A economia argentina tem sido marcada, ao longo das últimas décadas, por crises recorrentes e uma inflação galopante que corrói a renda da população. Sob um Estado incapaz de estabilizar sua moeda e repleto de intervenções desastrosas, os argentinos foram obrigados a buscar alternativas para preservar seu poder de compra e assegurar algum nível de estabilidade financeira. Nesse cenário, as criptomoedas emergiram como uma solução viável, desafiando o monopólio estatal sobre a emissão de dinheiro e mostrando como a tecnologia pode ser uma ferramenta de defesa da propriedade.
A inflação na Argentina não é um fenômeno novo. O país enfrenta uma inflação crônica, resultado de políticas econômicas mal planejadas, descontrole fiscal e uma dependência excessiva da emissão de moeda para financiar déficits públicos. Isso fez com que o peso argentino perdesse sua credibilidade tanto interna quanto externamente, e com que a poupança em moeda local se tornasse uma aposta perdedora.
Nos governos anteriores ao de Milei, esse cenário se agravou com controles cambiais rigorosos, que limitam o acesso dos cidadãos a moedas estrangeiras como o dólar. Com o governo exercendo controle absoluto sobre o câmbio, as pessoas ficaram sem alternativas tradicionais para proteger sua riqueza. Nesse contexto, as criptomoedas surgiram como uma rota de fuga.
As criptomoedas, como o Bitcoin, o Ethereum e stablecoins, oferecem aos argentinos uma alternativa descentralizada e resistente à manipulação estatal. Diferentemente do peso, cuja emissão é controlada pelo governo, criptomoedas operam em redes blockchain, e o Bitcoin ainda possui uma característica de escassez programada. Essa previsibilidade é especialmente atraente em um país onde a inflação anual chegou a ultrapassar 100%.
Além disso, criptomoedas são acessíveis. Qualquer pessoa com acesso à internet pode criar uma carteira digital e comprar ativos digitais. Isso contrasta com o sistema financeiro tradicional, que muitas vezes está fora do alcance de grande parte da população ou restrito por regulações governamentais.
Outro fator que tornou as criptomoedas populares na Argentina é sua capacidade de transcender fronteiras. Em um cenário de desvalorização cambial constante, a possibilidade de negociar em ativos estáveis ou com potencial de valorização internacional é uma solução prática. Stablecoins como o USDT (Tether), que são lastreadas no dólar, tornaram-se especialmente populares para preservar valor sem a volatilidade de outras criptomoedas.
A Argentina rapidamente se tornou um dos países líderes em adoção de criptomoedas na América Latina. Pequenos comerciantes passaram a aceitar pagamentos em Bitcoin ou stablecoins como forma de driblar o peso argentino, e famílias começaram a utilizar criptomoedas para enviar e receber remessas internacionais, evitando as altas taxas dos bancos e as restrições cambiais.
Os jovens, mais conectados ao ambiente digital, lideraram essa adoção. Plataformas peer-to-peer como LocalBitcoins e exchanges regionais tornaram-se comuns, permitindo que indivíduos comprassem e vendessem criptomoedas diretamente, sem intermediários.
Além disso, as criptomoedas começaram a atrair empreendedores argentinos. Startups criaram soluções financeiras baseadas em blockchain para atender à demanda crescente, transformando o país em um dos polos de inovação em cripto na região.
A adoção de criptomoedas na Argentina representa algo maior do que uma solução econômica. Ela simboliza a resistência de indivíduos contra um sistema que fracassou em proporcionar estabilidade e prosperidade. Em muitos aspectos, as criptomoedas estão empoderando os argentinos, oferecendo-lhes uma forma de retomar o controle sobre suas finanças e, em última análise, sobre suas vidas.
No entanto, o sucesso dessa revolução não foi sem desafios. O governo argentino, ciente do potencial das criptomoedas para contornar seus controles, tentou regular e taxar essas transações. Ainda assim, a natureza descentralizada das criptomoedas torna difícil sua completa fiscalização, criando uma corrida entre o Estado e os cidadãos para determinar quem terá o controle final sobre o dinheiro.
O caso argentino demonstra como a tecnologia pode ser um aliado poderoso em tempos de crise. As criptomoedas não apenas ofereceram uma rota de escape para milhões de pessoas afetadas pela inflação programada, mas também lançaram as bases para um novo paradigma econômico, onde indivíduos têm mais autonomia e os Estados enfrentam limites em sua capacidade de intervenção.
Autor: André Hemerly Paris, associado do Instituto Líderes do Amanhã.