Por Luan Sperandio
Desde meados de 2016 o Brasil implementou uma agenda de reformas estruturais em busca de melhorar o ambiente de negócios e equilibrar a dívida pública em busca de retomar o crescimento econômico após a crise entre 2014 e 2016. E a figura de Rogério Marinho foi fundamental para a aprovação de algumas delas.
O então deputado federal potiguar foi o relator na Câmara dos Deputados da reforma trabalhista, aprovada em 2017. Teve prejuízos eleitorais, amargando a derrota nas eleições em 2018, mas assumiu em 2019 o cargo de Secretário Especial da Previdência no governo Bolsonaro, tendo papel importante em outra reforma: Marinho auxiliou na construção do texto original e de acordos para a aprovação da reforma da previdência no ano passado.
Conquistou a confiança da presidência e ascendeu no início de 2020 para o cargo de ministro do Desenvolvimento Regional. Com a pandemia, a agenda reformista do governo perdeu força e deu espaço para flexibilização fiscal e mais gastos sociais — e o ministro tornou-se peça-chave para Jair Bolsonaro no Norte e Nordeste. Não obstante a pandemia e ainda estar no segundo ano de mandato, o presidente preocupou-se em viajar pelo país, e Marinho articulou uma agenda positiva: apenas entre junho e agosto, foram 13 viagens para se aproximar de eleitores e inaugurar obras, em especial de grande impacto social, como água e moradia. Algo natural e que faz parte do jogo político, e Marinho está em um cargo de primeiro escalão porque sabe jogá-lo.
Contudo, Marinho assumiu um papel de defender a ampliação de obras públicas para ajudar a recuperação econômica pós-pandemia, entrando em desavenças com o ministro da Economia Paulo Guedes ao propor o programa Pró-Brasil. Os “dois “Marinhos” — o reformista e o desenvolvimentista — estiveram no Segundo Encontro Folha Business, realizado na última segunda-feira (14), e entender essa dinâmica política nos ajuda a compreender melhor Brasília.
O que Rogério Marinho falou no Encontro Folha Business
No evento, Marinho defendeu a continuidade das reformas. Em especial, citou a relevância do novo marco do saneamento básico e do protagonismo da iniciativa privada nesses investimentos. Também defendeu o legado da reforma trabalhista, destacando a regulamentação do teletrabalho promovido por esta e sua relevância para enfrentar a pandemia.
Porém, ao ser questionado sobre as expectativas de novas mudanças na legislação laboral, aprofundando a reforma trabalhista, tergiversou e falou do que foi feito em 2017, e não o que esperar para o futuro. Já quando perguntado sobre o clima pela aprovação de reformas em 2021, respondeu que o Congresso se preparava para votar a Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO). Mas isso não é reforma: a LDO é a peça base da legislação orçamentária, sendo aprovada anualmente. Por fim, nenhuma fala ou defesa concreta sobre a reforma administrativa, tributária ou a PEC emergencial.
Marinho também minimizou as críticas em relação às incertezas fiscais. Disse que o Brasil é um país desigual e que o Estado brasileiro olhou para os mais pobres ao providenciar o pagamento do auxílio emergencial — e com razão. Por outro lado, afirmou que poderia ter gastado bem mais do que os 10% do PIB despendidos no combate à pandemia. Mais: minimizou a trajetória da dívida pública, em crescimento desde 2014 e que deve ultrapassar os 100% do PIB ao final do ano. “Qual o problema de termos 110% ou 120% de dívida em relação ao PIB?”, questionou.
Equilíbrio fiscal e investimentos
A fala surpreende porque a relação entre equilíbrio fiscal, investimentos e desenvolvimento econômico não é algo trivial: pelo contrário, é peça essencial no tabuleiro.
