Economia

Analistas de mercado avaliam impacto de recuperação da Americanas

A empresa informou que o valor total da dívida é maior do que o esperado, chegando a cerca de R$ 43 bilhões. Além disso, são 16.300 credores

Isabella Arruda

Redação Folha Vitória
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A situação da Americanas, após anúncio de que foram detectadas inconsistências em lançamentos contábeis ao nível de bilhões, tomou um passo já imaginado nesta quinta-feira (19), ingressando com pedido de recuperação judicial no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em caráter de urgência.

Sobre o assunto, a reportagem do Folha Vitória ouviu quatro analistas do mercado financeiro, sendo dois capixabas, que comentaram sobre o impacto da medida. É importante frisar que a empresa informou que o valor total da dívida é maior do que o esperado, chegando a cerca de R$ 43 bilhões. Além disso, são 16.300 credores, os quais serão, em até 48h, apresentados em uma lista à Justiça carioca.

Inicialmente, para Elcio Cardozo Miguel, sócio da Matriz Capital, assessoria vinculada à XP Investimentos, embora o pedido de recuperação judicial realizado já fosse esperado desde a última semana, quando a companhia apresentou “inconsistências contábeis” em seus balanços, que atingiam o montante de R$ 20 bilhões, parte do mercado ainda esperava alguma intervenção.

Esta "intervenção" esperada seria da própria 3G Capital, fundada em 2004 pelo empresário Jorge Paulo Lemann e outros, grupo responsável pela gestão da Americanas, visando evitar este movimento de recuperação.

"O pedido de recuperação judicial feito hoje é de R$ 43 bilhões, tendo mais de 16 mil credores. A situação da empresa piorou bastante ao longo dos últimos dias, quando as agências de risco rebaixaram as notas de crédito da companhia. Além disso, a empresa não efetuou o pagamento de juros de algumas debêntures prometido para esta semana e, por fim, alguns bancos conseguiram bloquear recursos da empresa judicialmente", disse.
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Elcio Cardozo Miguel

Economia do país será afetada

Segundo Cardozo, toda esta situação impacta não apenas o mercado financeiro, mas a economia do país como um todo, já que existem dezenas de milhares de fornecedores que ficarão sem receber, funcionários que podem ser demitidos e investidores que terão prejuízos.

"Além disso, a credibilidade do 3G Capital ficará prejudicada. Apenas como exemplo, as ações da Ambev, também do grupo, chegaram a cair 8% desde quinta-feira passada, apesar de já ter recuperado boa parte da queda", acrescentou.

O que é a recuperação judicial

Para Vinicius Torres, estrategista-chefe da APX Invest, antes de mais nada é preciso ter em mente do que se trata exatamente o procedimento de recuperação judicial, que, em resumo, significa uma tentativa da empresa de não fechar as portas.

"A recuperação é um instrumento jurídico que foi criado para dar fôlego a uma empresa, para que ela tenha tempo hábil a se recuperar financeiramente. Para entrar no procedimento, ela primeiro formaliza o pedido na justiça. Então, dentro de alguns dias, apresenta um plano de reestruturação, que será passado aos credores", esclareceu.

No caso da Americanas, os credores são os bancos, que emprestam dinheiro, antecipam recebíveis e que fazem operações de crédito com a empresa.

"Todas as dívidas antes da recuperação estarão inclusas no plano. Obviamente, quando a empresa e os credores sentam para negociar, esse passo já representa os maiores esforços para que todos saiam da melhor maneira possível, mas é uma situação que pode demorar anos, como foi o caso recente da Oi. A situação da Americanas está entre as cinco maiores da história da economia brasileira, com um valor bem significativo", aprofundou Torres.

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Vinícius Torres

Apesar de tudo, segundo o analista, um ponto importante a ser considerado é que o plano deve ser aprovado por 50% dos credores. Caso contrário, a empresa pode vir a, de fato, fechar as portas. "Normalmente, a recuperação leva anos. A maior da história foi da Odebrecht, no valor de R$ 98 bilhões, que está em andamento desde 2019", afirmou.

Como se chegou a este ponto?

Para Torres, depois das notícias veiculadas na semana passada sobre a queda das ações da Americanas, os credores vieram a ter conhecimento do tamanho do rombo. Com isso em mãos, alguns credores começaram a dificultar operações de crédito que a empresa realizava normalmente para ter fôlego no caixa.

"Entre estas operações estão, por exemplo, a antecipação de recebíveis de cartão de crédito. Digamos que um comprador vai a uma loja e faz uma compra parcelada em 12x A empresa quer receber o valor todo hoje, então vai ao banco e o banco antecipa a integralidade, com algum desconto, claro. E isso dá fôlego para a empresa sobreviver no fluxo de caixa. Porém, desde o ocorrido, alguns credores começaram a dificultar ou não realizar operações como essa", detalhou o especialista.

Vinícius ainda explicou que se chegou a uma situação em que a empresa tem apenas R$ 800 milhões em caixa e isso não é suficiente para operar no dia a dia. Diante desse cenário, acabou sendo necessário partir diretamente para o pedido de recuperação.

