Artigo Ibef-ES

Das cinzas à glória: como as SAFs estão transformando o sonho dos torcedores

A mudança para uma SAF tem sido vista como uma solução para superar problemas históricos dos clubes de futebol

Na Alemanha, o modelo do Bayern de Munique inspirou vários outros clubes no mundo. Crédito: Freepik.
Na Alemanha, o modelo do Bayern de Munique inspirou vários outros clubes no mundo. Crédito: Freepik.

*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte e membro do Comitê Especial de Tributação Empresarial do Ibef-ES e do Ibef Academy.

A adoção do modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF) tem transformado significativamente a gestão de clubes no Brasil e em outras partes do mundo.

Este modelo, que permite que os clubes se reestruturem sob uma estrutura empresarial, oferece vantagens em termos de governança, atração de investimentos e gestão financeira.

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A mudança para uma SAF tem sido vista como uma solução para superar problemas históricos, como dívidas acumuladas e falta de transparência, criando um ambiente mais profissional e sustentável nos clubes de futebol.

Futebol e problemas de gestão

O futebol brasileiro sempre foi marcado por uma estrutura de gestão associativa, onde os clubes são geridos por sócios e presidentes eleitos. Esse modelo, apesar de manter uma forte conexão com a identidade e a cultura do clube, muitas vezes resultou em problemas de gestão e na incapacidade de atrair investimentos significativos.

Com a crescente globalização do futebol e a concorrência internacional, os clubes brasileiros começaram a perder terreno para os clubes europeus, que já adotavam práticas de gestão profissional há décadas.

SAFs no Brasil

A criação das SAFs para o futebol brasileiro se deu em 2021, por meio da publicação da Lei n.º 14.193. Essa mudança veio para responder a esse desafio, oferecendo uma alternativa mais profissional e atraente para investidores.

A legislação permite que clubes de futebol no Brasil se transformem em sociedades anônimas, facilitando a separação entre o clube social e a empresa que gerencia o futebol, além de criar uma estrutura mais robusta para a captação de recursos.

Essa mudança tem atraído interesse não apenas de investidores nacionais, mas também de estrangeiros que veem potencial de crescimento no mercado brasileiro.

Tradicionais clubes brasileiros já colhem os frutos dessa transformação. Botafogo, Cruzeiro e Vasco da Gama são exemplos de clubes que passaram por uma virada significativa ao se tornarem SAFs.

O Botafogo, que já havia experimentado momentos de glória e decadência, encontrou na SAF a chance de recomeçar. O clube foi adquirido por John Textor, um investidor norte-americano, após sua mudança em SAF. Textor trouxe uma visão de longo prazo e uma estratégia de investimento focada em infraestrutura e formação de atletas.

A gestão do clube passou a ser mais transparente e voltada para resultados, com uma estratégia clara de fortalecimento da equipe e investimentos em infraestrutura. A SAF possibilitou o aporte de novos recursos que ajudaram a reorganizar as finanças do clube, além de promover uma mentalidade mais profissional na gestão esportiva.

Hoje, o clube busca consolidar sua posição na elite do futebol brasileiro e competir em pé de igualdade com outros gigantes do futebol nacional.

Ronaldo Fenômeno: divisor de águas no Cruzeiro

Em situação semelhante, o Cruzeiro, um dos clubes mais tradicionais de Minas Gerais, enfrentava uma grave crise financeira, com dívidas que comprometiam a operação do clube.

A chegada de Ronaldo Fenômeno como gestor foi um divisor de águas que reavivou a esperança dos cruzeirenses. Ver o ídolo no comando, liderando a reestruturação e reconduzindo o clube à primeira divisão, resgatou o sentimento de que o Cruzeiro poderia, novamente, ser um dos protagonistas do futebol brasileiro

A nova gestão se concentrou na renegociação de dívidas, na transparência financeira e na recuperação esportiva, o que resultou na volta do clube à primeira divisão do Campeonato Brasileiro. A estrutura de SAF do Cruzeiro atraiu novos patrocinadores e investidores, criando uma base sólida para o futuro.

Por sua vez, a reorganização do Vasco da Gama em uma Sociedade Anônima do Futebol, iniciada em 2022 com a parceria com o grupo norte-americano 777 Partners, trouxe mudanças significativas para o clube, tanto na gestão quanto nos investimentos.

Esse modelo permitiu uma reestruturação financeira, incluindo um plano de aporte de R$ 700 milhões ao longo de três anos, que visa melhorar a infraestrutura do clube e reforçar o elenco, com foco na competitividade a médio e longo prazo.

