Como evitar a maldição do petróleo?
Na última década, o país passou por mais uma profunda crise entre 2014 e 2016, resultando no início de uma série de desemprego e déficits primários que não foram solucionados até o presente. De acordo com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE-FGV), esses resultados corresponderam ao pior biênio de crescimento econômico dos últimos 120 anos.
Com uma sequência de crescimento de 2017 a 2019 que não ultrapassou os 2%, e uma pandemia na sequência, em média, o brasileiro atual hoje está 0,6% mais pobre do que nos últimos 10 anos. Como superar este quadro?
A Data Business de hoje traz uma entrevista exclusiva com o professor, economista e presidente do Insper Marcos Lisboa.
No mesmo período, 82% dos países do mundo, isto é, 156 dos 191 analisados, apresentaram um desempenho econômico melhor do que o Brasil na década passada. Isso significa que o problema foi mais interno do que externo: após a crise de 2008, diversas nações aproveitaram oportunidades para mudar a trajetória de crescimento, enquanto o Brasil ficou para trás.
Já entre 2002 e 2018, de acordo com dados do Banco Mundial, o país ficou atrás de Colômbia, Argentina e Chile na evolução do PIB per capita, com Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela apresentando taxa de crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) maior do que a brasileira. Em suma, em períodos de prosperidade global, o Brasil ficou atrás de outros emergentes, e em períodos de crise não registrou retomada sustentável.
O economista Marcos Lisboa afirma que há um desprezo em relação à “complexidade dos temas inerentes à reformas estruturais e a sua relevância para o crescimento do país”.
“O que explica alguns países serem mais ricos do que outro? Há algumas décadas já se sabe que a educação, a qualidade da infraestrutura e questões sobre a produtividade ajudam a explicar uma parte da diferença de renda dos países, mas ao final dos anos 1990, com a evolução da ciência econômica, compreendemos mais sobre esse fenômeno: as regras que regulam o mercado de crédito, o mercado de capitais e o mercado de trabalho são essenciais”, explica.
“Por exemplo, em uma operação de crédito em que não houve o pagamento da dívida, quanto tempo demora para o credor receber a garantia? São questões como esta, aliadas à eficiência do judiciário, que ajudam a respondem porque algumas nações fracassam”, afirma.
Contudo, ele alerta que não basta apenas aprovar uma legislação no Congresso para reverter esse quadro. “No fundo, as regras que compõe o funcionamento desse mercado são espalhadas por várias leis e normas, muitas vezes vinculadas à outras decisões jurisprudenciais muito complexas”, analisa.
Ou seja, para superar isso é preciso ter uma agenda clara e que caminhe em uma mesma direção, evitando-se criar uma “colcha de retalhos”, com distorções e falta de coordenação no ordenamento institucional.
Lisboa exemplifica a partir de diversas reformas microeconômicas no início dos anos 2000 que melhoraram o acesso às garantias e, por sua vez, baratearam o crédito no Brasil.
“Primeiro criou-se o crédito consignado, depois buscou-se melhorar os mecanismos para facilitar a retomada de um automóvel financiado e que não foi devidamente pago, posteriormente criou-se outros instrumentos da venda de recebíveis… isto é, trata-se de uma agenda longa e que, na prática, depende de várias pequenas reformas institucionais que caminhem em uma mesma direção”, afirma o economista. E tudo isso deve estar casado com uma governança da gestão pública, algo que também é complexo.
Outro exemplo citado por Lisboa na entrevista foram as melhorias institucionais do Banco Central ao longo de duas décadas.
“Na década de 1980 não havia metas claras, o conselho monetário era composto por mais de uma dezena de pessoas, incluindo alguns membros do setor privado com conflitos de interesses, uma verdadeira confusão”, afirma. “Passamos a ter o Copom, uma governança bem estabelecida, um processo de nomeação dos diretores de forma muito mais técnica. Houve uma longa construção institucional, até a gestão de Armínio Fraga, quando foi criado o modelo de metas de inflação, formas de comunicar ao mercado, as atas, e todo esse longo processo de construção institucional ocorreu sem nenhuma legislação sendo aprovada em Brasília”, compara.
Ou seja, para o país não viver outra década perdida, precisa de reformas estruturais, mas elas também precisam ocorrer além do Congresso.
“Nosso baixo crescimento se deve à problemas estruturais. Eles precisam ser atacados, em especial cuidarmos bem da política fiscal, atacarmos os déficits públicos dos Estados e de reformas que melhorem a segurança jurídica e deem previsibilidade aos contratos”, diz. Além disso, Lisboa defende que a sofisticação das análises econômicas possibilitadas nas últimas duas décadas precisam ser abraçadas pela política na forma de projetos de lei.
“O Brasil possui claras distorções em relação ao restante do mundo. Para enfrentar essas agendas, precisamos de uma agenda maior, bem estruturada, que ataque vários interesses a fim de que o conjunto da obra seja consistente”, finaliza.
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