*Artigo escrito por Gil Andriani, CEO, fundador da IaCrypto e Membro do Comitê Qualificado de Conteúdo de Inovação e Tecnologia do IBEF-ES.
A transição de uma carreira em uma grande empresa para o mundo do empreendedorismo é uma experiência que oferece lições valiosas e desafios únicos.
Trabalhar em um ambiente corporativo estruturado proporciona um conjunto robusto de competências em governança, estratégia e processos.
No entanto, aplicar diretamente esses modelos em uma startup pode se revelar arriscado.
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Grandes empresas como ArcelorMittal e Petrobras são frequentemente citadas como modelos de governança.
Segundo Drucker (1999), o sucesso dessas organizações está enraizado em estruturas sólidas de tomada de decisão, delegação eficaz e gestão de risco.
Por exemplo, a Petrobras investe pesadamente em pesquisas antes de tomar decisões estratégicas, isso pode inspirar empreendedores a adotarem práticas rigorosas de planejamento e controle em suas startups (empresas jovens, tecnológicas e com crescimento exponencial).
Contudo, é vital adaptar essas práticas às necessidades dinâmicas e às limitações de recursos das startups, como discutido por Ries (2011) em The Lean Startup.
É crucial compreender a disparidade entre a escala e os recursos de uma grande empresa e os de uma startup.
Collins (2001), em seu estudo sobre empresas que evoluíram de “boas a excelentes”, sublinha que a complexidade das grandes corporações nem sempre é aplicável a negócios menores ou startups.
A estrutura hierárquica que funciona em multinacionais, como a ArcelorMittal, pode se tornar um obstáculo em startups que necessitam de flexibilidade e rapidez nas decisões.
Por exemplo, enquanto a ArcelorMittal pode ter processos extensivos de aprovação para novos projetos, uma startup como a Nubank precisa de decisões rápidas para se manter competitiva no mercado financeiro digital.
Ries (2011) destaca que a metodologia lean permite que startups operem de maneira mais ágil e eficiente, focando na validação contínua de hipóteses e no ajuste rápido de estratégias.
Empreendedores, ao deixarem o emprego corporativo, trazem consigo disciplina e visão estratégica.
No entanto, replicar práticas corporativas como burocracia excessiva ou processos formais pode sufocar a inovação e a adaptabilidade, essenciais para o sucesso de startups.
Christensen (1997), ao explorar a inovação disruptiva, argumenta que startups prosperam pela capacidade de se ajustar rapidamente e experimentar, livres das restrições de processos rígidos.
Por exemplo, empresas como a 99, concorrente do Uber, conseguiram crescer rapidamente no Brasil ao adaptar suas operações e serviços de acordo com as necessidades locais, algo que grandes corporações teriam dificuldade em fazer com a mesma rapidez.
A adaptabilidade e a capacidade de pivotar rapidamente, como discutido por Ries (2011), são fundamentais para a sobrevivência e o crescimento de startups em mercados voláteis.
Uma abordagem equilibrada é essencial. A governança inspirada em grandes empresas deve ser adaptada à realidade das startups.
Implementar boas práticas de contabilidade, planejamento estratégico e gestão de riscos é recomendável, mas com a flexibilidade necessária para responder às rápidas mudanças do mercado e às necessidades específicas das startups.
Isso é alinhado com o conceito de “pivotar” de Ries, onde mudanças de direção são essenciais para encontrar o ajuste certo no mercado. Por exemplo, a empresa de tecnologia Gympass precisou ajustar seu modelo de negócios várias vezes até encontrar a fórmula ideal para seu crescimento global.
Além disso, a cultura empreendedora dentro de grandes empresas, conhecida como intrapreneurship (Pinchot, 1985), pode servir como um terreno fértil para futuros empreendedores.
Esta experiência permite que profissionais experimentem inovação e assumam riscos em um ambiente controlado antes de se aventurarem em suas próprias startups.
No entanto, é vital lembrar que o contexto corporativo oferece um suporte que raramente está disponível no empreendedorismo autônomo.
Por exemplo, o Google incentiva projetos internos de inovação, como o Gmail, que começou como uma iniciativa de intrapreneurship antes de se tornar um produto essencial.
Em resumo, enquanto a experiência corporativa pode fornecer uma base sólida para governança e gestão em novos empreendimentos, a aplicação direta de práticas de grandes empresas pode não ser adequada para startups.
É essencial que os empreendedores adaptem essas práticas para desenvolver uma abordagem que combine a disciplina corporativa com a agilidade necessária para o sucesso das startups.
Exemplos práticos e a adaptação contínua às mudanças do mercado são fundamentais para equilibrar essas duas realidades distintas.
Referências
Christensen, Clayton M. The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail. Harvard Business Review Press, 1997.
Collins, Jim. Good to Great: Why Some Companies Make the Leap… and Others Don’t. HarperBusiness, 2001.
Drucker, Peter F. Management Challenges for the 21st Century. HarperBusiness, 1999.
Pinchot, Gifford. Intrapreneuring: Why You Don’t Have to Leave the Corporation to Become an Entrepreneur. Harper & Row, 1985.
Ries, Eric. The Lean Startup: How Today’s Entrepreneurs Use Continuous Innovation to Create Radically Successful Businesses. Crown Business, 2011.
*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo