O mercado de trabalho, em diversas áreas, sempre foi um ambiente desafiador para as mulheres, especialmente naquelas profissões dominadas por homens. O cenário tem mudado, mas a luta para conquistar espaço, respeito e valorização ainda é uma realidade presente.
No mês da mulher, histórias inspiradoras se destacam, como a da artesã Chrisley Conceição Vieira da Silva, de 42 anos, moradora da Serra, que conseguiu se firmar em um ofício historicamente masculino e hoje atua na confecção de casacas, um dos principais instrumentos do congo capixaba.
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Artesã das casacas: busca pela independência financeira
Chrisley nasceu em Vitória e sempre teve ligação com a arte e a cultura. Apesar dos desafios que enfrentou ao longo da vida, nunca deixou de buscar formas de garantir sua independência financeira.
Formada em técnico de segurança do trabalho, teve dificuldades para conciliar a maternidade e a profissão. Com a chegada do segundo filho e problemas de saúde na família, precisou deixar o emprego formal e buscar alternativas.
Novo caminho no artesanato de casacas
Foi no artesanato que encontrou um novo caminho. Inicialmente, dedicou-se à pintura e bordado, explorando diferentes técnicas até que, em 2013, conheceu o Mestre Domingos, referência na confecção de casacas.
Ele lhe apresentou a arte da produção do instrumento típico da cultura capixaba, e desde então, Chrisley fez desse ofício sua principal fonte de renda.
Hoje, sua arte é reconhecida e comercializada em espaços de artesanato em toda a Grande Vitória, além de enviar peças para o exterior.
Seu trabalho se concentra em ícones da cultura capixaba, valorizando a ancestralidade e mantendo viva a tradição do congo.
Tenho orgulho de expressar nossa cultura através da arte. O que colocamos em uma peça não é apenas o trabalho manual, mas um sentimento de gratidão pelo dom de transformar a matéria em arte, afirma Chrisley.
Início com a confecção de chaveiros
A artesã contou que começou produzindo chaveiros em forma de casacas, após Mestre Domingos ensiná-la a fazer objeto.
“Minha motivação começou através dos chaveiros em forma de casacas, quando o Mestre Domingos me parou em uma calçada e, com um simples pedacinho de madeira e um canivete, entalhou um rostinho na madeira e foi explicando como teria que fazer os entalhes. Fui para casa, e montei meu primeiro chaveiro, com uma faca e estilete”, conta, com orgulho.
E continua: “Após isso, peguei amor pelo trabalho, observando que eu poderia usar que a natureza me oferecia. Comecei a recolher galhos caídos em matas, limpezas de pastos e fui montando minhas primeiras casacas”, disse.
Madeira específica para fazer casacas
A artesã destacou que existe uma madeira específica para fazer a casaca, que é a tagibubuia. Ela mesma retira a madeira no município de Santa Leopoldina, na região serrana do Espírito Santo, cortando apenas os galhos.
Para os chaveiros, ela usa poda dos galhos de café, reaproveitada após o descarte nas colheitas.
A artesã contou ainda que as pessoas se espantam quando descobrem que ela mesma produz as casacas.
As pessoas ficam assustadas quando falo, que sou eu quem faço a produção. Eu já tive que mostrar vídeos da minha produção para um homem de fora do Brasil, disse.
Ela destacou que as pessoas aprovam o trabalho, avaliando o capricho das produções das peças, pela representatividade cultural.
“Percebo que meu público avalia muito o capricho que são produzidas as peças, e as embalagens, por ter representatividade cultural e comprar direto do fabricante.
Recebo elogios dos colegas artesãos pelo trabalho e a referência que sou entre as mulheres”, disse.
Planos de ensinar a produção de casacas para a família
Chrisley destacou que pretende passar essa cultura de produção de casacas para o resto da família. “Eu pretendo passar os ensinamentos para a minha família. Já passei para meu pai, meu esposo, Marcos Antônio, e minha filha Maria Eduarda, de 13 anos, que nos ajuda nas pinturas”.
A artesã já conseguiu enviar seus produtos para a Colombia, através de uma parceria entre a Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo (Aderes) e os Correios, por meio de um programa que concedeu 60% de desconto no frete de envio de encomendas.
Chrisley deixou um conselho para aquelas mulheres que desejam mergulhar em um mundo de trabalho predominantemente masculino.
Não devem desistir dos seus sonhos, pois o mesmo que arde em seu coração, é propósito que Deus nos concedeu. Hoje, sou grata por tudo que passei, sou apaixonada por meus trabalhos que representam a cultura do Espírito Santo. Já passo meu ofício para mulheres, onde o foco é fazê-las entender que de dentro de casa mesmo podemos trabalhar, sair da depressão e ansiedade. Tenho um ateliê de mais ou menos 150 metros de área construída.
*Texto sob a supervisão da editora Erika Santos