
*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte e membro do Comitê Especial de Tributação Empresarial do IBEF-ES e do IBEF Academy.
No Brasil, o setor de apostas registrou uma movimentação de mais de R$ 7 bilhões em 2022, impulsionado pela popularização de plataformas digitais e pelo crescente interesse dos brasileiros em jogos de azar.
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Com esse aumento de consumo, surgem debates sobre a necessidade de regulamentação e o papel do governo em controlar os vícios relacionados às apostas.
Porém, interferir diretamente nessa prática pode significar uma invasão à liberdade individual, princípio essencial em uma sociedade democrática.
O mercado de apostas no Brasil passou por grandes transformações nos últimos anos. Durante muito tempo, as apostas esportivas eram proibidas no país, exceto pelas loterias regulamentadas pela Caixa Econômica Federal.
Lei da legalização das apostas esportivas
No entanto, em 2018, a Lei 13.756 foi sancionada, permitindo a legalização das apostas esportivas de quota fixa.
Esse marco regulatório abriu espaço para o crescimento acelerado de plataformas on-line de apostas, atraindo uma grande base de usuários que viu nessa forma de entretenimento uma oportunidade de ganhos rápidos.
Como consequência disso, houve um crescimento expressivo do setor, com a criação de centenas de novos sites de apostas e o surgimento de campanhas de publicidade agressivas. Assim, o mercado de apostas tornou-se um dos setores que mais cresce no Brasil.
Riscos das apostas
Como, em regra, o brasileiro não possui bons níveis educacionais, rapidamente o número de pessoas com problemas relacionados ao jogo cresceu 15% nos últimos três anos, especialmente com a facilidade de acesso a plataformas on-line, de acordo com um estudo da Fundação Oswaldo Cruz.
Não tem sido incomum se deparar com notícias de pessoas que vendem todos seus bens ou utilizam reservas financeiras para apostar.
Esses dados e fatos são, sim, alarmantes e, inclusive, justificam a preocupação com os danos do vício em apostas. No entanto, a solução não deve residir na proibição ou no controle governamental.
Governo
Porém, como de costume, em três portarias publicadas, o governo determinou que as casas de apostas devem fiscalizar o comportamento dos usuários quanto aos seus riscos de dependência e suspender o uso da plataforma caso necessário.
Em caso de descumprimento das normas, as empresas serão submetidas a multas de R$ 50 a R$ 2 bilhões, sendo que estas devem sempre superar o valor da vantagem obtida pelo infrator.
Em outras palavras, o governo simplesmente retirou de si a responsabilidade educacional de sua população e transferiu para as empresas a culpa e responsabilidade, em um claro movimento de “lavar as próprias mãos”, tal qual Pôncio Pilatos.
John Stuart Mill, em sua obra “Da Liberdade Individual e Econômica”, já destacava que a autonomia individual é fundamental para o progresso pessoal e social.
Para Mill, a interferência do Estado só é justificável quando há o risco de dano a terceiros, o que não se percebe no apostador.
Escolha individual
No caso das apostas, a decisão de participar ou não é uma escolha pessoal, e, mesmo com os riscos de vício, cabe a cada cidadão ponderar e assumir as consequências de seus próprios atos.
A liberdade, quando acompanhada da responsabilidade individual, deve ser preservada acima de tudo.
Intervenções governamentais excessivas, como já visto em outras áreas, podem gerar mais problemas do que soluções. No caso das redes sociais, por exemplo, a tentativa de regulação para evitar fake news gerou discussões sobre censura e limitação à liberdade de expressão.
Da mesma forma, se o governo decide regular de forma severa as apostas, corre-se o risco de criar um ambiente em que o Estado se torna um controlador das decisões pessoais, impedindo que os indivíduos façam suas próprias escolhas.
Friedrich Hayek, em “O Caminho da Servidão”, afirmou: “Nada é mais fatal para a liberdade do que a falta de responsabilidade pessoal”. Para Hayek, quando o Estado assume o controle das escolhas pessoais, retira do cidadão a capacidade de ser livre e responsável por seus próprios atos, o que enfraquece a autonomia individual e mina a verdadeira liberdade.
Qualquer postura paternalista do Estado, ao tentar regular o comportamento individual, pode acabar sufocando a liberdade de agir e escolher. Cada cidadão deve ter o direito de participar de atividades como as apostas, ciente dos riscos, e arcar com as consequências de suas ações.
Liberdade e responsabilidade individual
A responsabilidade individual é o que confere autenticidade à liberdade. A intervenção estatal, por outro lado, trata os cidadãos como incapazes de tomar decisões informadas e enfraquece a noção de autonomia pessoal.
O que se defende, em vez disso, é a necessidade de educar e conscientizar a população sobre os perigos do jogo, permitindo que as decisões sejam tomadas com clareza informacional.
Uma sociedade que valoriza a liberdade individual e a responsabilidade promove um ambiente em que as pessoas podem tomar suas próprias decisões, enfrentando os desafios e riscos inerentes à vida.
Do ponto de vista econômico, por exemplo, essa liberdade impulsiona o empreendedorismo e a inovação, ao permitir que os indivíduos explorem novas oportunidades e estimulem o crescimento do mercado.
Além disso, o respeito à liberdade individual é essencial para o desenvolvimento moral dos cidadãos.
Quando os indivíduos são responsáveis por suas ações, eles se tornam mais conscientes de suas escolhas e dos eventuais problemas que elas podem gerar. Essa consciência reforça a ética pessoal e a capacidade de viver em harmonia com os outros.
Quando o Estado intervém excessivamente, impondo regras e controles, ele cria uma sociedade dependente e passiva, na qual as pessoas não desenvolvem plenamente seu senso de responsabilidade e autonomia.
Portanto, o crescente interesse dos brasileiros pelas apostas, embora preocupante para alguns, deve ser tratado com responsabilidade e liberdade. A educação e a conscientização sobre os perigos do vício são as soluções mais adequadas, sem recorrer à regulamentação excessiva.
Nesse sentido, o Estado tem o dever de informar, mas não de interferir nas escolhas pessoais. A verdadeira democracia se constrói sobre a autonomia e a responsabilidade de seus cidadãos, não sobre a imposição de controles governamentais que limitam a capacidade de agir e assumir as consequências da decisão.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.