*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, com foco na atuação na proteção do direito médico e no direito tributário, secretário do Comitê Especial de Tributação Empresarial do IBEF-ES, membro do Comitê Qualificado de Conteúdo de Empreendedorismo e Gestão do IBEF-ES e Diretor de Relacionamento do IBEF Academy.
E disse Lula: “A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. O conceito de democracia é relativo para você e para mim.” E, assim, em poucos segundos, tornou-se relativo um conceito há milênios estudado e debatido por diversos pensadores e historiadores políticos.
Seja qual for o embasamento teórico a que se funda o pensamento sobre a democracia, é certo dizer que seu conceito pode ser muitas coisas, menos transmissor de algo que não tem caráter único ou absoluto.
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Antes de tudo, por mais que seja possível identificar raízes democráticas na história antiga (Atenas, século V a.C.), importa dizer que o regime democrático, ao menos aquele que se conhece nos dias atuais, teve seu início da Europa do século XVIII, tornando-se um verdadeiro contraste às monarquias absolutistas até então vigentes.
Em um conceito amplo, democracia é uma forma de governo caracterizado, principal e elementarmente, pela escolha dos governantes feita pela sociedade, geralmente na forma de eleições. Justamente nesse caminho, se encontra conceituado no Glossário Eleitoral, serviço disponível no Portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE):
A democracia pode ser conceituada como governo em que o povo exerce, de fato e de direito, a soberania popular, dignificando uma sociedade livre, onde o fator preponderante é a influência popular no governo de um Estado. Origem etimológica: demos = povo e kratos = poder.
Sobre o tema, alguns autores, como Boudon e Bourricaud, vão defender a ideia de que a democracia moderna se subdivide em democracia radical e democracia liberal.
A primeira pode ser consubstanciada na forma de governo encontrada na Inglaterra e nos EUA, onde se priorizou a liberdade e a proteção aos interesses particulares da autoridade estatal.
Já a segunda, elaborada por J. J. Rousseau, tem por ênfase a igualdade e a fraternidade como sinônimo de civismo.
Assim, Rousseau entendia que a democracia somente seria possível com a participação popular, tanto nas decisões administrativas quanto no exercício de funções públicas.
De um modo geral, a democracia liberal defendeu a separação dos Poderes e propôs o pluricameralismo, enquanto a democracia radical simplificou o poder por intermédio de uma assembleia única, na qual o governo seria representado por um comitê executivo.
Independentemente se radical ou liberal, as duas visões encontram seu denominador comum na desconfiança do indivíduo em relação ao governante.
Por isso, o voto em conjunto passa a representar o agente que instrumentaliza a escolha do exercício democrático, em que eleitos são meros prepostos da vontade popular. Existe, portanto, coesão na democracia e, em teoria, isso testifica a manifestação da soberania do povo.
Todavia, é claro que não se está aqui a dizer que o modelo é perfeito, nem que a ele não pode ser imputado críticas. Por exemplo, a forma como um governo representa a vontade do povo pode se apresentar de inúmeras formas nos países democráticos, e todas elas fracassam miseravelmente em obter a idealizada representação real.
Algumas vertentes do pensamento liberal irão dizer que a democracia é o “deus que falhou”, sobretudo porque é um método de agrupar preferências individuais quanto a diversas questões que afetam o conjunto do coletivo. Indivíduos podem errar, e, em conjunto, afetam toda a nação em sua ignorância.
Concorda-se com a crítica. De fato, há falhas que comprometem a evolução social. Mas, parafraseando Winston Churchill, embora seja o pior dos regimes políticos, não se pensou, formulou e consolidou ideia melhor que assegure ao cidadão o mínimo direito de escolha.
Apresentadas essas premissas, facilita-se o retorno à fala proferida por Lula. O presidente deu a declaração em entrevista à Rádio Gaúcha, quando questionado sobre o motivo de a esquerda insistir em defender o regime venezuelano. Ele, então, defendeu Maduro e disse que as acusações de que a Venezuela é uma ditadura fazem parte de uma “narrativa”.
A “dúvida” da jornalista se fundamenta no fato de que, há mais 24 anos, o regime chavista comanda o país e, ao longo desse período, foram promovidas mudanças que minaram a independência dos Poderes, sufocaram a oposição e silenciaram a imprensa independente.
Ainda, a “eleição” de Maduro, em 2018, se deu em um pleito marcado por irregularidades. De sorte, o resultado não foi reconhecido pela oposição e por grande parte da comunidade internacional.
Ora, fraudes são e serão sempre possíveis. Então, se houve eleição, seria democrático o regime Venezuelano? A resposta só pode ser não.
Muito embora a democracia se manifeste de maneiras variadas, não necessariamente de um jeito “certo” e ou “errado”, existe um núcleo duro, central, pilar de sustentação, que não dá para dispensar em um país democrático.
E esse núcleo referenciado envolve não somente eleições (e essas periódicas), mas também alternância de poder, proteção para garantia de participação e independência dos poderes Judiciário e Legislativo.
Portanto, é indefensável afirmar que a Venezuela é uma democracia. Muito menos contorcer conceitos, chamando-os de “relativos”, como um eufemismo ao regime autocrático Venezuelano. Não há malabarismo que viabilize afirmar que há democracia em um regime desse.
Conclui-se, assim, que, mesmo em meio a diversas crises, a democracia mantém as balizas de ser um governo do povo, pelo povo, para o povo (Abraham Lincoln).
Compreender a democracia em sua mais pura concepção vai além da forma de governo. Há vontade popular sendo exercida democraticamente em igrejas, faculdades, escolas, associações de bairro, assembleias de edifícios e em tantos outros espaços, sempre em que os temas mais diversos precisam ser decididos e conciliados pela coletividade.
Portanto, democracia não rivaliza com as formas diferentes de como ela pode se configurar, como ocorrem em muitas nações.
Entretanto, a democracia é a contramão a meios infinitos e violentos, devido à racionalidade, à liberdade e à responsabilidade vinculadas aos cidadãos. E isso jamais poderá ser relativizado.