Economia

Multas a empresas que atrasam pagamentos a fornecedores viola a liberdade econômica

Se a empresa quiser sobreviver no mercado, ela terá que se adequar, e passar a cumprir com sua palavra

Foto: Freepik

*Artigo escrito por Diana Mantovani Zanotelli, formada em Direito na Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Fundadora da Diluz – empresa especializada em registro de marcas. Assessora na área de Capital (Valuation e M&A) na eMEG e Diretora Financeira no IBEF Academy 2024.

Mais uma vez o Estado tentando intervir de forma excessiva na economia.

O Projeto de Lei (PL) 2392/23 propõe punir grandes companhias que atrasam pagamento a fornecedores ou financiadores de bens ou serviços, quando assim fizerem sem motivo justo.

>> Quer receber nossas notícias 100% gratuitas? Participe da nossa comunidade no WhatsApp ou entre no nosso canal do Telegram!

Segundo o PL, o uso da posição dominante pelas empresas mais robustas, para atrasar pagamentos sem motivo justo, deve ser considerado uma infração à ordem econômica e deve ser punido com multas que variam de 0,1% a 20% do faturamento.

Esse é mais um exemplo do Estado tentando controlar a liberdade econômica sob o discurso de tentar ajudar os mais vulneráveis – neste caso, as pequenas e médias empresas frente às grandes empresas –, de modo a impedir que, segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2016), “os mais fracos sejam obrigados a querer o que os mais fortes são livres para lhes impor”.

Em contrapartida, ao entendimento de haver uma regulação contratual, destaca-se que a maior parte das relações entre os entes privados são regidos por aspectos contratuais, já que é por meio do contrato que as pessoas – físicas e jurídicas – exercem sua autonomia no âmbito privado, com o objetivo de criação, alteração ou até mesmo extinção de direitos e deveres.

Trata-se da Liberdade Contratual, isto é, liberdade tanto para escolher contratar com alguém, visto que ninguém é obrigado a estabelecer relações contratuais com ninguém, tanto para definir as cláusulas e mantê-las, ou não. 

Decorre, assim, de um acordo de vontades livres e soberanas que não pode ser alterado por qualquer vontade alheia à das partes envolvidas – nem mesmo a do Estado (RIZZARDO, 2015).

No entanto, o Estado comumente intervém nas relações privadas, e impõe regras aos envolvidos, sem entender as consequências dos seus atos. 

Elaboram legislações e tentam controlar os indivíduos e a liberdade individual de forma a parecer que trata-se de peças em um tabuleiro de xadrez, a qual pode-se dispor com facilidade, como aferiu o autor Thomas Sowell em seu livro “Fatos e Falácias da Economia”:

Quaisquer que sejam os méritos de experiências sociais específicas, um experimento como tal pode ter custos econômicos e sociais imensos. 

Apesar de alguns experimentadores sociais acreditarem que, se um programa ou política não funcionar, poderão tentar outro […], as incertezas geradas por um experimento incessante podem fazer com que as pessoas mudem seu comportamento, afetando a economia de maneira adversa.

E especificamente este PL, que incide multa a grandes empresas que atrasam pagamentos aos seus fornecedores e financiadores, tem potencial de gerar diversas consequências negativas para a economia. Isso porque, diante dessa regra, haverá mudança de comportamento. 

As grandes empresas irão cada vez mais procurar fornecedores que conseguem oferecer um prazo de pagamento maior (bem maior) para não ter chance de terem que pagar multa alguma, além de que ter tal prazo alongado é mais benéfico para fins contábeis e para o fluxo de caixa, garantindo a sustentabilidade do negócio.

Porém, os fornecedores que podem oferecer um prazo de pagamento maior, normalmente, são empresas mais robustas, que não dependem de forma tão imediata daquela receita, nem daquele cliente. 

Então, é provável que as pequenas e médias empresas, não tendo capacidade o suficiente para alongamento do prazo, não serão mais as fornecedoras das grandes empresas, que foram ao mercado em busca de melhores condições de pagamento.

Mais um caso do Estado tentando ajudar, mas piorando a situação daqueles que se propôs a “proteger”. Como já alegou Milton Friedman, na obra “Livre para Escolher”:

Se é difícil para terceiros, na esfera privada, identificar quem impõe custos ou benefícios a quem, também é difícil ao governo fazê-lo. Como resultado, a tentativa de consertar a situação pode muito bem tornar as coisas piores em vez de melhores.

Cumpre concordar que o poder de negociação das grandes empresas se intensifica principalmente quando a conversa é com fornecedores que mais dependem delas financeiramente. 

No entanto, um contrato só é acordado e permanece em vigor se ambas as partes concordarem e aceitarem as disposições do negócio. Então, se há algo em que não há concordância na relação, uma possível solução é a renegociação, ou mesmo o fim dela.

Portanto, a melhor forma de auxiliar o mercado é deixando-o livre. As empresas prestadoras de serviço de má qualidade, pouco inovadoras, com gestão ruim, etc., em algum momento precisam se adequar ao mercado, sob pena de sofrerem as sanções do próprio mercado.

No caso exposto, por exemplo, pode ser que, com o passar do tempo, os fornecedores vão deixando de fornecer os produtos/serviços às grandes companhias má pagantes – seja porque conseguiu diversificar a carteira e agora não dependem mais tanto financeiramente da empresa, ou por qualquer outro motivo –, até chegar a um ponto em que nenhum fornecedor de qualidade quer fornecer nada à empresa, já que ela não cumpre com o combinado de pagamento. 

E então, se a empresa quiser sobreviver no mercado, ela terá que se adequar, e passar a cumprir com sua palavra.

O problema terá se resolvido. Sem a intervenção do Estado.

REFERÊNCIAS

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Contratos. 6ª Edição. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 48.
FRIEDMAN, Milton. Livre para escolher: um depoimento pessoal. 11ª edição. EditoraRecord, Rio de Janeiro, 2021, p. 61.
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15ª . Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 58.
SOWELL, Thomas. Fatos e Falácias da Economia. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Record, p. 20.