"Um dos principais envolvidos nesse contexto é o próprio BTG Pactual, que ganhou uma liminar na Justiça para receber dívidas que a Americanas tinha com o banco de maneira antecipada. Isso complicou um pouco mais o cenário. A empresa ainda tinha esperança de que com uma capitalização dos sócios referência, da 3G, fosse o suficiente", continuou.

Os sócios da 3G, entre eles Jorge Paulo Lemann, pretendem manter a liquidez da empresa, injetando mais dinheiro nela. Mas o ponto, como explicou Torres, é que os credores entendem que, para isso ser realizado, eles precisam injetar no mínimo R$ 15 bilhões, muito mais do que é a intenção do grupo principal.

"Então essa questão da capitalização ainda está sendo discutida. A briga com os credores e até mesmo o bloqueio de R$ 1,5 bilhão do BTG fez com que a empresa fosse direto para recuperação", concluiu.

Recuperação judicial pode trazer sobrevida à empresa

Juridicamente falando, Elcio Cardozo, da Matriz Capital, também advogado, afirmou que, uma vez acolhido o pedido de recuperação judicial, a empresa poderá ganhar uma sobrevida. Isto porque o processo permitirá que a companhia suspenda e renegocie suas dívidas durante o trâmite processual e, com isso, poderá continuar desenvolvendo suas atividades.

"Voltando a falar sobre o mercado de ações, outras empresas do setor podem se beneficiar deste movimento. Primeiramente, muitos investidores que querem se expor a empresas de varejo deverão rotacionar o setor, saindo das Lojas Americanas e comprando ações de outras empresas. Por outro lado, esta situação gera insegurança para muitos investidores. Historicamente, o setor varejista já passou por outras falências e, sem dúvidas, isso gera temor para quem quer investir", disse.

Negociação em bolsas de valores

Para Ricardo Brasil, fundador da Gava Investimentos, com atuação em São Paulo, e pós-graduado em análise financeira, com a recuperação judicial, a Americanas deixa de fazer parte dos "índices da B3", considerado um importante indicador de desempenho das ações das empresas listadas em bolsa de valores.

Apesar disso, como o analista destaca, deixar de fazer parte do índice não significa que deixa de ser listada na bolsa. "Negociação continua normal, continua tendo volume. Quem quiser comprar ou vender consegue tranquilamente durante a recuperação judicial. A Oi, por exemplo, ficou um ou dois anos em recuperação e era negociada normalmente.

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Ricardo Brasil

Assim como para Cardozo, para Brasil, historicamente, quem entra em recuperação judicial dificilmente sai bem, sendo que muitas empresas acabam falindo.

"Temos fundos que precisam cumprir regras. Pode ter fundo, principalmente no exterior, em que o gestor só pode aplicar em empresas que tenham um determinado rating (nota que as agências de classificação de risco de crédito atribuem a um emissor). Então, a Americanas perdendo rating, esse fundo também teria que se desfazer dos papéis e também não comprar ações", disse.

Da mesma forma que há regra para rating, também há regras em fundos. "Exemplo: há fundos que, em regra, só aplicam em ações que fazem parte do índice Ibovespa. Então, começamos a ter diversas restrições de fundos, de gestão. Vários fundos que replicam índices vão precisar vender posições. E, dependendo das regras dos fundos, talvez seja vetado acoplar ações da Americanas", continuou.

Logo, segundo o especialista, o valor negociado por dia tende a cair bastante. Passando essa fase de crise, em que muitos especuladores compram e vendem, ele diz que a empresa passará por um volume bem menor por dia. "Quando a ação vale pouco, qualquer centavo faz diferença. Isso não é saudável para o mercado", finalizou.

Perda de liquidez

No mesmo sentido, Pedro Menin, que atua em Maringá, no Paraná, e é sócio-fundador da Quantzed, na bolsa especificamente, a ação da Americanas teria que deixar todos os índices dos quais fazia parte, inclusive o IBOV. "Isso deve trazer uma venda passiva importante, e uma perda de liquidez muito relevante", frisou.

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Pedro Menin

Depois de acolhida a recuperação, a companhia, segundo ele explicou, contará com 180 dias, que provavelmente deverão ser contados retroativamente desde a liminar, de blindagem. "Assim, as obrigações com credores ficam suspensas. Nesse tempo, a empresa tem que se reorganizar", continuou Menin.

Formas de a empresa se reorganizar

Segundo o sócio-fundador da Quantzed, existem algumas maneiras de a Americanas se reorganizar. Confira exemplos:

1. Realizando venda de ativos (como por exemplo algumas das 2000 lojas);
Renegociando dívidas;
2. Convertendo dívidas em ações (o que ele considera improvável);
3. Realizando aumento de capital. "Lembrando que nesse período também isso tem que ser colocado em papel. Em 60 dias a companhia tem que apresentar uma proposta de plano de reestruturação", ressaltou.

Menin explicou também que, em 150 dias, deverá ser convocada uma assembleia de credores para aprovar o plano de recuperação, que deverá ser aprovado em até 180 dias, podendo ser estendido por mais 180 dias. "Depois disso é colocar o plano em execução", disse.

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