Carregador de carro elétrico na garagem gera polêmica em condomínios
As vendas de carros elétricos no Brasil engrenaram de vez. Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), no ano passado foram comercializadas cerca de 94 mil unidades, um número 30% maior do que o registrado em 2022.
Mas uma questão que ainda está em aberto diz respeito ao abastecimento dos veículos. A praticidade com que as baterias de lítio podem ser recarregadas tem rebatimento em uma questão judicial que guarda relação com o mercado imobiliário. É que alguns donos de veículos estão pleiteando junto aos condomínios a instalação de carregadores nas garagens dos prédios.
DECISÕES DESFAVORÁVEIS
Segundo dados do Conjur (Consultor Jurídico), portal online especializado em questões da Justiça, no ano passado ao menos 7 ações foram ajuizadas nas quais os autores, donos de carros elétricos, tentam, após negativa do prédio em que residem, instalar pontos de carregamento. O levantamento é do advogado Gabriel de Britto Silva, que faz parte da Comissão de Direito Condominial da OAB-RJ e da Comissão de Arbitragem do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim).
As decisões e os acórdãos foram publicados pelos Tribunais de Justiça de São Paulo, Distrito Federal, Ceará e Rio de Janeiro. Nas sentenças analisadas, os magistrados deixaram claro que, mesmo que os donos de carros elétricos se disponham a pagar pelo carregador e sua instalação, as assembleias de condomínio são soberanas para a decisão, e não cabe intromissão judicial nesses casos.
Segundo o levantamento do advogado, em uma das decisões, o desembargador Francisco Darival Beserra Primo, do Tribunal de Justiça do Ceará, entendeu que a autorização para a instalação tem de ser exclusivamente da Assembleia Condominial, não bastando apenas o respaldo do síndico do prédio para a instalação do equipamento.
ANÁLISE ESPECIALIZADA
Diante da polêmica, o blog foi ouvir Carlos Augusto da Motta Leal, advogado sócio do escritório Motta Leal & Advogados Associados, especialista em Direito Imobiliário, que analisou a situação. Para ele, cada caso deve ser analisado individualmente. Segundo Leal, “a princípio, instalação de tomada para carro elétrico ou híbrido em vagas privativas de garagem não ofende o interesse comum, não pressupondo, assim, deliberação em assembleia ou permissão em convenção de condomínio. Isto porque tal tomada é uma extensão direta do quadro medidor de energia individual da unidade autônoma, não impactando no consumo geral e comum do edifício”.
O especialista avalia que as decisões judiciais negativas em relação a tais instalações, via de regra, baseiam-se em fatos concretos e individuais, quando não se trata de extensão do quadro individual de energia. Ou seja, o consumo da fonte energética é de uso comum. Nesta hipótese, ele concorda com o entendimento dos tribunais, e diz que “sem autorização tomada em assembleia, não se viabiliza a instalação”.
Carlos Augusto da Motta Leal. Foto divulgação.
O advogado também falou sobre a hipótese de instalar o carregador para uso coletivo. “Esta situação se refere à instalação, pelo condomínio e não pelo condômino interessado. Nesta hipótese, em sendo instalação realizada pelo condomínio, deverá estar em área comum e acessível a todos”.
Ele acredita ainda que os condomínios devem se adaptar a esse novo modelo de consumo. “Sem dúvida, é uma realidade. Uma tendência sem volta. E o mercado já está se adaptando normalmente, dotando as vagas privativas de tomadas para carros elétricos e híbridos e as áreas comuns também. Há todo um interesse social sob o prisma ambiental. A tendência é que os proprietários das garagens privativas que tenham interesse instalem as sua tomadas (algo muito simples), e os condomínios coloquem tomadas em estacionamentos de uso comum”, avalia.
Sobre a preocupação de não haver estrutura nas cidades para atender a demanda, e o risco disso atrapalhar as vendas dos veículos elétricos neste primeiro momento, Leal acredita que “a cadeia de fornecimento precisa estar pronta para receber os produtos. Sem isto, haverá gargalo”.