Economia

Recuperação judicial: entenda prática que pode salvar empresas da falência

Comumente utilizada para evitar a falência, a recuperação judicial possui algumas regras para que seja colocada em prática

Foto: Marcelo Casal Jr | Agência Brasil

Nas últimas semanas, o cenário econômico nacional ficou agitado com a situação da Americanas. Após a descoberta de um rombo contábil de R$ 20 bilhões, a empresa teve o pedido de recuperação judicial aceito pela Justiça.

Outro caso recente, que trouxe o tema para discussão regional, aconteceu com a Viação Grande Vitória, que também teve o pedido de recuperação aceito pela Justiça. Entre as justificativas da companhia estão crise da pandemia de covid-19 e a Guerra na Ucrânia.

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Por mais que o termo tenha ganhado grande repercussão nos últimos dias, ainda existem dúvidas sobre o que, de fato, o processo é capaz de fazer, os benefícios para a empresa e o impacto que isso pode causar na economia.

A advogada trabalhista Roberta Valiati explica que a recuperação judicial pode ser solicitada quando a empresa, mesmo endividada, comprova que tem condições de continuar o negócio.

"Ela mostra que passou por alguns problemas pontuais. São problemas grandes, mas são problemas que não são inerentes às atividades dela e ela vai demonstrar que teve uma boa administração", pontuou a advogada.

O advogado Felipe Finamore Simoni, especialista em Direito Empresarial, defende o procedimento como algo benéfico para empresas com alto número de credores e que possuem déficit nas contas.

"Trata-se de uma opção vantajosa para empresas com um número elevado de credores, nas quais as negociações individuais se revelam inviáveis, surgindo daí a necessidade de apresentação de um plano que será deliberado pela universalidade de seus credores em assembleia."

Ainda segundo o advogado, são condicionados à recuperação judicial todos os credores existentes ao tempo do pedido, com obrigações vencidas ou não, com exceção das obrigações tributárias, previdenciárias, contratos de câmbio, arrendamento mercantil, garantidos por alienação fiduciária e compra e venda de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio.

Uma vez apresentado o plano de pagamento, os credores terão o prazo de trinta dias para questionarem o plano. Caso essa contestação não seja feita, o plano estará aprovado e o juiz deverá homologá-lo.

Caso haja contestação, será convocada uma assembleia, na qual os credores poderão deliberar pela aprovação, alteração ou rejeição do plano de pagamento apresentado pelo devedor, sendo que no caso de não aprovação será decretada a falência da empresa

Veja abaixo a análise na íntegra do especialista sobre recuperação judicial:

"A recuperação judicial é um instrumento que tem como objetivo contribuir para a manutenção das atividades econômicas e da função social de determinada empresa, permitindo que ela encontre soluções e trace planos viáveis para lidar com a situação de crise.

A sociedade, de forma geral, quando ouve falar que uma empresa entrou em recuperação judicial, não sabe como funciona esse instrumento. É construída uma imagem negativa, afetando a credibilidade da marca, como se a empresa estivesse falida. Mas isso precisa ser desmistificado. Existem diferenças entre recuperação judicial e falência.

A Recuperação Judicial consiste num procedimento por meio do qual se busca evitar o encerramento de uma empresa viável, mas que se encontra em grave crise financeira, mais especificamente provocada por um desencontro de seu fluxo de caixa com as obrigações a pagar. Em resumo, a empresa que deseja se socorrer do procedimento da Recuperação Judicial, de posse dos documentos exigidos pela Lei 11.101/05, formula um requerimento ao juiz competente, no qual postula o deferimento do processamento da medida, se comprometendo a apresentar, no prazo de sessenta (60) dias, um plano de pagamento para todos os credores sujeitos ao procedimento.

De regra, se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial todos os credores existentes ao tempo do pedido, estejam as obrigações vencidas ou não, excepcionando as obrigações tributárias, previdenciárias, contratos de câmbio, arrendamento mercantil, garantidos por alienação fiduciária e compra e venda de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio.

Uma vez apresentado o plano de pagamento, os credores terão o prazo de trinta (30) dias para se insurgirem contra o plano. Se não o fizerem o plano estará tacitamente aprovado e o juiz deverá homologá-lo. Havendo objeção será convocada uma Assembleia, na qual os credores poderão deliberar pela aprovação, alteração ou rejeição do plano de pagamento apresentado pelo devedor, sendo que no caso de não aprovação será decretada a falência da empresa.

