
*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte e membro do Comitê Especial de Tributação Empresarial do Ibef-ES e do Ibef Academy.
No cenário atual de constantes desafios no setor elétrico brasileiro, a discussão sobre a liberação do Mercado Livre de Energia para todos os consumidores brasileiros, incluindo os residenciais, é uma pauta que ganha força e relevância.
O Mercado Livre de Energia configura-se como um ambiente de negociação onde consumidores podem escolher diretamente seus fornecedores e negociar preços e condições contratuais.
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Esse modelo, amplamente utilizado em mercados mais desenvolvidos, permite uma eficiência econômica que a regulamentação rígida do mercado regulado frequentemente inibe.
Formas de adquirir energia elétrica
No Brasil, o consumidor pode adquirir energia de duas maneiras, sendo uma delas através das concessionárias. Esse é o modelo do ACR (Ambiente de Contratação Regulada), em que as concessionárias fornecem energia diretamente aos consumidores.
Nesse ambiente, o preço é regulado e inclui o valor do consumo, taxas específicas e as tarifas adicionais de bandeiras tarifárias, aplicáveis tanto para residências quanto para empresas.
A outra alternativa é o Mercado Livre de Energia, conhecido como ACL (Ambiente de Contratação Livre).
Nesse modelo, o consumidor tem a liberdade de negociar diretamente com o fornecedor, escolhendo de quem deseja adquirir a eletricidade. Contudo, essa opção ainda não está disponível para consumidores residenciais.
Lei brasileira
Atualmente, o setor elétrico brasileiro é amplamente regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que impõe restrições ao acesso de consumidores de pequeno porte — ou seja, aqueles conectados em baixa tensão — ao Ambiente de Contratação Livre (ACL).
Essas restrições têm origem na Lei nº 10.848/2004, que organiza o modelo regulado e segmentado da comercialização de energia no Brasil, assegurando que apenas consumidores com alta demanda energética possa negociar no mercado livre.
Quem utiliza alta tensão, chamados de Grupo A, como comércios e indústrias que precisam de mais de 2,3 kV, podem escolher seu próprio fornecedor de energia.
O mercado livre existe desde 1996 e antes era restrito a quem consumia acima de 500 kW, mas esse limite foi reduzido. A partir de janeiro de 2024, o Grupo A poderá negociar preços e contratos diretamente.
Anteriormente, apenas grandes consumidores, com demanda acima de 1.000 kW ou 500 kW, podiam migrar para o mercado livre.
Contudo, uma portaria de setembro de 2022 permite que todos os consumidores em alta tensão aproveitem esse mercado. Agora, negócios menores, como padarias e restaurantes, também podem migrar, desde que utilizem alta tensão.
Para consumidores em baixa tensão, do Grupo B, como residências e áreas rurais, o modelo regulado com as distribuidoras locais permanece.
Contudo, a abertura do mercado livre de energia para todos os consumidores, inclusive residenciais, é uma expectativa real e já está em discussão no Congresso Nacional.
Dois projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado buscam expandir o Ambiente de Contratação Livre para todos os consumidores, quais sejam: o PL 414/2021, que busca aprimorar o modelo regulatório e comercial do setor elétrico, com foco na expansão do mercado livre; e o PL 1.917/2015, que propõe a portabilidade da conta de luz, permitindo que qualquer consumidor escolha seu próprio fornecedor de energia.
Ambos projetos estão em fase avançada para aprovação.
Esse tema tem ganhado popularidade e relevância, especialmente devido às altas tarifas de energia, que tendem a aumentar nos próximos anos.
Liberação do mercado de energia
O principal argumento a favor da liberação total do mercado de energia reside na redução de custos. No mercado livre, o consumidor pode negociar diretamente com fornecedores, escolhendo contratos de médio e longo prazo com tarifas potencialmente inferiores às praticadas no mercado regulado.
Essa possibilidade de negociação direta é particularmente relevante diante dos recentes aumentos nas tarifas de energia, que vêm penalizando a população.
Ademais, o recente apagão ocorrido em São Paulo revelou a fragilidade do sistema atual, que, em um ambiente de livre concorrência, teria mais incentivos para realizar investimentos e melhorias na infraestrutura.
A abertura do mercado também permite ao consumidor a escolha de fontes energéticas renováveis, como solar e eólica, que são ecologicamente mais sustentáveis.
Essa flexibilidade atende à crescente demanda por práticas sustentáveis e fortalece o compromisso do Brasil com a redução das emissões de gases de efeito estufa.
Para consumidores que valorizam a responsabilidade ambiental, poder optar pela origem da energia é uma vantagem considerável, promovendo, ainda, a competitividade entre fornecedores e incentivando o desenvolvimento de soluções inovadoras.
Além disso, o acesso ao mercado livre promove a previsibilidade de custos para consumidores que podem optar por contratos de longo prazo.
Com a volatilidade e as oscilações de tarifas que frequentemente afetam o mercado regulado, a previsibilidade de contratos firmados diretamente com fornecedores pode representar uma vantagem inestimável para os consumidores.
Desafios da liberação
Contudo, a liberação total do mercado não está isenta de desafios. Um dos principais riscos é a exigência de gestão ativa dos contratos e a necessidade de conhecimento técnico para lidar com um mercado cujos preços oscilam de acordo com a oferta e a demanda, influenciados por fatores como o clima e a sazonalidade do consumo.
Aderir ao mercado livre exige que o consumidor compreenda as variáveis que podem impactar o custo da energia.
O modelo de Mercado Livre de Energia, quando expandido para atender todos os tipos de consumidores, tem o potencial de transformar o setor elétrico brasileiro, tornando-o mais eficiente, competitivo e alinhado com as demandas da sociedade moderna.
A flexibilização das regras, que atualmente limitam o acesso de pequenos consumidores ao mercado livre, representa uma oportunidade de democratizar o setor, oferecendo ao consumidor final a autonomia para escolher seu fornecedor e negociar condições de acordo com suas necessidades.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.