*Artigo escrito por Teuller Pimenta, advogado, com foco na atuação na proteção do direito médico e no direito tributário, membro do Comitê Qualificado de Conteúdo de Empreendedorismo e Gestão do IBEF-ES e membro do IBEF Academy.
Ser disruptivo é incômodo no Brasil! O dia era 2 de junho de 2017 quando, inicialmente como uma página do Facebook, surgiu no país uma startup com a promessa de revolucionar viagens rodoviárias coletivas.
Basicamente, por meio de uma plataforma digital, a empresa Buser prometeu conectar pessoas que queriam viajar para o mesmo destino com empresas de fretamento executivo.
Ocorre que o modelo de transporte rapidamente passou a ser contestado por outras empresas do setor, bem como pelo próprio Estado e suas normas arcaicas, o que fatalmente levou a diversas disputas judiciais nos últimos anos.
Para conceituar os termos, a Buser atua em duas modalidades: de marketplace e de fretamento.
Na primeira, funciona como um meio de intermediação com passageiros, e, assim, vende passagens em parceria com as viações tradicionais reguladas pelas rodoviárias.
Na segunda, por sua vez, a viagem é feita por empresas privadas de fretamento e os custos são divididos entre todos os passageiros.
Não demorou muito para que a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) tornar-se responsável por diversas ações judiciais “anti-Buser”, cujo principal argumento alega que “o transporte rodoviário de passageiros é um serviço público por definição constitucional, e por isso depende de autorização do poder público”.
Com isso, a empresa representaria uma concorrência desleal às empresas que seguem as normas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Assim, a empresa vem colecionado ações judiciais em vários tribunais de justiça pelo Brasil.
O estado com o retrospecto mais desfavorável à Buser é Minas Gerais. Até mesmo a viagem inaugural da plataforma foi precocemente interrompida por ordem da Justiça Federal. A liminar só foi derrubada no ano seguinte, em 2018.
Em terras capixabas, mais sorte não encontra a empresa. Além de diversas decisões judiciais contrárias a parcerias, a própria Buser foi proibida de divulgar, comercializar e promover viagens de qualquer trecho rodoviário em caráter regular.
Com isso, após reiterados descumprimentos da ordem de funcionamento, a Justiça penhorou o valor de R$ 45 milhões da empresa.
Os valores foram desbloqueados posteriormente, quando o juiz Marcelo Pimentel confirmou que a Buser é apenas uma plataforma tecnológica que atua como uma intermediária para a realização dos serviços de fretamento, ligando passageiros às empresas de fretamento. Na ocasião, disse o magistrado:
Os mencionados serviços igualmente são praticados pelo iFood e Uber Eats, que intermediam pessoas (usuários/consumidores) a estabelecimentos comerciais e restaurantes, não sendo estes o prestador de serviço, mas tão somente o intermediador.
O evento mais recente envolvendo a empresa e a Justiça ocorreu agora em abril de 2023. Em decisão proferida pela 6ª Câmara de Direito Público do Estado do Rio de Janeiro, a empresa recebeu o aval judicial para oferecer suas viagens intermunicipais na cidade Carioca.
A decisão merece aplausos pois, de maneira apropriada, tocou na liberdade de mercado e ao fomento concorrencial imprescindíveis ao desenvolvimento de uma cultura de empreendedorismo no país. Nesse sentido, asseverou o desembargador:
Cumpre frisar que, atualmente, o Estado não consegue acompanhar as inovações tecnológicas no sentido de regular todos os serviços que são criados em benefício de uma coletividade de usuários, como é o presente caso.
Por outro lado, a inovação e adoção de novas tecnologias se mostram salutares e, a princípio, observam o princípio constitucional da livre concorrência, sendo certo que à medida que buscam novas ideias para otimizar os serviços, servem também para fomentar a concorrência e aprimorar a qualidade dos serviços que já são prestados à população.
É nesse sentido que o art. 4º da Lei nº 13.874 (Lei de Liberdade Econômica) determina que seja evitado o abuso de poder regulatório, de modo a criar reserva de mercado ou favorecer, por meio da regulamentação, grupo econômico ou profissional em prejuízo dos demais concorrentes ou de redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores no mercado
E assim, de sentença em sentença, e de decisões em decisões, a Buser segue enfrentando bravamente os mais diversos argumentos para que seu funcionamento não seja impedido em terras brasileiras.
Essa resistência que a empresa tem enfrentado do Estado, é apenas mais um exemplo do que se vê no Brasil e que o pensamento liberal se dedica a mudar, isto é: o capitalismo cartorial monopolista, em que os reclusos interesses políticos se sobrepõem ao que seria mais benéfico ao consumidor.
Este, por sua vez, assiste de mãos atacadas, sentado no banco, o teatro do capitalismo de laços.
Urge a reflexão: em princípio, não é incomum todos sermos favoráveis à livre concorrência. Afinal, quer-se ter ao dispor diversas opções de comidas, roupas, eletrônicos, veículos ou qualquer produto ou serviço que possa ser ofertado no mercado.
Todavia, o problema surge quando a concorrência bate à nossa porta, “roubando” potenciais clientes. Nesse momento, a concorrência passa a ser negativa, nociva e contrária ao “bem público”.
O caso da Buser é exatamente nesse sentido. Por exemplo, no próprio site da empresa, há mensagens informando que as passagens podem custar até 60% a menos do que o preço praticado nas rodoviárias tradicionais do país.
A pergunta retórica que pode ser feita é: se o benefício é evidente para o consumidor, por que o Estado e as empresas se esforçam para impedir a atuação da Buser?
O raciocínio para se alcançar a resposta é fácil. Há interesses escusos por detrás. No Brasil coloquial havia uma frase comumente dita de que o bêbado nativo reserva o primeiro gole para o santo. O “santo”, por óbvio, é o Estado.
Para os liberais, impedir a inovação e a concorrência prejudica diretamente o consumidor, que deveria ser o foco das discussões.
A Buser incomoda porque qualquer concorrência incomoda. E esse raciocínio mesquinho é resultante de décadas de protecionismo privado ou para poucos, a pretexto do interesse público ou do cuidado com o “hipossuficiente” cidadão.
Parafraseando outra antiga frase popular que diz “Tão lindas as vitórias régias. É melhor não agitar o lago”, tem-se que um número sempre reduzido abocanha uma fatia dos lucros ao se evitar que pedras sejam jogadas no manso lago onde repousam as vitórias régias. Assim, segue-se aceitando o inaceitável.