Aprovado o plano pelos credores em Assembleia, o juiz concederá a recuperação, situação na qual as obrigações do devedor serão pagas na forma prevista na proposta, a qual pode contemplar, entre outras medidas, (i) concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; (ii) cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; (iii) alteração do controle societário; (iv) substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; (v) concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; (vi) aumento de capital social; (vii) trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados; (viii) redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; (ix) dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro; (x) constituição de sociedade de credores; (xi) venda parcial dos bens; (xii) equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica; (xiii) usufruto da empresa; (xiv) administração compartilhada; (xv) emissão de valores mobiliários; e (xvi) constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.

Trata-se de uma opção vantajosa para empresas com um número elevado de credores, nas quais as negociações individuais se revelam inviáveis, surgindo daí a necessidade de apresentação de um plano que será deliberado pela universalidade de seus credores em assembleia.

É muito importante compreender que cada empresa passa por uma situação específica e, por isso, cada caso será tratado de acordo com suas particularidades.

A falência de uma empresa pode se dar por meio do requerimento formulado por um credor ou por meio de pedido formulado pela própria devedora (autofalência). No caso de falência, a empresa reconhece sua inviabilidade econômica, ou seja, a incapacidade de gerar caixa suficiente para efetuar o pagamento de seus credores. Já no caso de recuperação judicial o problema da empresa é financeiro, ou seja, ela tem capacidade de gerar caixa, mas está com um desencontro entre seus recebimentos e pagamentos; daí a recuperação judicial é remédio processual adequado àquelas empresas que, embora viáveis, tenham sofrido algum desencontro do caixa.

Quando é deferido o processamento de uma recuperação judicial forma-se uma espécie de rede de proteção para a empresa, na qual seus ativos e recursos são protegidos. Todos os débitos existentes até a data do pedido somente serão pagos após a deliberação do plano de recuperação: se aprovado serão pagos na forma do plano de pagamento, se rejeitado o pagamento dar-se-á na falência.

Mas esse primeiro impacto geralmente é muito positivo para a empresa, pois permite sua reorganização. Retira da empresa e do empresário àquela pressão exercida pelos credores, os quais deverão aguardar a apresentação do plano de recuperação judicial e sua eventual deliberação em Assembleia Geral de Credores.

Um processo de recuperação judicial geralmente cria um ambiente no qual a empresa devedora consegue se reorganizar, ajustando seus recursos disponíveis e sua capacidade de geração de caixa ao pagamento dos débitos existentes e que se sujeitam aos efeitos da recuperação. Forma-se uma rede de cooperação na qual é possibilitada à empresa devedora a manutenção dos postos de trabalho e das fontes de produção de riquezas, ou seja, seus ativos são preservados.

Quando a empresa adota o procedimento da recuperação judicial de forma séria e efetivamente reformula seu modo de gestão, ela consegue se manter no mercado sem qualquer prejuízo à sua imagem, muitas das vezes mantendo até mesmo o crédito junto a fornecedores e instituições financeiras.

Por isso, no diz respeito a demissões, por exemplo, via de regra, os pedidos de recuperação judicial não implicam necessariamente na demissão de empregados da empresa, porque a ideia da lei é justamente preservar os postos de trabalho. Entretanto, existem casos em que a empresa sofre uma queda brusca na sua receita e, aí sim, faz-se necessário demitir. Dependerá de cada situação.", Felipe Finamore Simoni, especialista em Direito Empresarial 

Foto: Divulgação

Dívida com credores ultrapassa R$ 99,2 milhões

Em comunicado enviado ao mercado, a Viação Grande Vitória informa a respeito da recuperação judicial, sem mencionar valores. Porém, documento obtido pela reportagem do Folha Vitória mostra que a dívida com os credores ultrapassa R$ 99,2 milhões.

Com mais de 50 anos de história, a empresa tem 800 empregados e atualmente é responsável pelo transporte diário de quase 11% dos passageiros que circulam pela Região Metropolitana.

A operação do Transcol não será afetada com recuperação judicial da Viação Grande Vitória. De acordo com o Sindicado das Empresas de Transporte Metropolitano da Grande Vitória (GVBus), o deferimento da recuperação judicial não suspende as obrigações previstas em contratos de concessão de serviço público.

A Secretaria de Mobilidade e Infraestrutura (Semobi) também informou que a decisão empresarial não afeta as operações do Sistema Transcol, que está em regularidade com suas obrigações e mantém a prestação do serviço à população.

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