Economia

Gastos que não entraram no Orçamento podem acabar com efeitos do pacote fiscal

Despesas que precisarão ser colocadas na peça orçamentária somam pelo menos R$ 28 bilhões. Valor absorve praticamente todo o ajuste projetado pela equipe econômica em 2025

Governo do presidente Lula terá que fazer adaptações para equilibrar o Orçamento. Crédito: Paulo Pinto/Agência Brasil
Governo do presidente Lula terá que fazer adaptações para equilibrar o Orçamento. Crédito: Paulo Pinto/Agência Brasil

Gastos que não entraram no Orçamento  podem acabar com os efeitos do pacote fiscal do governo. As despesas de 2025 do governo do presidente Lula que precisarão ser colocados podem diminuir ou até mesmo acabar com os efeitos do pacote fiscal aprovado no fim do ano passado pelo Congresso Nacional.

O Orçamento de 2025, enviado em agosto do ano passado pelo Poder Executivo, ainda não foi aprovado pelo Legislativo. A suspensão das emendas parlamentares pelo Supremo Tribunal Federal (STF) atrasou a votação, que só deve ser retomada após o Carnaval.

Há despesas que deverão crescer mais do que o previsto inicialmente e programas que não entraram no Orçamento e precisarão ser colocados. Os ajustes podem ser feitos já no projeto de lei, o que garante um Orçamento mais realista, ou ao longo do ano, cortando recursos de outras áreas.

Ministério do Planejamento e Orçamento informou que os eventuais ajustes no Orçamento “estão sendo discutidos internamente”.

A conta de despesas que precisarão entrar no Orçamento é de pelo menos R$ 28 bilhões, segundo especialistas. O valor absorve praticamente todo o ajuste projetado pela equipe econômica com o pacote fiscal em 2025, calculado pela equipe econômica em R$ 29,4 bilhões.

O aumento de gastos pode ter um efeito ainda maior porque a economia calculada pelo governo traz medidas que não significam corte efetivo de despesas. É o caso das emendas parlamentares, propostas ainda não aprovadas, como a mudança na aposentadoria especial dos militares, e medidas administrativas que podem não ser consideradas na proposta orçamentária, como a biometria e pente-fino em benefícios sociais.

Os números finais ainda não foram fechados pelo Congresso e pelo governo, pois dependem de dados como inflação, Produto Interno Bruto (PIB), beneficiários de programas sociais e arrecadação de impostos federais que ainda não foram processados.

Só na Previdência Social, consultores do Congresso calculam que será preciso acrescentar mais R$ 14 bilhões. O aumento se deve às novas projeções de inflação e do salário mínimo, que interferem no cálculo dos benefícios. O pacote fiscal diminuiu o ganho do salário mínimo, mas mesmo assim há um aumento em relação à projeção inicial do governo. Além disso, a inflação está maior do que a estimada anteriormente. O saldo final é de aumento nos gastos.

Também há programas que não entraram inteiramente no Orçamento, como é o caso do Pé-de-Meia, uma bolsa para estudantes do ensino médio. O governo operou os pagamentos com gastos paralelos no ano passado. O Tribunal de Contas da União (TCU) mandou os recursos voltarem para a contabilidade tradicional – o governo recorreu e aguarda nova análise da Corte de Contas. Serão necessários mais R$ 3,6 bilhões para colocar o Pé-de-Meia no eixo nas contas públicas.

O Auxílio Gás é outro que precisará de recursos não colocados pelo Poder Executivo na peça orçamentária. O governo tentou tirar o programa do Orçamento e colocou uma verba insuficiente na proposta orçamentária, mas a mudança não foi aprovada. Serão necessários mais R$ 2,8 bilhões para garantir o pagamento das parcelas para todos os beneficiários até o fim do ano.

Há ainda R$ 8 bilhões para o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, criado pela reforma tributária. A medida instituiu que a União depositasse o valor em 2025, mas o governo não incluiu o recurso no Orçamento deste ano. O fundo foi idealizado para compensar empresas que vão perder benefícios fiscais concedidos por Estados e acabar com a chamada “guerra fiscal”, que ocorre quando um Estado dá incentivo para atrair um negócio e tirar o investimento de outro Estado.

“O relator e a Comissão Mista de Orçamento do Congresso vão ter de fazer ajustes e incorporar os efeitos do pacote, que é claramente insuficiente”, afirma o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Marcus Pestana. “O pacote tem medidas que são corta-ventos: você está deixando de agravar o problema, mas não está corrigindo o problema.”

O Congresso deve ainda colocar mais R$ 11,5 bilhões em emendas parlamentares que o governo não incluiu no Orçamento. O valor será destinado às emendas de comissão, que herdaram o orçamento secreto.

Ao colocar mais dinheiro para emendas, os congressistas devem cortar verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) e de outros programas da gestão Lula. Não é um aumento direto no total das despesas, mas é uma mudança que tira a capacidade de o Poder Executivo se planejar, pois o dinheiro fica nas mãos dos parlamentares, e pode exigir aumento de gastos lá na frente para cobrir os custos do governo.

Algumas medidas mais efetivas do pacote fiscal devem aliviar as contas, mesmo com o resultado final apontando para aumento de despesas.

As três principais são o ganho menor do salário mínimo, que impacta as despesas com Previdência, abono salarial e seguro-desemprego; a mudança no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que vai incorporar as despesas com o ensino em tempo integral, aliviando os gastos do governo nessa área; e a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que vai desobrigar o governo a colocar gastos obrigatórios em alguns fundos, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Juntas, as três medidas devem gerar uma economia de R$ 12,2 bilhões neste ano, de acordo com os cálculos da equipe econômica.

Há, porém, alguns obstáculos. Além de não ser suficiente para compensar o aumento de gastos, o ajuste depende de mudanças concretas.

No caso do Fundeb, os valores definidos para 2025 não incorporaram as mudanças do pacote de corte de gastos e precisarão ser corrigidos.

No caso do FNDCT, será preciso superar a mobilização do setor de ciência e tecnologia no Congresso, que nos últimos anos aprovou medidas para proibir cortes no setor e blindar o fundo.

Ajustes na arrecadação podem desequilibrar contas

Além dos ajustes nas despesas, será necessário fazer correções nas estimativas de arrecadação dos impostos federais.

O governo colocou no projeto receitas que não devem se concretizar, como o aumento de alíquotas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e os Juros sobre Capital Próprio (JCP), cujo projeto está parado na Câmara.

Também há receitas extraordinárias no Orçamento, como a volta do voto de qualidade pró-Receita Federal no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), em que o próprio governo reconheceu que a estimativa de arrecadação de R$ 28,6 bilhões está inflada e não deve se concretizar.

O Congresso aprovou um relatório reconhecendo que as receitas do governo estão superestimadas, mas mesmo assim aumentou a previsão total da arrecadação em R$ 22,5 bilhões com crescimento da economia, o que é contestado por técnicos.

A inflação deve impulsionar a arrecadação do governo federal, mas não o suficiente para compensar os ajustes calculados.

Entre as receitas e despesas, o órgão do Senado calcula que o governo fechará o ano com um resultado negativo nas contas públicas de 0,7% do PIB.

“O Orçamento ainda está desequilibrado e tende ao final construir mais um resultado deficitário”, diz Pestana.