Diante de todo negócio duvidoso, há sempre uma frase que lidera o discurso: rentabilidade garantida. E é ela que estampa o título da coluna de hoje.
Não, não vou falar sobre pirâmides financeiras — apesar de algumas empresas do mercado imobiliário tocarem suas obras como se estivessem operando um esquema Ponzi. A história recente que chamou atenção veio do Uruguai: o “golpe do boi”, no qual investidores perderam cerca de US$ 300 milhões após acreditarem em promessas de retornos fixos assegurados por empresários do setor agropecuário. O enredo é conhecido: ostentação, promessas e colapso.
O marketing e os jargões do mercado imobiliário
Com o advento das redes sociais, a disputa por atenção virou centro da estratégia comercial. Anúncios patrocinados pipocam nas telas prometendo mundos e fundos. E com isso, vieram os jargões: “imóvel exclusivo”, “condições imperdíveis”, “oportunidade única”… e, mais recentemente, o perigoso “rentabilidade garantida”.
O discurso tenta convencer quem tem um recurso guardado a investir na compra de uma unidade para aluguel, fazendo parecer que é um investimento sem riscos, sem variáveis, sem surpresas. Mas o que está, de fato, garantido?
O boom dos compactos em São Paulo
Em 2023, segundo o Secovi-SP, 84% das unidades lançadas na capital foram studios ou apartamentos de um quarto. Esse movimento foi impulsionado por incentivos fiscais — como a isenção de outorga onerosa para imóveis de até 45 m² em áreas centrais.
Além disso, modalidades como HIS, HMP e LIS (voltadas à habitação de interesse social) estimularam o crescimento do produto compacto. O problema: em alguns casos, essas unidades foram indevidamente destinadas a investidores, o que contraria o espírito do programa e gerou investigação por parte do Ministério Público.
Rentabilidade prometida x realidade operacional
Em muitos empreendimentos, a promessa é clara: rentabilidade mínima garantida por 12 a 24 meses. Passado esse período, o imóvel começa a se comportar como qualquer outro — sujeito a vacância, inadimplência, sazonalidade e custos operacionais. Além de promessas institucionais, muito constantes na época do boom da expansão hoteleira no Brasil, diversos corretores de imóveis implementaram o jargão da rentabilidade garantida em seus discursos, propagandas, vídeos e todo tipo de conteúdo. Esse é o primeiro sinal de amadorismo e é preciso redobrar a atenção quando esse tipo de ” garantia ” for feito durante uma negociação.
Thiago Granatto, profissional de alto padrão em São Paulo e sócio da Homesphere que integra a Pilar (plataforma para corretores e imobiliárias boutique) , relata: “Tenho conhecido pessoas que compraram estúdios em localizações premium, como a Oscar Freire, e viram a rentabilidade se perder em taxas de limpeza, administração e vacância. Mesmo em empreendimentos bem localizados, o retorno não vem como o prometido”.
Outro colega que atuou por mais de uma década no mercado paulistano, reforça: “Ouvia muito das equipes de vendas que os clientes se frustravam com taxas altas e retorno abaixo do esperado. A conta é apertada e depende de operação dedicada”.
Um olhar técnico e local
Manoel Ferreira Neto, diretor executivo da MGV Engenharia, explica o racional do empreendimento FORMA Praia do Canto, lançado em Vitória com unidades compactas:
“Identificamos que havia uma lacuna no mercado local. Com apoio da inteligência de mercado da Lopes, entendemos que havia demanda por esse tipo de produto — mas não fizemos isso apenas por tamanho de terreno ou tendência. O projeto foi pensado para investidores, com produto, comunicação e estrutura voltados a essa finalidade.”
A MGV projeta lançar R$ 100 milhões em 2025 e R$ 500 milhões em 2026, com projetos em bairros nobres de Vitória, como Praia do Canto e Jardim Camburi.
