Artigo Ibef-ES

O uso indevido das multas formais como ferramenta arrecadatória

O grande problema que se passou a ser observado foi o Estado utilizar as multas formais como um mecanismo arrecadatório

Crédito: Freepik.
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*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte e membro do Comitê Especial de Tributação Empresarial do Ibef-ES e do Ibef Academy.

No sistema tributário brasileiro, os contribuintes têm a responsabilidade de cumprir tanto as chamadas obrigações tributárias principais quanto as obrigações tributárias acessórias. Em linhas gerais, as obrigações principais referem-se diretamente ao pagamento dos tributos.

As obrigações acessórias, por sua vez, consistem em um conjunto de deveres formais impostos ao contribuinte, como a emissão de notas fiscais, a manutenção de livros contábeis e a entrega de diversas declarações fiscais.

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O grande problema que se passou a ser observado foi o Estado utilizar as multas formais como um mecanismo arrecadatório, e não um simples incentivo à conformidade fiscal.

Legislação brasileira

Detalha-se melhor: na legislação brasileira, enquanto a obrigação principal visa à arrecadação do tributo devido, as obrigações acessórias têm o objetivo de permitir à administração tributária o controle e a fiscalização do correto cumprimento das obrigações principais.

O descumprimento dessas obrigações formais, ainda que não resulte em sonegação de tributos, pode gerar as chamadas multas formais, que penalizam o contribuinte por falhas procedimentais.

Não é exagero afirmar que as multas tributárias de natureza formal estão sendo usadas como um meio de arrecadação indevido, desviando-se de seu propósito original de coerção e prevenção de infrações. Isso se diz em virtude das rigorosas penalidades decorrentes de erros no preenchimento de arquivos digitais para apuração tributária que o contribuinte brasileiro tem presenciado.

Sistema tributário

O sistema tributário brasileiro, em seus três níveis federativos, impõe aos contribuintes uma série de obrigações formais destinadas a detalhar e consolidar as informações necessárias para a apuração de cada tributo devido.

Estas obrigações incluem EFDs/ECFs, DCTFs, GIAs, entre outras, que abrangem uma vasta gama de informações detalhadas das operações de cada estabelecimento, todas interligadas aos sistemas de gestão interna dos contribuintes. Cumprir essas obrigações implica um custo financeiro elevado, que se justifica apenas pela necessidade de conformidade tributária.

Surpreendentemente (ou talvez não) as legislações tributárias dos diferentes entes federados preveem multas pesadíssimas para qualquer falha no preenchimento desses arquivos. A maioria dessas multas é calculada com base em percentuais sobre as vendas ou movimentações dos contribuintes.

Um simples erro, mesmo que irrelevante, em um registro digital pode resultar em consequências severas, expondo os contribuintes a multas milionárias, independentemente do impacto real na apuração do tributo ou na fiscalização.

Multas

Para exemplificar, rememora-se que a pessoa que atrasa o envio do imposto de renda fica sujeito a uma multa. A multa por atraso na entrega da declaração é cobrada quando a pessoa que estiver obrigada a apresentar a declaração a envia após o prazo legal.

O valor da multa é de 1% ao mês sobre o valor do imposto de renda devido, calculado na declaração, mesmo que esteja pago. O valor mínimo da multa é de R$ 165,74, podendo chegar, no máximo, a 20% do valor do imposto de renda.

O valor da multa começa a contar no primeiro dia seguinte ao da data limite de entrega e termina sua contagem na data do envio da declaração ou, se não for entregue, na data do lançamento de ofício pela Receita Federal.

Não é surpreendente que o Brasil esteja entre os países com maior lentidão no pagamento de impostos, segundo o ranking do Banco Mundial.

Um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados revela que as empresas brasileiras dedicam, em média, 1.501 horas anuais apenas para cumprir suas obrigações tributárias.

Este cenário leva a questionar se a solução para aprimorar o sistema tributário reside nas reformas discutidas no Congresso ou na simplificação e digitalização dos processos de fiscalização e apuração tributária.

No papel de “advogado do diabo”, é verdade que nos últimos anos foram implementadas diversas medidas normativas com o objetivo de reduzir os efeitos das multas aplicadas por falhas em preenchimentos.

Na Lei brasileira

A Lei nº 14.689/2023 e a Portaria RFB nº 4.888/2020, por exemplo, instituem mecanismos que permitem aos contribuintes corrigirem, de forma espontânea, inconsistências identificadas pelo Fisco.

De forma semelhante, legislações estaduais, como a Lei Complementar nº 1.320/2018 em São Paulo e a Lei nº 2.657/96 no Rio de Janeiro, introduziram medidas que refletem uma abordagem mais flexível por parte da Fazenda Pública.

Entretanto, a eficácia desses processos de autorregularização ainda apresenta limitações. Observa-se uma aplicação desigual dessas normas, sendo que a fiscalização frequentemente opta por não adotar tais procedimentos de forma que pode ser considerada arbitrária e inadequada.

No âmbito federal, esses instrumentos de correção costumam beneficiar, predominantemente, os chamados “grandes contribuintes”, deixando de alcançar um número maior de contribuintes que também enfrentam dificuldades com as obrigações acessórias.

A recente análise do veto ao artigo 6º da Lei nº 14.689/2023, que visava obrigar a administração federal a implementar esses mecanismos de autorregularização, evidencia a necessidade de uma intervenção por parte do Supremo Tribunal Federal.

A intervenção, nesse sentido, deverá assegurar uma decisão justa no julgamento do Tema 487 (Recurso Extraordinário nº 640.452), que trata da imposição e quantificação das multas isoladas aplicadas pelo descumprimento de obrigações formais, reforçando a importância de uma abordagem mais equânime e justa na fiscalização.

No julgamento do RE nº 640.452, o Ministro Relator Luís Roberto Barroso votou fixando a tese de que: “A multa isolada, em razão do descumprimento de obrigação acessória, não pode ser superior a 20% (vinte por cento) do valor do tributo devido, quando há obrigação principal subjacente, sob pena de confisco”.

Por outro lado, o Ministro Dias Toffoli abriu divergência, votando também pela limitação da multa, mas sugerindo outros percentuais e sugestão de modulação dos efeitos da decisão. Após a apresentação do voto do Ministro Dias Toffoli, o Ministro Relator fez um pedido de destaque e o processo está paralisado aguardando continuidade do julgamento.

É alarmante como as autoridades fiscais tem a capacidade de detectar rapidamente qualquer inconsistência no preenchimento das informações tributárias através de avançados programas de fiscalização, mas penalizam os contribuintes de forma desproporcional e exorbitante por eventuais lapsos formais.

Este uso indevido das penalidades tributárias como meio arrecadatório deve ser prontamente coibido, seja por ações concretas das autoridades fiscais ou legislativas, seja pela posição definitiva da Suprema Corte brasileira.

Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.

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