*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte, membro da Comissão de Direito Tributário pela OAB/ES e diretor de Relacionamentos do IBEF Academy.
No cenário político brasileiro, um projeto de lei tem agitado discussões acaloradas: a PL n° 1.471/22, também conhecida como Lei dos Motoristas de Aplicativos.
Após anos de debate e ações do STF para retirar a competência de julgamento da Justiça do Trabalho, o projeto lei almeja regular o trabalho intermediado por aplicativos de transporte individual em veículos automotores de quatro rodas.
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Para o tema em questão, importa revisitar o passado para buscar elementos que indicam que, muitas vezes, o direito mais atrapalha do que alavanca a economia.
Desde o surgimento dos aplicativos de transporte, como Uber, 99 e Cabify, o setor enfrenta um dilema constante entre a liberdade de inovação e a necessidade de regulação. Essa discussão ganhou novos contornos em torno da PL n° 1.471/22.
Por um lado, seus defensores argumentam que medidas mais rígidas são necessárias para garantir a segurança dos passageiros, proteger os direitos dos trabalhadores e promover uma concorrência justa no mercado.
Por outro lado, críticos alertam para os riscos de uma regulação excessiva, que poderia limitar a inovação, reduzir a concorrência e prejudicar os consumidores.
Não é essa a primeira vez que um debate controverso chega ao legislativo brasileiro.
Portanto, analisar as próprias experiências com o ativismo legislativo torna-se primordial para retirar insights valiosos das possíveis consequências da intervenção estatal na economia.
Aprovada em 2015, a Lei das Domésticas (oficialmente conhecida como a Emenda Constitucional nº 72) representou um marco na legislação trabalhista brasileira ao estender uma série de direitos trabalhistas aos empregados domésticos, como jornada de trabalho limitada, pagamento de horas extras e acesso ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
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Ainda nos debates no Congresso Nacional, o então projeto de lei foi objeto de críticas em que se destacavam os desafios e as consequências inesperadas para o setor. Ignorando totalmente os argumentos contrários, foi promulgada.
Dez anos após, uma recente pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que o número de empregadas domésticas diminuiu.
A pesquisa indica que, enquanto em 2013 havia 1,9 milhão com carteira assinada, em 2022 o ano fechou com 1,5 milhão de pessoas registradas.
As trabalhadoras informais somavam 4 milhões em 2013, e até o ano passado eram 4,3 milhões sem carteira assinada.
Ademais, a renda média da categoria também estagnou, passando de R$ 1.055 para R$ 1.052 em 2022.
Essa significativa diminuição dos laços empregatícios foi ocasionada por cinco elementos:
1) Encarecimento do pagamento do FGTS pelo empregador doméstico;
2) Encargos da rescisão do empregado (equivalente a 40% dos depósitos de FGTS), desencorajando novas contratações;
3) Complexidade e desgaste associados ao cumprimento da burocracia relacionada à contribuição do FGTS;
4) Risco de fiscalização em relação à contribuição;
5) Aumento do risco trabalhista devido ao novo ônus.
Justamente, uma das principais críticas à Lei das Domésticas era o impacto financeiro que ela impôs aos empregadores domésticos, especialmente famílias de renda média e baixa.
Com a necessidade de cumprir novas obrigações trabalhistas, como o pagamento de horas extras e o recolhimento de contribuições previdenciárias, muitos empregadores enfrentaram um aumento significativo nos custos de contratação de empregados domésticos, tornando essa opção financeiramente inviável para algumas famílias.
Como se percebe, o efeito desejado pela lei não foi alcançado!
De volta, então, a PL dos Aplicativos é crucial considerar os possíveis impactos econômicos e sociais da sua aprovação.
Estudos indicam que regulações excessivas podem aumentar os custos operacionais para as empresas, reduzir a oferta de serviços e até mesmo aumentar os preços para os consumidores.
Foi assim em cidades como Londres e Nova York, por exemplo, cuja regulamentação mais rígida foi implementada.
No entanto, essas medidas também geraram controvérsias e desafios, incluindo protestos de motoristas e críticas sobre o impacto nos preços e na disponibilidade dos serviços.
Está-se diante de mais um caso do ativismo legislativo populista e inconsequente. Autores como Carlos Henrique da Silva Zangrando criticam a propositura de leis que se distanciam de suas repercussões financeiras:
Colocando a questão de modo bastante superficial, a Análise Econômica do Direito entende que os processos legislativos devem buscar promover e promulgar leis eficientes, pois que os indivíduos respondem à lei de modo econômico. Do mesmo modo, deve o Poder Judiciário e os doutrinadores conceder a melhor interpretação da lei, de modo que promova a eficiência da norma, em todos os aspectos mensuráveis (econômico, social, político, democrático, sociológico, etc.).
(…) Em suma, o que deseja a Análise Econômica do Direito é trazer um pouco mais de pragmatismo para aquelas discussões jurídicas puramente abstratas, recheadas de idealismo, não raramente contraditórias, e senão estéreis, fundadas apenas em argumento de autoridade, sofismas ou em alguma ideologia pessoal, para dizer o que é “certo” ou “errado”; o que é “melhor” ou “pior”; o que é “justo” ou “injusto”.
Desse modo, a abordagem do projeto de lei parece louvável à primeira vista, por assegurar uma renda mínima e um limite de horas para os motoristas autônomos.
Todavia, torna-se nefasta em seus resultados na medida em que penaliza motoristas mais produtivos, por exemplo, ao impedi-los de continuar trabalhando após atingirem o limite de horas, prejudicando a viabilidade de compensação financeira para as empresas.
Possivelmente, estas terão que excluir os motoristas mais carentes, que produzem menos (porque se tornarão proporcionalmente mais caros).
O resultado inevitável da aprovação desse projeto é que as empresas de aplicativos enfrentarão uma queda na receita e um aumento nos custos, os quais não podem ser repassados para os preços sem resultar em mais perdas de clientes e migração dos consumidores para opções de serviço mais acessíveis.
O próprio passado brasileiro fornece balizas sobre os custos da interferência legislativa que ignora a dinâmica econômica entre o aumento de custos e a redução de receitas/viabilidade.
Porém, alguns políticos se recusam a entender que políticas públicas que ignoram a realidade econômica são como uma banda desafinada: cada instrumento toca uma música diferente, criando um som confuso e desagradável.
*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo