Compra de imóveis agora é mais segura? Veja as regras
É essencial continuar aprimorando a legislação para desburocratizar e reduzir os custos que hoje impedem que grande parte dos brasileiros registrem seus imóveis
*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte, diretor de Relacionamentos do IBEF Academy e membro do Comitê Especial de Tributação Empresarial do IBEF-ES.
As transações imobiliárias têm um impacto significativo na economia brasileira, impulsionadas pelo forte desejo dos brasileiros de adquirir a casa própria.
Porém, não é incomum que o sonho se torne pesadelo quando, por falta de diligência anterior à compra, um adquirente sofra surpresas desagradáveis, como uma limitação administrativa ou, pior, a ineficácia do negócio perante o credor do alienante.
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No Brasil, ao tentar adquirir um imóvel, seja ele um terreno, uma casa, um apartamento, entre outros, para fins de moradia, lazer ou desenvolvimento de empreendimentos imobiliários, é fundamental realizar uma investigação detalhada sobre os proprietários atuais e anteriores, bem como sobre o próprio imóvel em questão.
Essa pesquisa, conhecida como due diligence imobiliária, visa, principalmente, identificar os riscos envolvidos na transação e proporcionar segurança jurídica aos compradores potenciais, prevenindo fraudes e surpresas desagradáveis no futuro.
Entretanto, essa busca por possíveis impedimentos que possam inviabilizar a compra pode ser uma tarefa demorada e, por vezes, complicada pelo dinamismo do mercado imobiliário ou pela diversidade de domicílios dos vendedores, o que pode resultar em um certo grau de insegurança.
Para mitigar esses problemas, surgiu o princípio da concentração dos atos na matrícula, uma construção doutrinária e jurisprudencial que foi incorporada à legislação brasileira pela Lei 13.097/2015.
Nesse contexto, o princípio da concentração dos atos na matrícula determina que todos os fatos ou atos jurídicos relacionados à situação jurídica do imóvel devem ser incluídos no registro público.
Caso contrário, tais atos ou fatos serão considerados inexistentes perante terceiros devido à falta de publicidade registral.
Na teoria, isso oferece uma segurança jurídica significativa aos compradores, permitindo a verificação de ônus ou gravames diretamente na matrícula.
No entanto, interpretações equivocadas de dispositivos legais mantiveram a necessidade de auditorias minuciosas pelos compradores mesmo após a dispensa das certidões forenses pela Lei Federal nº 14.382/2022.
Reconhecendo que o princípio da concentração dos atos não "pegou", o legislador revisitou o tema com a aprovação da Lei Federal nº 14.825/2024, que adiciona o inciso V ao artigo 54.
Agora, a ausência de averbação de constrições judiciais na matrícula torna o negócio jurídico imobiliário eficaz, conferindo maior segurança aos envolvidos e protegendo os adquirentes de boa-fé.
A alteração tem como objetivo proteger o terceiro de boa-fé, ou seja, aquela pessoa que compra um imóvel sem conhecimento de fatos que possam comprometer a venda, estabelecendo limites claros à atuação do Estado em negócios jurídicos realizados de boa-fé.
Com isso, a recente revisão legislativa, combinada com o Marco Legal das Garantias (Lei Federal nº 14.711/2023) e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reflete um esforço do legislador em simplificar e agilizar o processo de aquisição de imóveis no Brasil.
Essa alteração está alinhada com a jurisprudência do STJ, em especial a Súmula 375, que estabelece que o reconhecimento de fraude à execução depende do registro da penhora ou da prova de má-fé do adquirente.
Em adição a isso, o julgado do Tema Repetitivo 243 reforça essa tese, colocando o ônus da prova de má-fé sobre o credor quando não há registro da penhora.
Embora a lei tenha representado um avanço significativo, ela não penalizou o Estado ao não estender a dispensa de obtenção de certidões para incluir as fiscais. Assim, continua sendo responsabilidade do comprador obter essas certidões junto aos órgãos públicos.
A legislação poderia ter exigido que o Fisco registrasse eventuais restrições diretamente na matrícula do imóvel.
Além disso, a lei poderia ter determinado que o poder público registrasse quaisquer restrições decorrentes de tombamento, desapropriações ou dívidas com a União (SPU) na matrícula, proporcionando maior segurança jurídica aos compradores.
Por fim, a lei também não resolve um problema crônico do brasileiro e, inclusive, anterior a toda essa discussão, qual seja: a ausência de registros.
No Brasil, muitos imóveis não são registrados em cartório, o que pode gerar diversas complicações legais e financeiras.
Segundo estimativas, uma parcela significativa das propriedades, tanto rurais quanto urbanas, ainda não possui registro formal, dificultando a comprovação de posse e a segurança jurídica.
Essa situação impede os proprietários de acessar créditos e financiamentos, já que os bancos exigem garantias que apenas imóveis devidamente registrados podem fornecer.
Uma das principais razões para essa falta de registro é o custo envolvido no processo. Muitos brasileiros optam por não registrar seus imóveis para evitar despesas com impostos e taxas cartoriais.
Além disso, há uma falta de conscientização sobre a importância do registro, especialmente em áreas rurais e menos desenvolvidas, onde o acesso aos cartórios pode ser mais difícil.
Essa informalidade no registro de imóveis também é reflexo de práticas culturais e econômicas nas quais os proprietários registram os imóveis com valores abaixo dos reais para reduzir os custos com impostos.
Essa prática, embora comum, compromete a segurança das transações e a valorização do patrimônio imobiliário a longo prazo.
A revisão legislativa mostra uma inclinação do legislador em promover um ambiente mais transparente e seguro no mercado imobiliário.
Com essas mudanças, espera-se que o princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel finalmente ganhe a adesão necessária, contribuindo para um mercado mais justo e eficiente.
No entanto, é essencial continuar aprimorando a legislação para não só fortalecer a confiança no mercado imobiliário, como também, desburocratizar e reduzir os custos que hoje impedem que grande parte dos brasileiros registrem seus imóveis.
*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.