Economia

Economia comportamental e impactos nas decisões empresariais

Um objetivo dos estudos econômicos ligados a economia comportamental é entender como e por que pessoas decidem desafiando a racionalidade

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*Artigo escrito por Flávia Rapozo, doutora em Administração e Ciências Contábeis, líder do Comitê Qualificado de Conteúdo de Economia do IBEF-ES; e Pedro Henrique Correa, MBA em Controladoria e Finanças, membro do Comitê Qualificado de Conteúdo de Economia do IBEF-ES.

Quando apresentadas a alternativas, as pessoas fazem a escolha que melhor lhe atendem, fazendo uma avaliação dos prós e contras? Nem sempre! Por exemplo, consumidores nem sempre realizam uma compra escolhendo a opção mais lógica e óbvia, e podem não decidir pelo produto de menor preço ou de melhor qualidade. 

Um objetivo dos estudos econômicos ligados a economia comportamental é entender como e por que pessoas decidem desafiando a racionalidade.

Os estudos propostos relacionam aspectos da economia e psicologia para entender “como” e “por que” as pessoas tomam suas decisões. 

Dessa forma, busca-se olhar além da teoria econômica tradicional, que se baseia em escolhas racionais e apresenta os humanos como seres lógicos, mas não é capaz de explicar certas situações e tomadas de decisão econômica prevendo corretamente os resultados em determinados contextos reais. 

Esse aspecto indica que em algumas discussões é necessário aprofundar as análises incluindo variáveis ligadas ao comportamento e à cognição humano.

O trabalho do estudioso da Universidade de Chicago e Prêmio Nobel Richard Thaler, examina as diferenças entre o que as pessoas “deveriam” fazer e o que realmente fazem, e as consequências dessas ações. 

Dada essa análise, uma preocupação relevante no mundo corporativo é que as decisões do corpo executivo não sejam tomadas para maximizar o valor das ações e o resultado das empresas. 

Além da lógica, existem fatores de influência nas decisões humanas, como racionalidade limitada, arquitetura de escolha, viés cognitivo, discriminação e mentalidade de rebanho.

A Teoria da Agência também se ocupa dessa discussão. Ela descreve que as empresas modernas, ao possuírem propriedade dispersa em ações, têm como problema principal o conflito entre administradores (agentes) e acionistas (principais). 

Jensen e Meckling (1976) definem um relacionamento de agência como contrato onde uma ou mais pessoas (o principal) engajam outra pessoa (o agente) para desempenhar alguma tarefa em seu favor, envolvendo a delegação de autoridade para tomada de decisão pelo agente. 

Segundo eles, se ambas as partes agem tendo em vista a maximização das suas utilidades pessoais, existe uma boa razão para acreditar que o agente não agirá sempre no melhor interesse do principal.

Se estabelecem, então, custos de agências, aqueles relacionados à criação e estruturação de contratos, ao monitoramento das atividades dos gestores pelo principal, ao consumo de mordomias e uso dos ativos e, também, aos gastos promovidos pelo próprio agente para mostrar ao principal que seus atos não são prejudiciais. 

A essência do problema de agência é o conflito de interesses possibilitado pela separação entre a propriedade e o controle, referindo-se às dificuldades que os investidores têm em garantir que seus fundos não serão expropriados ou perdidos em projetos não atrativos e sem retorno adequado.

O caso das Lojas Americanas

A abordagem a seguir não tem como objetivo criar sentença de qualquer natureza, mas sim dar luz a tema fortemente relacionado à economia comportamental e à Teoria da Agência. 

Dessa forma, para aprofundar no assunto com um exemplo prático que gera discussões e controvérsias, temos o caso das Lojas Americanas.

A empresa entrou em processo de recuperação judicial com dívida superior a R$ 40 bilhões, tendo seu valor de mais de R$ 10 bilhões caindo cerca de 70%, conforme queda no valor de suas ações em curto período de tempo, após veiculadas na grande mídia acusações de “fraude contábil” supostamente ocorridas.

