Quinze anos se passaram e o que era para ser um cais tornou-se um enorme “caos”. A notória visibilidade que assumiu o complexo cultural do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, não se deu pelo seu visual arquitetônico desenhado por um renomado arquiteto capixaba – que possui estudos e carreira fora do estado – mas sim, por estampar inúmeras vezes as manchetes de jornais, devido aos atrasos da obra e investigações do Ministério Público e do Tribunal de Contas estaduais.
Em novembro de 2023, foi publicada, no Diário Oficial do Ministério Público estadual, a decisão de arquivamento do Inquérito Civil MPES nº 2018.0008.3644-54 que tem por finalidade apurar as supostas irregularidades na obra do Cais das Artes.
A Obra
Em área de 20 mil metros quadrados situada em uma das regiões mais nobres da cidade, no aterro da COMDUSA à margem da baía de Vitória, o centro cultural configura-se em dois volumes: um museu com 3 mil m2 de área expositiva; e um teatro com capacidade para 1.300 pessoas. A contratação do arquiteto Paulo Mendes ocorreu em 2007 e sem licitação, utilizando-se do art. 25 da Lei Federal nº 8.666/1993, cuja disposição inviabiliza competição “para a contratação de serviços técnicos […] de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização”, à época pelo então Governador do Estado, Paulo Hartung.
A obra brutalista contrasta-se com as baixas construções do entorno, este estilo arquitetônico ressalta a crueza dos materiais e as técnicas construtivas. Assim, ainda que tenha volumes aparentemente robustos, emana leveza ao desprender-se do solo formando vãos livres entre as suas colunas. O projeto conta com poucas aberturas ao olhar de fora, mas, no bloco expositivo, encontram-se inesperadas e amplas aberturas ao estar em seu interior.
Esses vãos criam a ideia de continuidade no olhar do pedestre, emoldurando a paisagem e, de acordo com o Paulo Mendes, faz “brilhar aquilo que já existe”.
Será que realmente abrilhanta o existente?
O Cais das Artes localiza-se na Zona de Ocupação Preferencial 1 (ZOP 1) do Plano Diretor Urbano de Vitória que tem como um dos objetivos “preservar visuais de marcos significativos paisagem urbana”. No local, além dos marcos de preservação na paisagem natural, a baía de Vitória e o Morro do Moreno, ainda tem na paisagem construída, o Outeiro e Convento Nossa Senhora da Penha, tombado pelo IPHAN como patrimônio nacional em 1943. Portanto, neste local a altura máxima permitida é de 12 metros. Contudo, só o teatro tem um vão livre interno de 25 metros do piso ao teto. É importante pontuar que, a lei do plano diretor é datada de 2018 e a portaria que delimita a poligonal e define critérios de intervenção na área do entorno do Convento é de 2015, ambas posteriores a aprovação do projeto do Cais das Artes; porém, o IPHAN já havia realizado estudos de visibilidade e ambiência do bem tombado desde 2006, data anterior à entrega do projeto por Paulo Mendes em 2008.
Nas diversas falas e visitas de Paulo Mendes ao estado, ele observa a beleza da navegação na baía de Vitória, mas é difícil achar uma fala sequer a respeito Convento, um patrimônio consagrado entre a população e símbolo do estado. Não há coerência entre a escala de implantação e a política da comunidade local e o impacto na vizinhança.
Em 2009, o IOPES ficou responsável pelo gerenciamento da execução; assim, em 2010, o Instituto subcontratou, para a construção, a empresa Santa Bárbara – que faliu em 2012 antes de entregar a obra – e a Fundação Getúlio Vargas para a elaboração do Plano Estratégico de Gestão e Assessoramento para a Implantação dos Equipamentos Culturais. Em 2011, o Governo do Estado criou o Comitê de Gestão e Acompanhamento da Implantação do Complexo Cultural Cais das Artes. Será que foi muito plano para pouca estratégia?
A obra que teve o início em 2010 com previsão de término em 2012, custando o montante de 115 milhões de reais, até hoje não terminou e já passa dos R$ 180 mi.
Tão pesado quanto uma âncora lançada ao mar
A palavra da vez é sustentabilidade; e o que se tem de sustentável em uma construção que é inviável financeiramente, ecologicamente incerta e socialmente cega? “Como um navio de 150 metros de comprimento e cerca de 20 metros de altura, o Cais das Artes estará ancorado na Enseada do Suá”: assim ele foi definido pelo Diário Oficial do estado em 2008 e há de se concordar, tão pesado quanto uma âncora lançada ao mar. Pesa na falta de planejamento e gerenciamento; na incerteza da degradação ambiental, paisagística e do entorno; pesa nas contas públicas do estado; e, principalmente, pesa no arquivamento do Inquérito Civil pelo Ministério Público estadual.