Economia

Auditoria do Tribunal de Contas da União identifica "riscos à economia" com gastos do governo

Documento preliminar será apresentado pelo Tribunal em audiência pública nesta quarta. Equipe econômica do governo federal não se manifestou sobre auditoria

Tribunal de Contas da União (TCU)
Tribunal de Contas da União: pelo menos quatro práticas do governo são ameaças à economia. Crédito: Arquivo/Leopoldo Silva/Agência Senado

Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) identificou a prática de medidas “heterodoxas” na condução das contas públicas pelo governo Lula. Isso poderia ter efeitos colaterais sobre a economia, como a desvalorização do real e aumento da inflação, além de alta das taxas de juros e fuga de investidores do país.

Um documento preliminar da fiscalização do Tribunal será apresentado nesta quarta, 23, em audiência pública. Segundo expectativa do TCU, integrantes da equipe econômica devem participar. A auditoria foi aprovada pelo presidente da Corte de Contas, ministro Vital do Rêgo Filho, em dezembro de 2024. O relator é o ministro Bruno Dantas.

Procurado, o Ministério da Fazenda remeteu ao Ministério do Planejamento e Orçamento, que não se manifestou.

“Achados” do Tribunal

Pelo menos quatro “achados”, segundo o documento, chamaram a atenção dos técnicos do Tribunal de Contas:

1 – Não recolhimento de receitas à conta única da União

2 – Uso de fundos privados ou entidades para execução de políticas públicas

3 – Utilização de fundos públicos para concessão de crédito

4 – Falta de transparência na gestão de fundos públicos e privados 

As práticas identificadas nos quatro achados preliminares representam ameaças à integridade, transparência, e sustentabilidade do regime fiscal brasileiro. Documento do TCU

“A proliferação de mecanismos extraorçamentários pode resultar: 1) na perda de credibilidade das contas públicas; 2) desequilíbrio fiscal persistente; 3) elevação da taxa de juros como reação à imprevisibilidade fiscal”.

O Tribunal chama atenção para o envio pelo governo, na última semana, do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026, que mostrou o estrangulamento das despesas discricionárias (não obrigatórias, que o governo pode cortar livremente), em função do crescimento dos gastos obrigatórios.

Diante dessas limitações, observa-se o surgimento de arranjos institucionais e financeiros voltados à realização de políticas públicas com financiamento fora do Orçamento Geral da União. Tais práticas podem comprometer os princípios orçamentários da universalidade, legalidade e transparência, além de contornar as regras fiscais em vigor. Técnicos do TCU.

O Tribunal ressalta, contudo, que a auditoria está em fase de “instrução”, sendo possível que “os achados preliminares” possam ser revistos, caso os órgãos e entidades citados apresentem informações ou documentos capazes de “alterar a compreensão da equipe técnica e do plenário da corte”.

Tribunal vê cenário diferente do governo Dilma

Além disso, integrantes do Tribunal ouvidos pela reportagem apontam que, diferentemente das práticas adotadas pela ex-presidente Dilma Rousseff, e que levaram ao seu impeachment, as medidas agora contam com aprovação do Congresso – tendo, portanto, caráter legal.

Apesar disso, técnicos da Corte apontam para os riscos que essas medidas podem ter sobre a economia.

As práticas mencionadas podem ensejar perda de credibilidade nas contas públicas e riscos à sustentabilidade da dívida pública, o que tem condão de provocar desvalorização da moeda nacional, aumento da inflação, fuga de investidores e outros efeitos práticos na vida do cidadão. Relatório do TCU.

“Esses estímulos fiscais excessivos pressionariam a política monetária. A expansão de gastos fora das regras fiscais e orçamentárias aprofunda o antagonismo entre políticas fiscal e monetária, tendo em conta que estímulos fiscais excessivos pressionam a política monetária, provocando elevação da taxa básica de juros como resposta à perda de previsibilidade fiscal”, diz Tribunal.

Veja abaixo os detalhes dos quatro principais pontos destacados pela auditoria do Tribunal:

1. Não recolhimento de receitas públicas à Conta Única da União

O Tribunal vê problemas no projeto de lei que cria o Novo Auxílio Gás, no governo Lula, e também no não recolhimento de honorários advocatícios de advogados públicos, desde 2017, ainda sob o governo Temer.

No caso do Auxílio Gás, a proposta enviada pelo governo, que ainda não foi votada pelo Congresso, prevê a “transferência direta de recursos públicos provenientes da comercialização de petróleo à Caixa Econômica, sem que tais valores transitem pela Conta Única do Tesouro nacional” – ou seja, sem passar pelo Orçamento.

A equipe econômica deve enviar ao Legislativo este ano um projeto de resenho do benefício. O desafio será acomodar no Orçamento a promessa do presidente Lula de entregar “gás de graça” para 22 milhões de famílias.

Já os honorários advocatícios ganharam tratamento “extraorçamentário”, com esses recursos atingindo R$ 14,9 bilhões desde 2017, recursos que deveriam tem sido incorporados à Conta Única do Tesouro.

2. Utilização de Fundos Privados ou entidades para implementar políticas públicas

O TCU cita o programa Pé-de-Meia, aprovado pelo Congresso, e que paga bolsas a alunos do Ensino Médio. Ou seja, segundo técnicos da Corte, fundos privados estão sendo acionados para custear o programa “sem autorização orçamentária”.

Em fevereiro, o TCU liberou os pagamentos do programa que operavam fora do Orçamento, em desrespeito às regras fiscais. O bloqueio foi em janeiro.

Integrantes da Corte de Contas cobraram a inclusão do programa na peça orçamentária, mas liberaram os repasses até que o Congresso decida sobre o tema, sem um prazo específico. Nesse sentido, deu 120 dias para o governo apresentar uma solução.

No documento do TCU, técnicos também citam o Fundo Rio Doce, criado para compensar atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana, e Minas Gerais. “Serão repassados R$ 29,75 bilhões, sem cursar pelo Orçamento, ainda que o acordo estabeleça a realização de ações que se enquadrem como típicas políticas públicas”.

3. Utilização de Fundos Públicos em Políticas de Concessão de Crédito

O Tribunal cita o repasse de recursos de fundos públicos para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para a realização de políticas de concessão de crédito. “Apenas em 2024, os fundos públicos repassaram mais de R$ 30 bilhões diretamente ao BNDES”, diz o documento.

O documento também cita a criação da faixa 4 do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), lançada na semana passada. O programa cria um novo teto de renda familiar de R$ 12 mil mensais, para financiar imóveis de até R$ 500 mil.

Os recursos para a ampliação do programa virão do Fundo Social do Pré-Sal, uma vez que o governo redirecionou R$ 15 bilhões do fundo para o MCMV. Do mesmo modo, o TCU aponta que, apesar de os recursos financeiros transferidos não terem impacto sobre o resultado primário, “possivelmente, essa política pública sensibilizará a dívida líquida do setor público no longo prazo”.

4. Falta de transparência dos recursos públicos depositados em fundos públicos e privados

O TCU aponta dificuldade para acessar dados dos fundos públicos e privados. Ou seja, isso leva à falta de transparência sobre o uso desses recursos.

“Verificou-se que não há plataforma centralizada em que se dê plena transparência da utilização dos fundos públicos e privados. Nesse sentido, as informações são incompletas e significativamente dispersas e dificultam até mesmo a obtenção de informações por especialistas”, aponta o documento.