimento. Esse apoio vai além da legislação, envolvendo as empresas locais que sustentam a economia.

Agro Business: O ES enfrenta um aumento de incêndios florestais, agravado por uma estiagem. De janeiro a agosto de 2024, já foram registrados 2.331 casos, um crescimento de 94% em relação a 2023. A estiagem prolongada criou condições propícias para a propagação de incêndios, embora a ação humana – intencional ou não – seja ainda a principal causa. Muitos incêndios atingem áreas produtivas. Existe relação entre esses incêndios e os conflitos fundiários? 

Diogo: Este ano, as condições climáticas realmente favoreceram o surgimento de incêndios espontâneos, mas muitos desses incêndios foram intencionalmente provocados, especialmente por pessoas interessadas em alterar o uso da terra. Para empresas, perder uma plantação de celulose em um incêndio representa um prejuízo enorme.

Algumas delas adotaram iniciativas interessantes como a contratação de moradores locais para monitorar e proteger essas áreas, oferecendo uma alternativa de renda e ajudando a preservar o patrimônio florestal.

Agro Business: Muitas vezes, ouvimos que há agentes que incentivam invasões por meio de falsas promessas de posse de terra. Como isso afeta a situação e a estabilidade das comunidades?

Diogo: Infelizmente, há pessoas que instigam invasões utilizando argumentos enganosos, como supostas decisões judiciais favoráveis. Essas promessas são, muitas vezes, usadas para recrutar pessoas que invadem áreas produtivas, sem que realmente existam chances reais de regularização.

Agro Business: Existem iniciativas, tanto regionais quanto nacionais, que têm ajudado na mediação desses conflitos fundiários? Como o Estado tem se posicionado?

Diogo: A mediação de conflitos fundiários é complexa e exige empenho contínuo. Eu tenho reparado que o governo do Espírito Santo tem buscado agir de forma a respeitar o setor privado, que é essencial para a economia e a geração de empregos. No entanto, precisamos de mais orçamento e interesse político para apoiar políticas públicas efetivas. Conciliar interesses do Estado com a iniciativa privada é desafiador, mas o diálogo e o investimento nessa mediação são essenciais.

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As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do Folha Vitória

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