A autorização de penhora e bloqueio de bens pelo Fisco sem autorização da Justiça, dada pela Lei 13.606, sancionada na quarta-feira, 10, já tem motivos para ter sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo avaliação de especialistas.
A regra permite que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, sem precisar de uma ação judicial, determine a órgãos financeiros e de registros de bens que impeçam movimentações e alienações de quem esteja inscrito em dívida ativa, “mesmo que injustamente”.
Segundo advogados, a nova lei viola súmulas do STF, artigos da Constituição Federal, a Lei de Execução Fiscal, o Código Tributário Nacional e o Código de Processo Civil.
Para eles, “os primeiros bloqueios já levarão ações à Justiça que em breve chegarão ao Supremo”.
Confira o que dizem especialistas.
Frederico Bocchi Siqueira, advogado tributarista do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados
“A redação publicada concedeu à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a liberalidade de (i) comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos de proteção ao crédito e (ii) averbar a CDA nos órgãos de registro de bens e direitos, tornando-os indisponíveis, caso o débito inscrito não seja quitado em 5 dias. O dispositivo suprime a necessidade de autorização judicial para tanto, ferindo, assim, o contraditório e o devido processo legal, em situação de flagrante desequilíbrio entre os sujeitos da relação jurídico-tributária. Nesse contexto, esse dispositivo poderá ser objeto de várias discussões em relação à sua constitucionalidade.”
Guilherme Paes de Barros Geraldi, advogado tributarista do Simões Advogados
“A constrição patrimonial feita sem a intervenção do Poder Judiciário conflita, de forma direta, com o artigo 5.º, inciso LIV, da Constituição Federal, segundo o qual ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’.
Além disso, a Constituição Federal, em seu artigo 146, reservou à lei complementar o estabelecimento de normas gerais a respeito do crédito tributário, o que inclui suas garantias e privilégios. Desse modo, não poderia uma lei ordinária criar uma nova modalidade de garantia para o crédito tributário, tal qual a Lei 13.606/2018 pretende fazer.
Tanto é assim, que o Código Tributário Nacional, recepcionado como lei complementar pela Constituição Federal de 1988, tem um capítulo próprio, intitulado ‘Das Garantias e Privilégios do Crédito Tributário’, para tratar do tema. Ao dispor sobre essas garantias e privilégios, esse capítulo já prevê, no artigo 185-A, a possibilidade de bloqueio de bens do devedor tributário, desde que determinado por um juiz.”
Leiner Salmaso Salinas, advogado tributarista e sócio do PLKC Advogados
“A norma contida no mencionado art. 20-B, inserido na Lei 10.522/2002, que trata da dívida ativa da União, fere diversos princípios constitucionais e dispositivos legais e, consequentemente, pode ser contestada judicialmente, de forma a evitar restrição patrimonial antes de iniciada a ação de execução fiscal. É preciso ter especial atenção ao receber notificações informativas sobre a inscrição de valores em dívida ativa da União para imediatamente tomar providências contra a constrição de bens e valores.”
Daniel Corrêa Szelbracikowski, advogado tributarista sócio da Advocacia Dias de Souza
“Os novos poderes da PGFN criam uma situação muito grave. Há problemas de constitucionalidade, já que fica autorizada a constrição de bens sem ordem judicial. Além disso, há ofensa ao direito de propriedade, ao devido processo legal e à inafastabilidade da jurisdição.”
Defesa
A reportagem fez contato por email com o Ministério da Fazenda para eventual manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.