Caso o Brasil perca o controle sobre o crescimento da dívida pública, a tendência é que os juros baixos se revertam a fim de controlar a escalada inflacionária. Isso prejudicaria o ambiente de negócios na medida que encareceria o acesso a financiamentos e crédito, que por sua vez poderia causar redução das atividades e perdas de emprego e renda. Também seria uma consequência possível a menor atratividade das ações dessas firmas, fazendo o investidor perder rentabilidade.
A declaração do ministro contrasta com as perspectivas das agências de classificação de risco a respeito do país. Em meados de novembro, a Fitch manteve a nota do Brasil, mas em perspectiva negativa, sinalizando um possível rebaixamento nos próximos meses. Neste caso, a consequência será a interrupção da volta de capital estrangeiro para o país e uma rápida escalada nos juros, prejudicando a retomada econômica. Isso tende a prejudicar em especial a industrialização.
Vale ressaltar que desde agosto houve aumento dos juros futuros no mercado acionário, retornando a níveis pré-eleições de 2018, um momento de muita instabilidade e incertezas sobre os rumos fiscais que o país tomaria. Isso significa que diante dos riscos, investidores estão menos confiantes de um lado, o que encarece o Estado brasileiro se financiar a partir de títulos da dívida.
Não à toa, no painel seguinte, o gestor da Verde Asset Luiz Parreiras rebateu a fala de Marinho: “Não concordo com essa afirmação do ministro. Qualquer empresário sabe que isso não é verdade, que tomar conta de seu negócio com uma dívida maior não é a mesma coisa de uma dívida menor proporcional ao negócio. Há países ricos que possuem esta realidade, mas há credibilidade e confiança nessas regiões. Nós não somos um país rico”.
E continuou: “O mercado está aceitando mais dívida do que no passado? Sim. Mas qualquer dívida? Definitivamente não. O legado de uma dívida alta é perigoso, especialmente se não continuarmos a agenda de reformas e não fizermos o que precisa ser feito. Não acho que a trajetória da dívida no Brasil esteja em um patamar irreversível, mas não dá para tratar como se estivesse tudo bem”, concluiu.
Política não é binária
Como analisar a trajetória política recente de Marinho e suas falas no evento? Como compreender um discurso simultaneamente favorável à aprovação de reformas que, por um lado, equilibram os gastos públicos, e de outro geram mais despesas?
É um erro olhar para a política de forma maniqueísta porque as análises não podem ser binárias. A estratégia dos atores pode mudar de acordo com o calendário, o palco e o público, e para serem compreendidas precisam ser olhadas dentro de cada contexto.
Isso não vale apenas para o governo, mas para o Congresso também, que pode ao mesmo tempo ser reformista e desenvolvimentista. Um bom exemplo disso ocorreu na semana passada. O Senado Federal aprovou a Nova Lei das Licitações, importante reforma estrutural que moderniza as regras das compras públicas. Contudo, no mesmo dia, também foi aprovado o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).
Ele tinha sido criado como sistema de crédito emergencial para a pandemia de covid-19, mas o que seria uma política pública temporária agora se transformará em permanente, o que demanda mais gastos. Portanto, no mesmo dia, houve um movimento reformista e de mais gastos.
Corpo estranho do governo é Paulo Guedes
A fala do ministro Marinho não surpreendeu, apenas escancarou que um membro importante do governo não está preocupado com a questão fiscal. É o que analisa Arilton Teixeira, economista-chefe da Apex Partners, que acompanhou o evento.
“A voz discordante no governo hoje é apenas do ministro da economia Paulo Guedes: sempre que algum dos outros ministros se manifestam é no sentido favorável a mais gastos, de todos eles. O corpo estranho deste governo não é Marinho, é Guedes”, critica.
“Quanto mais tempo demorar para resolver o problema fiscal, maior ele ficará porque o déficit aumenta e precisará de maior tempo para que as medidas façam efeito”, explica.
A LDO, aprovada nesta quarta-feira (16), estima déficit fiscal para 2021 de R$ 247,1 bilhões.