Na última semana, a equipe econômica do governo Lula apresentou o “Arcabouço Fiscal”, uma série de regras fiscais que determinam como o Governo Federal irá gerenciar suas receitas e despesas.
Após a apresentação das regras gerais, analistas de mercado tiveram reações bastantes distintas, com severos elogios ou críticas à proposta. Inicialmente, devo estabelecer duas premissas aqui:
(a) não se faz análise econômica amparada por paixões (ou aversões) ideológicas. Logo, temos de ter cuidado com o que lemos sobre o tema;
(b) o Brasil nunca foi e dificilmente se tornará um exemplo em gestão de recursos públicos. Logo, não posso me amparar aqui no que seria o ideal para um país nórdico, mas me ater à realidade histórica do Brasil.
O Brasil sempre foi um “aluno nota 6,5”. Por vezes conseguiu tirar um 7, mas também já tirou um 4 em momentos ruins na história.
Desde 2016, tínhamos o “Teto de Gastos”. Um conjunto de regras fiscais que limitavam os gastos públicos em face das receitas.
À época, o mercado gostou bastante das regras e o senso comum era o de que poderíamos alcançar voos maiores em breve. Porém, de nada adianta termos boas regras se elas não são cumpridas.
Apenas no governo Bolsonaro, o Teto de Gastos foi “furado” em cinco oportunidades, com destaque para a “PEC Kamikaze”, em um nítido populismo eleitoral.
No mesmo sentido, antes mesmo de assumir, o governo de transição do Presidente Lula apresentou a “PEC da Transição”, também furando o teto de gastos existente.
Logo, se há uma regra estabelecida apenas para “inglês ver”, faria mais sentido a criação de novas regras que tragam responsabilidade fiscal, além de buscar o crescimento econômico do país, sem renunciar a premissas constitucionais básicas de um Estado de Bem-Estar Social.
Em um primeiro momento, o Arcabouço Fiscal traz pontos interessantes para um debate mais aprofundado. Igualmente, existem pontos de atenção que não podem passar despercebidos.
Eis o que sempre falo na política: não há algo que seja perfeito na política. Toda regra será boa para uns, em detrimento de outros. Na economia, não será diferente. O Congresso Nacional deverá realizar algumas modificações no projeto e ainda não temos como saber como, de fato, serão as novas regras fiscais do país.
Como ponto principal do arcabouço fiscal, há a limitação do crescimento das despesas públicas a 70% das receitas no ano, fazendo com que os gastos cresçam menos que a arrecadação e, com isso, a dívida longa fique estabilizada. Ou seja, a cada R$ 100 arrecadados pelo governo, apenas R$ 70 poderão ser utilizados como investimentos.
Outra questão importante é a associação das despesas do governo com o superávit anual, as “bandas”, nomeadas por Haddad. A proposta prevê a meta de zerar o déficit fiscal em 2024, atingir o superávit primário de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026.
Caso a meta não seja atingida, o limite de gastos por parte do governo é reduzido para 50% da arrecadação naquele ano, ou seja, a cada R$100 arrecadados, apenas R$50 poderão ser utilizados. Caso o resultado venha acima do teto da banda, todo o excedente poderá ser utilizado para investimentos.
Verifica-se ser notório que o governo terá grande interesse na arrecadação. O grande cerne desta questão é: como esse aumento da arrecadação será possível?
Em um primeiro momento, a resposta automática seria: tributando mais a população. Porém, existem duas formas de analisar este aumento. A primeira é com a criação de impostos ou aumento das alíquotas dos impostos já existentes.
Caso esta seja a escolha do governo, o arcabouço fiscal será trágico para as pessoas físicas e jurídicas do país, que já possuem uma carga tributária altíssima.
Porém, pensando de forma otimista, a maior arrecadação de tributos poderá significar algo bom para o país. Essa afirmação parece estranha, mas tem um fundamento, porque não significa que as pessoas pagarão mais impostos, mas que mais negócios serão feitos e, com isso, a arrecadação será maior.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foi enfático na última ata do Copom que é necessário haver um esboço de respeito fiscal para que a Taxa Selic seja reduzida pelo Bacen.
Caso o arcabouço fiscal atenda a estes objetivos, a Selic poderá ser reduzida, como almeja a alta cúpula do governo, e, com o início de uma política de queda de juros no país, a economia passa a ficar mais aquecida.
O aquecimento da economia gera maior arrecadação tributária, uma vez que sobre qualquer produto vendido ou serviço prestado há incidência tributária. Além disso, com a queda da Taxa Selic, os gastos públicos caem e a meta de superávit poderá ser alcançada.
Neste sentido, entendo que o novo arcabouço fiscal possui boas ideias. Mas de boas ideias o mundo está repleto. Precisamos, primeiramente, aguardar como o Congresso irá aprovar tais regramentos e, principalmente, as ações desenvolvidas por nossos governantes para atingir o superávit almejado pelo arcabouço fiscal.
*Artigo escrito por Elcio Cardozo é advogado e especialista em investimentos. Saiba mais sobre o autor abaixo:
Elcio Cardozo é sócio da Matriz Capital, escritório credenciado a XP Investimentos. Possui mestrado em Sociologia Política pela Universidade Vila Velha (UVV). Também se especializou em Compliance, Lei Anticorrupção e Controle de Administração Pública pela Faculdade de Direito de Vitoria. Também atua como Private Banker na Matriz Capital.