Para os vascaínos, a SAF trouxe um novo sopro de esperança em São Januário, em que a expectativa é voltar a ver o Vasco competitivo, disputando títulos e revivendo as grandes noites de glória.

No Espírito Santo

Já em terras capixabas, foi o clube Rio Branco Atlético Clube que primeiro adotou o formato de Sociedade Anônima do Futebol. Firmada com o grupo T2R Sports, representa uma grande mudança para o futebol local.

Essa transição tem como objetivo revitalizar o clube e torná-lo mais competitivo, tanto regionalmente quanto em nível nacional.

O acordo prevê um investimento de R$ 50 milhões ao longo de 10 anos, dos quais R$ 10 milhões serão destinados à melhoria da infraestrutura, incluindo a construção de um Centro de Treinamento (CT) para atender o time principal e as categorias de base.

Portanto, para além dos números e da gestão, o que está em jogo é a esperança de milhares de torcedores apaixonados.

Quando um clube anuncia sua transformação em SAF, não se trata apenas de uma decisão empresarial. É o reavivamento de um sonho, o desejo de ver o clube voltar ao topo, onde os corações de seus torcedores sempre acreditaram que ele deveria estar.

Os torcedores querem ver seus clubes de volta aos dias de glória, disputando títulos e vivendo grandes momentos. Para eles, geralmente, a mudança para SAF é vista como uma luz no fim do túnel, uma esperança de que, finalmente, seus times possam competir de igual para igual, dentro e fora de campo, contra os gigantes europeus que tantas vezes levaram seus ídolos.

Investimentos nas SAFs

O que se percebe é que a adoção dos clubes a SAFs vai além da mera captação de investimentos. Ela também transforma a forma como os clubes se relacionam com suas torcidas e com a comunidade.

A profissionalização da gestão melhora a transparência, aproximando os torcedores do dia a dia do clube e fortalecendo a confiança da base de fãs.

Por exemplo, os clubes que adotaram o modelo de SAF têm investido em programas de sócio-torcedor e em infraestrutura digital, o que melhora a experiência dos torcedores com acesso a conteúdo exclusivos e benefícios.

Isso ajuda a aumentar a receita direta com os torcedores, e torna o clube menos dependente das receitas de bilheteria e de transferências de jogadores. Essa aproximação com os torcedores cria uma comunidade mais engajada e fortalece a marca do clube.

Do ponto de vista dos investidores, um dos principais atrativos das SAFs é a segurança jurídica proporcionada pela separação entre o clube social e a empresa que gere o futebol.

Isso facilita a injeção de capital e a participação acionária de novos investidores que podem entrar no mercado sem assumir as dívidas históricas acumuladas por gestões passadas.

Crise financeira e investidores

No caso de uma eventual crise financeira, a estrutura das SAFs permite renegociar dívidas e buscar novos aportes de forma mais flexível, o que garante a continuidade das operações do clube.

A transparência financeira exigida das SAFs também facilita a auditoria de suas contas, o que é um ponto crucial para a confiança dos investidores.

Apesar dos benefícios, as SAFs também enfrentam desafios, como a adaptação ao novo modelo de gestão e a necessidade de conciliar os interesses dos investidores com a identidade e tradição dos clubes.

A gestão profissionalizada pode entrar em conflito com as expectativas emocionais dos torcedores, que muitas vezes esperam decisões voltadas para os resultados imediatos dentro de campo.

Além disso, a simples transição para SAF não é uma solução milagrosa. Ela exige planejamento, visão de longo prazo e compromisso com a governança. Sem uma estratégia bem definida, os clubes podem enfrentar dificuldades em alinhar os interesses dos investidores com as demandas esportivas.

A adoção do modelo de SAF tem se mostrado uma solução promissora para modernizar o futebol brasileiro e fortalecer a sustentabilidade dos clubes.

Essas transformações são fundamentais para que o futebol brasileiro se alinhe às práticas de gestão globais, criando um ambiente mais competitivo e sustentável, onde a profissionalização e a atração de investimentos são os pilares de um futuro promissor para os clubes.

À medida que mais clubes adotam esse modelo, o futebol brasileiro pode se reposicionar no cenário global, oferecendo tanto estabilidade financeira quanto um produto esportivo de alto nível para torcedores e investidores.

Para os torcedores, cada novo investimento e cada melhoria na estrutura de treinamento são mais do que simples números; são sinais de que o sonho de ver seu clube novamente no topo está cada vez mais próximo, revivendo a paixão que une gerações nas arquibancadas.

Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.