O cenário de incertezas que se instala gera impactos na confiança dos clientes e investidores, tendo em vista que se trata de empresa listada na B3 (bolsa de valores brasileira). 

Esse caso levanta questionamentos sobre as camadas de segurança tanto internas (estruturas de governança corporativa) quanto externas (auditoria realizada por uma “big four”, ou seja, uma das quatro maiores de auditoria do mundo).

Ainda sob a ótica da confiabilidade das informações a respeito da situação econômico-financeira até então apresentada publicamente ao mercado, não se deve usar o caso para generalizar questionamentos sobre os contadores e as normas contábeis internacionais (IFRS – International Financial Reporting Standards), às quais cabe enquadramento por parte das Lojas Americanas. 

Isso porque o propósito das normas internacionais é justamente atuar em favor dos usuários das demonstrações contábeis com informações minuciosas e de acordo com a realidade da empresa.

Fato é que o caso das Lojas Americanas gera impactos diretos na economia, como:

– Empresa com mais de 40 mil colaboradores, que podem ter seus empregos em risco;

– Em 2022, faturamento de R$ 32,2 bilhões, com operação relevante no mercado varejista;

– Prejuízo para a marca, profissionais e empresas responsáveis pelos balanços publicados.

Diante de normas, regulamentos, auditorias e órgãos reguladores, algumas perguntas ficam latentes:

– Era de conhecimento dos gestores a forma de classificar contabilmente o endividamento?

– Foram tomadas as melhores decisões por parte dos agentes? Elas iam ao encontro dos interesses dos principais?

– O que poderia ter sido feito para evitar tamanho impacto na economia, no mercado de ações e no varejo de um modo geral?

Ainda, outro ponto que instiga a opinião pública, é que consta em documentos da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que, em meses que antecederam a divulgação da inconsistência no balanço das Lojas Americanas, diretores da varejista teriam vendido mais de R$ 240 milhões em ações da empresa. 

Justamente em um momento de grande valorização dos papéis da AMER3, após anúncio do novo executivo no comando, as operações de venda teriam ocorrido contra a mentalidade de rebanho que indicaria maré favorável para compra.

Na mídia brasileira, inevitavelmente há um paralelo com o escândalo contábil e fiscal da Enron. Em dezembro de 2001, no momento no qual a empresa estava classificada como a 7ª maior dos Estados Unidos, a Enron faliu e cerca de 21 mil pessoas perderam seus empregos. 

Esse fato causou a liquidação de uma empresa de auditoria que era considerada uma das 5 maiores do mundo (“big five”). 

Foi constatada a conduta mal-intencionada de executivos que fraudaram registros contábeis e induziram investidores ao erro de julgamento quanto à real situação econômico-financeira da empresa. O caso Enron é tratado com uma das maiores fraudes corporativas de todos os tempos.

O que podemos aprender e melhorar

A governança corporativa insere-se nessa temática, podendo contribuir com um conjunto eficiente de mecanismos internos e externos que visam harmonizar a relação entre gestores e acionistas, dada a separação entre controle e propriedade. 

Para o Brasil, é importante construir uma economia com solidez e constituída de empresas capazes de fazer valer a confiança tanto do mercado consumidor quanto dos investidores internos e externos.

A gestão de pessoas pode mitigar os riscos e conflitos de interesse nas empresas, sendo uma ferramenta essencial para selecionar executivos tomadores de decisão. 

Ainda, programas de remuneração adequados aos níveis de responsabilidade, associados a profissionais com forte senso de propósito podem somar forças em lidar com os desafios corporativos. Porém, incentivos aplicados de forma inadequada podem favorecer, como consequência, condutas desalinhadas com os objetivos das empresas.

Há muito conhecimento a ser construído e desenvolvido sobre a economia comportamental por tratar-se de tema apresentado somente a partir da década de 1950. 

Porém, por meio destes estudos, e de outras teorias que contribuam para entender o comportamento do ser humano, é possível aprimorar a leitura sobre a forma como o indivíduo toma suas decisões e quais as suas motivações. 

Essa pode ser uma chave importante para minimizar os impactos negativos das decisões empresariais na economia e para o mercado.