Artigo Ibef-ES

Análise econômica do direito e a teoria da vidraça quebrada

Análise econômica de direito e a teoria da vidraça quebrada mostram as consequências indiretas das ações jurídicas e econômicas

Foto: Freepik
Foto: Freepik

*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte e membro do Comitê Especial de Tributação Empresarial do Ibef-ES e do Ibef Academy.

O Direito, enquanto ciência normativa, não pode ignorar os impactos econômicos de suas decisões e legislações. Nesse contexto, a Análise Econômica do Direito (AED) e a teoria da vidraça quebrada, de Frédéric Bastiat, oferecem ferramentas para compreender os efeitos econômicos visíveis e invisíveis das normas e das decisões judiciais.

Ambas enfatizam a importância de considerar os custos de oportunidade e as consequências indiretas das ações jurídicas e econômicas.

LEIA TAMBÉM: Planejamento financeiro pessoal: áreas essenciais e benefícios para um futuro seguro

Teoria da vidraça quebrada

Concebida por Bastiat em seu ensaio “O que se vê e o que não se vê”, a teoria da vidraça quebrada é uma metáfora que ilustra as falácias econômicas de considerar a destruição ou a imposição de custos como benéficas à economia.

De maneira a tornar mais lúdica, a história pode ser explicada da seguinte maneira: Frederico é proprietário de um pequeno café onde vende bolos, café, sanduíches e outros produtos. Certo dia, um garoto travesso chamado Estapafúrdio joga uma pedra na vitrine do café e, em seguida, foge correndo.

Frederico fica muito irritado, mas sabe que não pode deixar seu café com a vitrine quebrada. Ele, então, contrata um vidraceiro para fazer o reparo. O vidraceiro será pago pelo serviço e, com o dinheiro recebido, irá gastar em outros lugares, como na mercearia de Bastião.

Bastião, por sua vez, utilizará o lucro obtido para comprar outros produtos, e assim por diante. Dessa forma, parece que o ato de Estapafúrdio, ao quebrar a vitrine, ajudou a “movimentar” a economia.

Se analisada dessa forma, pode-se concluir que Estapafúrdio é um “herói” e que sua ação foi benéfica para a economia. No entanto, o próprio idealizador da teoria alerta que essa visão é uma falácia.

O problema está no fato de que se está a ignorar aquilo que já existia. A vitrine era um recurso que estava em perfeito estado antes de ser destruída. Frederico teve que gastar o dinheiro arduamente conquistado para reparar algo que já estava funcional.

Em vez de investir em melhorias no café ou adquirir novos produtos para atrair mais clientes, ele foi obrigado a usar seus recursos para corrigir um dano. Em resumo, recursos escassos foram desperdiçados para restaurar algo que já existia. Assim, Estapafúrdio deve deixar de ser considerado herói para ocupar seu real posto de “vilão”.

O que se percebe é que a essência da teoria reside na análise dos custos de oportunidade, destacando que recursos gastos na reposição de algo destruído não criam riqueza, mas apenas reparam o que foi perdido.

Essa lógica se aplica tanto à economia quanto ao Direito, em que decisões ou leis que parecem benéficas podem gerar custos ocultos e ineficiências econômicas.

Análise econômica do direito

Nesse discorrer, a Análise Econômica do Direito aplica conceitos econômicos às normas jurídicas, buscando decisões que maximizem a eficiência e promovam o bem-estar social.

Assim como na teoria de Bastiat, a AED alerta para as consequências ocultas das decisões jurídicas que, embora apresentem benefícios aparentes, podem gerar custos econômicos indiretos ou distorções de mercado.

A AED enfatiza a criação de incentivos adequados para comportamentos produtivos. Decisões ou legislações que impõem custos excessivos ou burocracia desnecessária podem ser vistas como “vidraças quebradas”, pois desviam recursos e esforços de atividades mais produtivas.

Por exemplo, em fevereiro de 2023, o STF entendeu que uma decisão definitiva – chamada no direito de “decisão com trânsito em julgado” – acerca de tributos recolhidos de forma continuada perde seus efeitos se o STF se pronunciar, posteriormente, em sentido oposto. 

Assim, ficou estabelecido que as empresas envolvidas deverão recolher, retroativamente, o CSLL, desde 2007, quando reconhecida a validade da lei que instituiu o tributo. Os ministros, ainda, negaram a modulação de efeitos da decisão para que as empresas só recolham a partir de 2023, data do novo entendimento. 

O benefício visível foi o retorno da arrecadação aos cofres públicos; entretanto, o custo oculto foi, justamente, a gigantesca perda matrimonial das empresas, bem como a quebra da confiança no judiciário.

Assim como o exemplo da vidraça quebrada, decisões que aumentam ou forçam uma arrecadação sem planejamento adequado representam alívios visíveis para alguns setores, mas podem resultar em custos invisíveis para toda a sociedade, ao comprometer investimentos públicos e redistribuição de recursos.

Direito e aplicação da vidraça quebrada e AED

O Direito, se entendido como um sistema de incentivos que orienta comportamentos, deve buscar a maximização da riqueza.

Sob essa perspectiva, a principal referência para avaliar as normas e decisões jurídicas é sua capacidade de contribuir para o aumento da riqueza na sociedade. Isso fundamenta a ideia de que a maximização da riqueza pode ser o critério ético central para distinguir regras justas de injustas.

A aplicação da AED e da teoria da vidraça quebrada no Direito nem sempre é consensual. Críticos apontam que a ênfase na eficiência econômica pode negligenciar aspectos éticos, como justiça social e equidade.

Uma decisão economicamente eficiente pode ser vista como injusta se desconsiderar os impactos sobre grupos vulneráveis. Ainda assim, ambas as abordagens são ferramentas úteis para promover decisões mais informadas e equilibradas.

O Direito não existe em isolamento; ele interage com a economia e a sociedade.

A Análise Econômica do Direito e a teoria da vidraça quebrada de Bastiat ensinam a olhar além do imediato ao se considerar os custos ocultos e os efeitos de longo prazo das decisões jurídicas e políticas públicas.

Ao aplicar essas ferramentas, é possível desenhar um sistema jurídico mais eficiente e responsável, que promova não apenas benefícios visíveis, mas também uma alocação de recursos mais justa e sustentável para a sociedade.

Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.

IBEF-ES

Entidade de utilidade pública

Instituto Brasileiro de executivos de finanças - Espírito Santo

Instituto Brasileiro de executivos de finanças - Espírito Santo