Economia

Deixar de cumprir contrato também é causa para tributar, reafirma STJ

A decisão é questionável e tem como consequência a imprevisibilidade e o prejuízo direto ao contribuinte brasileiro, em especial o empresariado

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

*Artigo escrito por Teuller Pimenta, advogado, com foco na atuação na proteção do direito médico e no direito tributário, secretário do Comitê Especial de Tributação Empresarial, membro do Comitê Qualificado de Conteúdo de Empreendedorismo e Gestão do IBEF-ES e membro do IBEF Academy.

Recentemente a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reafirmou que incidem o IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) sobre os juros de mora decorrentes do inadimplemento de contratos.

No caso, o STJ chegou a essa conclusão após analisar o agravo interno apresentado pela empresa AMBEV S.A, o qual visava a reforma de decisão individual do relator que desproveu o recurso especial para manter o entendimento do TRF da 2ª Região pela incidência do IRPJ e CSLL sobre os juros moratórios previstos em contrato.

Explica-se, para facilitar o juridiquês.

Tudo se inicia com um processo (Mandado de Segurança) ajuizado pela empresa Londrina Bebidas LTDA – AMBEV S.A, com o objetivo de afastar a exigência Receita Federal quanto pagamento de Imposto de Renda Pessoa Jurídica e da Contribuição sobre Lucro Líquido dos valores que recebe a título de juros por atraso nos contratos que a empresa firma com outras empresas. 

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A empresa teve seu pedido sucessivas vezes negado e após vários recursos, o processo chegou ao Superior Tribunal de Justiça.

Em termos gerais, a AMBEV S.A defendeu a tese de que tais valores não caracterizam lucros cessantes (aqueles em que a pessoa deixa de receber ou lucrar em razão de um ato ou evento que lhe causou danos).

Para dar base ao pensamento, a empresa citou o entendimento de que os juros de mora estão fora do campo de incidência do IRPJ e da CSLL, uma vez que eles visariam recompor perdas, não implicando aumento patrimonial.

Isto é, os chamados juros de mora não representam acréscimo patrimonial ou qualquer incorporação de riqueza, quando os valores recebidos são provenientes dos juros pelo descumprimento de contrato, na medida que designam indenização pelo atraso no pagamento da dívida.

Porém, os ministros do STJ acompanharam o voto do ministro Benedito Gonçalves que apenas confirmou uma jurisprudência já estabelecida. 

O Colegiado, reiteradamente, decide a favor da tributação dos juros moratórios, por entender que eles possuem a natureza de lucros cessantes e, assim, representam acréscimo de patrimônio, o que viabiliza a incidência de IRPJ/CSLL, em conformidade com o disposto no art. 43, inciso II, do Código Tributário Nacional que diz:

O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica […],

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Contudo, muito embora seja somente um reconhecimento a um antigo pensamento da Corte, o STJ perdeu a chance de alterar um entendimento que ruim ao empresariado brasileiro, por considerar tributável aquilo que, em sua essência, não deve ser tributado.

O STJ parece confundir os conceitos de juros de mora e lucros cessantes. O primeiro, como o próprio nome indica, serve para ressarcir o credor pela mora, atraso, no adimplemento da obrigação contratual, enquanto o segundo, ao teor do art. 402 do Código Civil, significa reposição daquilo que razoavelmente deixou de lucrar em razão de um evento danoso causado por terceiro.

Para tentar tornar mais claro, os lucros cessantes não formam a categoria de juros, quer de natureza moratória, para ressarcir o prejuízo, quer de natureza compensatória, para remunerar o capital empregado.

Também é importante mencionar que o próprio Supremo Tribunal Federal há muito tempo já esclareceu quanto à natureza indenizatória dos juros moratórios, afastando a ideia de acréscimo patrimonial, objeto de tributação pelo imposto de renda.

As hipóteses de incidência de juros compensatórios estão previstas nos arts. 591, 670, 677 e 869 do Código Civil. Destinam-se à remuneração do capital empregado ou mutuado, distinguindo-se dos lucros cessantes, sempre dependentes de apuração em cada caso concreto para aferir a lucratividade interrompida ou diminuída pela superveniência de um dos eventos danosos.

Por tudo isso entendemos equivocadas a decisão do STJ que determina a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os juros moratórios percebidos pelo credor sob o fundamento de que têm a natureza de lucros cessantes. 

No caso em discussão quanto aos contratos não cumpridos, os juros moratórios visam indenizar o dano causado pela demora no pagamento previsto em contrato. Assim, têm natureza indenizatória, não remuneratória, de maneira que não deveriam ser objeto de IRPJ e CSLL.

A decisão do STJ é questionável e tem como consequência a imprevisibilidade e o prejuízo direto ao contribuinte brasileiro, em especial o empresariado, que perde parte de sua justa indenização recebida por inadimplemento de contratos legitimamente estabelecidos.