Artigo Ibef-ES

A liberdade de imprensa e expressão em risco: o caso de dois jornalistas

Análise sobre o caso dos jornalistas Mikhail Favalessa e Guilherme Waltenberg, condenados por danos morais após reportagem contra juíza

Jornalista
Jornalista. Foto: Canva

*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte e membro do Comitê Especial de Tributação Empresarial do Ibef-ES e do Ibef Academy.

A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, pilares fundamentais de qualquer sociedade democrática, enfrentam riscos quando o exercício do jornalismo se vê ameaçado por sanções judiciais desproporcionais.

Esse é o contexto do caso envolvendo os jornalistas Mikhail Favalessa e Guilherme Waltenberg, condenados por danos morais após uma reportagem sobre a atuação minimamente antiética da juíza Olinda de Quadros Altomare Castrillon.

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Fatos como esse levantam questões centrais sobre a liberdade de imprensa e o papel do jornalismo em uma sociedade democrática.

Entendendo o caso

Inicialmente, convém explicar o caso: os jornalistas Mikhail Favalessa e Guilherme Waltenberg publicaram no site O Livre, em 2017, uma reportagem que abordava a atuação da juíza Olinda de Quadro Altomare Castrillon, destacando que ela julgava um caso envolvendo um empresário com quem possuía uma dívida de R$ 1 milhão com o empresário José Charbel Malouf, conhecido como “Zezo”.

Inclusive, os jornalistas entraram em contato com a juíza antes de publicar a reportagem e incorporaram no texto suas falas confirmando as informações divulgadas, mas dizendo que não seria justificativa para afastá-la do julgamento do caso.

A publicação trouxe à tona informações de interesse público, questionando a imparcialidade da magistrada. E destacava que a juíza não se considerou impedida ou suspeita para julgar um caso que envolvia o empresário.

Somente a partir da repercussão da reportagem, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmaram a suspeição da magistrada, reconhecendo que ela deveria ter se declarado impedida no processo.

Não satisfeita com a repercussão da matéria, a juíza, já condenada por improbidade administrativa, entrou com processo na Justiça pedindo indenização por suposta difamação contra os jornalistas.

Ainda assim, no curso do processo, a juíza propôs acordo para que Waltenberg e Favalessa se retratassem e “admitissem o erro”, o que foi negado.

Qualquer pessoa, mesmo aquela desprovida de qualquer entendimento jurídico, esperaria da justiça apenas a improcedência da ação, uma vez que a reportagem apenas tornou pública uma conduta verdadeira e antiética da magistrada.

Jornalistas foram condenados a pagar indenização

No entanto, apesar da veracidade dos fatos relatados e do interesse público claro no caso, os jornalistas foram condenados em primeira e segunda instâncias ao pagamento de R$ 30 mil de indenização à magistrada por danos morais.

Outro recurso a respeito do mesmo caso foi apresentado ao Superior Tribunal de Justiça, mas, por questões técnicas, o recurso foi inadmitido.

Os advogados de defesa dos jornalistas, então, levaram o caso ao Supremo Tribunal Federal por meio de reclamação, mas o ministro Kassio Nunes Marques rejeitou o recurso, argumentando que não estaria relacionado com a matéria tratada na ADPF 130, julgamento histórico da Corte sobre a proteção da liberdade de imprensa.

Com sensatez, o ministro Edson Fachin chegou a abrir divergência, argumentando que:

É preciso ainda, que a liberdade de expressão, sempre que for afastada, seja objeto de minudente exame de proporcionalidade, devendo os juízes fundamentarem se o que se ganha limitando pontualmente a liberdade de expressão encontra respaldo nos valores plurais que são pilares da democracia brasileira.

Infelizmente, porém, foi voto vencido.

Decisão e repercussão

A decisão gerou forte reação de entidades, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que considerou a condenação como um ato de censura, limitando o trabalho de jornalistas que buscam trazer à tona informações de interesse público.

Ainda, ao serem penalizados por divulgar fatos verídicos, abre-se um precedente preocupante de censura e autocensura para jornalistas, colocando em xeque o direito da sociedade de ser informada e de fiscalizar o poder judiciário.

A liberdade de imprensa garante que os cidadãos tenham acesso a informações relevantes sobre a atuação de figuras públicas, permitindo que o poder seja fiscalizado.

No caso de Favalessa e Waltenberg, a reportagem apresentada expôs uma situação potencialmente comprometedora envolvendo uma juíza e um empresário com quem ela mantinha relações financeiras.

Essa informação é claramente relevante, pois questiona a imparcialidade de uma autoridade judicial em um caso concreto.

Ao serem condenados por reportar esses fatos, os jornalistas enfrentam um desafio que ameaça à liberdade de expressão e a própria essência do jornalismo investigativo.

Se a prática de revelar informações verídicas e de interesse público for tratada como uma violação passível de penalização, cria-se um ambiente de medo e autocensura, onde a cobertura de questões sensíveis é inibida.

Justamente por isso, Katia Brembatti, presidente da Abraji, disse: “É inadmissível que jornalistas sejam condenados pela publicação de uma matéria que contém fatos verdadeiros, apurados e confirmados pelas próprias partes”.

A condenação dos jornalistas é problemática por diversos motivos. Primeiramente, o julgamento ignorou que a suspeição da juíza foi posteriormente confirmada pelas instâncias superiores, mostrando que as informações publicadas não eram difamatórias, mas baseadas em fatos.

Além disso, o caso ilustra um uso questionável do Judiciário para inibir a atuação da imprensa, o que contraria decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal que reforçam a proteção à liberdade de expressão e à atividade jornalística, como estabelecido na ADPF 130, que revogou a Lei de Imprensa de 1967.

A defesa dos jornalistas

A defesa dos jornalistas argumenta que a decisão impõe uma forma de censura, já que o valor da indenização é desproporcional e desconsidera que as reportagens se basearam em documentos oficiais e em uma análise objetiva da atuação da magistrada.

Além disso, o direito de informar e de ser informado é um princípio fundamental que deve ser respeitado, especialmente quando se trata de investigar membros do Judiciário, que desempenham um papel essencial na administração da justiça.

Não se trata de defender que a imprensa esteja acima da lei ou isenta de responsabilidade. A liberdade de imprensa vem acompanhada do dever de relatar informações precisas e de evitar distorções que possam prejudicar injustamente a imagem de indivíduos.

Entretanto, no caso de Favalessa e Waltenberg, não há evidências de que a reportagem tenha sido leviana ou difamatória. Pelo contrário, ela trouxe à tona uma situação que, posteriormente, resultou no afastamento da juíza do caso.

Ao punir os jornalistas por seu trabalho, abre-se um precedente perigoso: o de que reportagens que incomodem membros do Judiciário podem ser alvo de retaliação judicial. Isso enfraquece a função fiscalizadora da imprensa e coloca em risco o direito da sociedade de conhecer e questionar a atuação de suas autoridades.

O caso de Mikhail Favalessa e Guilherme Waltenberg destaca a necessidade de proteger a liberdade de imprensa contra tentativas de silenciamento.

A condenação dos jornalistas, ainda que baseada em uma interpretação da lei, contraria o espírito da Constituição Federal e das garantias estabelecidas pelo STF para a liberdade de expressão no Brasil.

Em um cenário em que a transparência e a confiança nas instituições são essenciais, a liberdade de imprensa deve ser preservada como um bem maior.

Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.

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