Inovação, short stay e locação inteligente
Breno Peixoto, diretor da Nazca, compartilha a experiência com o Youniverse, empreendimento que mistura studios e apartamentos maiores, mas com acessos e áreas separadas:
“As unidades compactas são uma nova forma de viver. Na operação de studios temos área de lazer, acesso e elevadores separados. Jovens mudam de emprego em poucos meses, e a locação de longo prazo não os atende. Já o short stay permite adaptação, desde que o modelo seja bem operado. Plataformas que alugam por mês e repassam a responsabilidade ao inquilino ajudam a tornar isso viável para o investidor.”
Wilson Calmon, diretor de novos negócios da CBL, e conselheiro da Nazca destaca que o modelo ainda está em construção:
“Os studios são porta de entrada para quem quer investir. As empresas de gestão estão testando formatos e ajustando operações. A rentabilidade precisa ser olhada como recorrência e valorização patrimonial, não como TIR de fundo de investimento. E o mercado precisa ser paciente para amadurecer esse produto.”
Compactos: acesso, democratização e localização
Enrico Sperancin, coordenador de vendas na Lopes Imóveis, afirma que os studios atendem uma demanda crescente por locações de curta e média duração, especialmente em bairros nobres como a Enseada do Suá:
“Vitória não tem terrenos sobrando. Os compactos, quando bem localizados e com padrão elevado, se tornam opção segura e acessível, tanto para moradia quanto para investimento.”
Bernardo Furtado, corretor de imóveis da Lopes Dynamo, lembra que na segunda moradia e nos imóveis de lazer, o conceito de propriedade está mudando:
“Hoje os compactos podem ser compartilhados entre diferentes proprietários. Isso reduz custos, maximiza o uso e traz rentabilidade com gestão profissional. É outro tipo de investimento, que precisa ser analisado com visão de longo prazo.”
A visão do investidor experiente
Um investidor que adquiriu unidades em São Paulo desde os primeiros lançamentos relata que o retorno prometido pelas plataformas de gestão não se confirmou. Com taxas de até 20%, preferiu assumir a operação sozinho, obtendo melhor desempenho. Mas reconhece: “É preciso ter perfil para isso. Tem quem compre, se frustre e venda. É uma dicotomia entre comodidade e rentabilidade”.
O ponto de vista dos bons profissionais
Antonio Wierzibicki Filho, CEO no AWF GROUP e especialista em alto padrão, reforça: “A rentabilidade nunca é garantida. Mas com produto bem localizado e operado por quem entende, ela pode ser excelente. O problema é vender isso como promessa”.
Lucas Melo Diretor Executivo na MBRAS Soluções Imobiliárias concorda: “O dinheiro caro deixa o investidor mais seletivo. O que vai seguir resiliente é o bom ativo, bem localizado. Localização, localização, localização.”
A ótica do mercado de terrenos
Um dos maiores intermediadores de terrenos para incorporadoras em São Paulo compartilha:
“A busca por terrenos para compactos continua forte. Mas tudo depende da localização, proximidade de metrô, atividade comercial e, claro, da estrutura legal do projeto. Os modelos que se encaixam no R2V, por exemplo, permitem vender parte das unidades para investidores, o que muda a dinâmica.”
Ele também alerta para irregularidades em projetos HIS e HMP, que foram vendidos a perfis não elegíveis, o que gerou apuração do Ministério Público e freou o ímpeto de algumas incorporadoras.
Conclusão: compactos são solução, não mágica
Sim, há demanda para studios. Sim, há oportunidades de investimento nesse nicho. Mas não existe rentabilidade garantida. Existe boa localização, operação dedicada, produto bem planejado e análise técnica de diversos fatores do investimento.
O problema não é o imóvel compacto. O problema é prometer o que ele não pode entregar sem esforço, estudo e gestão.
O retorno vem, mas nunca cai pronto no colo de quem acreditou apenas no anúncio patrocinado.
Informação constrói! Até a próxima.