A cada 10 anos, os municípios são obrigados, pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), a revisar seus Planos Diretores Urbanos (PDU), um conjunto de diretrizes que orientam o crescimento e o desenvolvimento das cidades. O objetivo central do PDU é garantir cidades mais inclusivas, sustentáveis e funcionais, equilibrando interesses públicos e privados. No papel, são debatidos patrimônio histórico, sustentabilidade, mobilidade, habitabilidade e crescimento econômico. Na prática, porém, as decisões tomadas nem sempre se traduzem em soluções viáveis.
Quem aprova o Plano Diretor Urbano?
A elaboração e aprovação do PDU envolvem três principais atores:
- Prefeito: Responsável por propor o projeto de lei do PDU.
- Câmara Municipal (Vereadores): Analisa e aprova o plano, definindo regras que impactarão o desenvolvimento da cidade nos anos seguintes.
- Participação Popular: A revisão do PDU exige audiências públicas, um passo essencial para garantir transparência e a inclusão da população e de entidades representativas no processo.
O problema? Falta de dados concretos e distanciamento entre planejamento e realidade. Prefeitos e vereadores que aprovam o PDU, não estarão presentes na próxima revisão e, pior, não há qualquer responsabilização pelo rumo que a cidade tomará com as diretrizes aprovadas.
O modelo atual
O PDU define potencial construtivo, limites de altura, recuos obrigatórios e mapas de zoneamento. Na teoria, o objetivo é organizar o crescimento urbano. Na prática, essas regras restringem a ocupação dos espaços mais valorizados e contribuem para a desigualdade no acesso à moradia e à instalação de negócios.
Entre os impactos diretos:
- Oferta reduzida de terrenos e imóveis bem localizados
- Preços elevados, afastando a classe média e baixa dos centros urbanos
- Expansão desordenada das periferias, devido à escassez de moradia acessível
- Movimentos pendulares intensos, com pessoas enfrentando horas de trânsito para chegar ao trabalho
- Bairros centrais com alta vacância, enquanto a periferia cresce sem infraestrutura adequada
- Dificuldade para empreendedores e empresas que buscam pontos comerciais bem localizados, mas desistem devido às exigências excessivas, como número mínimo de vagas de garagem ou limites construtivos rígidos
- Baixa atratividade para investidores e novos negócios, prejudicando o desenvolvimento econômico local.
Gestão urbana: uma alternativa ao PDU
As cidades não são estáticas, mas o modelo atual de planejamento urbano trata o crescimento como um evento fixo a cada 10 anos. Em vez disso, deveríamos implementar gestão urbana contínua, com monitoramento constante de métricas reais para embasar decisões e impulsionar o desenvolvimento econômico.
Indicadores como:
- Taxa de crescimento populacional e renda per capita, atreladas à busca por imóveis
- Taxa de vacância de imóveis públicos e privados e os motivos da desocupação
- Tempo médio de deslocamento por diferentes meios de transporte
- Proporção entre espaços públicos e privados dentro das cidades
- Taxa de abertura e fechamento de negócios em diferentes bairros, analisando quais locais possuem estrutura adequada para desenvolvimento comercial e quais estão travados por exigências excessivas
- Índice de investimento privado em infraestrutura urbana, avaliando o impacto do PDU nas decisões de empresários e investidores.
Com esses dados em mãos, seria possível fazer ajustes no planejamento urbano de maneira ágil e precisa, evitando distorções que hoje travam o crescimento saudável das cidades e impedem a geração de empregos e novos negócios.
O impacto na Capital Vitória
Na capital Vitória, um dos maiores desafios urbanos está no Centro da cidade, que há anos sofre com alta vacância de imóveis, dificultando seu dinamismo econômico e social. Para reverter esse cenário, a prefeitura tem implementado incentivos como a redução do Imposto Sobre Serviços (ISS) de 5% para 2% em determinados setores e a isenção do IPTU por cinco anos para imóveis que realizarem retrofit. Além disso, o Plano Diretor Urbano de 2018 criou uma Zona Especial de Intervenção Urbanística, flexibilizando algumas regras para construções e reformas na região, com o objetivo de atrair novos investimentos e promover a ocupação dos espaços.
Apesar dessas iniciativas, muitos empresários e investidores ainda encontram barreiras para viabilizar projetos devido a exigências burocráticas e limitações construtivas que impedem maior aproveitamento dos espaços. O incentivo à revitalização do Centro de Vitória é um passo importante, mas ainda insuficiente diante dos desafios impostos pelo atual modelo de planejamento urbano. Para que essa estratégia funcione de maneira ampla, é necessário revisar o PDU e adotar políticas que favoreçam tanto o crescimento imobiliário quanto o desenvolvimento econômico da cidade.
Linha de crédito para revitalização de prédios antigos
Recentemente, a Caixa Econômica Federal lançou uma nova linha de crédito para revitalização de prédios antigos. O programa oferece financiamento para reformas de edifícios degradados, com o objetivo de modernizar as construções e incentivar a ocupação de imóveis urbanos. O crédito utiliza recursos do FGTS e do SBPE, com taxas de juros reduzidas e possibilidade de antecipação de até 50% do valor total para o incorporador. Além disso, a novidade permite o financiamento da aquisição do imóvel a ser reformado, ampliando as possibilidades de retrofit e requalificação de edifícios antigos.
O que podemos aprender com outras cidades?
Cidades como Nova York e Hong Kong entenderam que a melhor forma de tornar um lugar dinâmico e acessível é permitir que ele cresça e se adense naturalmente.
Para efeito de comparação, Manhattan, em Nova York, tem apenas 59,1 km², enquanto a Ilha de Vitória tem 93,38 km² – ou seja, um território significativamente maior. No entanto, Manhattan abriga 1,69 milhão de habitantes, com uma densidade de 28.700 pessoas por km², enquanto Vitória tem cerca de 369 mil habitantes e densidade de 3.827 pessoas por km².
A diferença? Manhattan permite ocupação intensa e verticalização, enquanto Vitória impõe restrições que limitam a oferta de moradia e espaços comerciais em áreas centrais. Resultado? Bairros congestionados e expansão desordenada da periferia. Enquanto em Nova York a cidade se desenvolve para dentro, aproveitando a infraestrutura já existente, no Brasil o crescimento ocorre de forma horizontal, muitas vezes sem suporte adequado de transporte, saneamento e equipamentos públicos.
Se quisermos cidades mais inclusivas, produtivas e eficientes, precisamos de um planejamento urbano que faça sentido na prática, e não apenas no papel. Isso significa cidades abertas para pessoas morarem, trabalharem, investirem e empreenderem, e não limitadas por regras que apenas são estipuladas de tempos em tempos.
O maior benefício para qualquer cidade está em incentivar a ocupação inteligente dos espaços. Com menos restrições de recuos, limites artificiais de altura e regras que encarecem a construção, poderíamos ter bairros mais dinâmicos, acessíveis e menos dependentes do uso excessivo de veículos. Isso também significaria um ambiente mais favorável para novos negócios, aumentando a geração de empregos, fortalecendo a economia local e qualidade de vida.
Até a próxima!