DIA DA MULHER

Marília Silva, a "guardiã" dos números da indústria no ES

A economista-chefe de uma das federações mais importantes do país fala sobre o desafio de ser uma mulher negra com espaço de destaque no mercado industrial

Tiago Alencar

Redação Folha Vitória
Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Era por volta das 11h30 da última terça-feira (05), quando a reportagem do Folha Vitória chegou ao prédio em que funciona a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), em Vitória, para entrevistar a sua economista-chefe, Marília Silva, "guardiã" dos números e responsável por monitorar e apresentar os principais resultados alcançados pela instituição a cada período.

Poucos minutos depois, enquanto aguardávamos em uma das amplas e modernas salas do edifício, Marília surge no local para darmos início à entrevista. Os passos firmes e rápidos revelam uma mulher em constante movimento, enquanto o sorriso largo e a sobriedade da vestimenta apontam para o equilíbrio entre simpatia e simplicidade.

Durante os cerca de 30 minutos de entrevista, a sul-mato-grossense, radicada no Espírito Santo há sete anos, discorreu sobre o seu papel na Findes, sua trajetória pessoal; seu desejo de empoderar e incentivar cada vez mais mulheres negras como ela; lembrou de sua época de atleta de natação e, no final, respondeu, com graça e bom humor, a uma das perguntas mais desafiadoras da sua vida, cuja reposta o leitor só saberá ao final desta entrevista em comemoração ao Dia Internacional da Mulher

Confira a entrevista completa

FOLHA VITÓRIA – Marília, poderia falar um pouco sobre sua trajetória até chegar a um dos principais cargos na Findes?

Marília Silva – Gosto sempre de falar que a minha trajetória passa pela oportunidade. Acredito que cheguei a essa posição que ocupo atualmente porque tive muitas oportunidades na vida, entre elas a de estudar. 

Venho de uma família em que, embora a gente não tivesse uma condição social muito privilegiada, meus pais sempre me passaram que a minha única responsabilidade naquela época era estudar. 

Então, peguei isso e aproveitei da melhor forma possível. Junto com a oportunidade de estudar, também tive a oportunidade de ser atleta. Fui atleta, de sonhar em ir para as Olimpíadas e tudo.

Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Que esporte você praticou nesta época?

Fui atleta de natação dos 10 aos 16 anos. Acredito que isso também tem um impacto muito grande na forma como atuo hoje, principalmente na minha atuação como colaboradora e líder de uma equipe. 

E qual o caminho trilhado após deixar de ser atleta?

Como disse, aos 16 anos paro de nadar e dou início a outra trajetória. Com 17 anos estudei para o vestibular e acabei optando por fazer Economia, entrando para Universidade Federal do Mato Grosso do Sul em seguida. 

Depois fui fazer mestrado no Rio Grande do Sul; ainda na ânsia de estudar e me aprimorar, fiz doutorado na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. E é neste momento que minha carreira profissional como economista começa a acontecer. 

Isso reforça o valor da educação em sua conquista?

Gosto sempre de deixar muito claro que foi o estudo que me permitiu chegar aqui onde cheguei. Afinal, saí do Mato Grosso do Sul com a vontade de entrar em um mercado mais centralizado e, ter feito mestrado e doutorado, acabou me propiciando essa oportunidade. 

Toda essa formação foi muito importante porque, além de mulher, sou uma mulher negra, e precisava, de alguma forma, de um sinalizador de competência. E entendo que os diplomas acabam passando por essa frente.

Você falou sobre o desafio de conquistar o seu espaço sendo uma mulher negra, em uma sociedade permeada pelo machismo e o preconceito racial. Quais principais dificuldades enfrentadas nesse sentido?

Não tem como ser mulher e não notar nenhuma diferença entre não ser mulher e ser homem. E ser uma mulher negra traz uma camada extra, que acaba existindo ali. Com certeza há desafios, porque é ser lida em ambientes mais brancos e mais masculinos. Mas, acho que isso é inerente às poucas mulheres negras que têm a oportunidade de estar em lugar de destaque. Mas, com certeza, há diferenças, sim.

Em algum momento você se sentiu mais cobrada ou se cobrou para entregar mais resultados, pelo fato de ser uma mulher em lugar de destaque?

Isso faz parte da vida feminina, sim. Não tenho dúvida que, como mulher, principalmente mulher negra, é como se a gente não tivesse a chance de errar, como se tivéssemos a necessidade de surpreender sempre (...) precisa estar se provando com alguma frequência.

Na sua opinião, o que falta para que cada vez mais mulheres repitam histórias como a sua?

Falta oportunidade. É como disse, cheguei aqui porque alguém, ao me entrevistar  acreditou que eu era uma pessoa indicada e possível. Então, falta oportunidades para que elas também possam estar nesses lugares. 

É claro que elas (as mulheres), assim como qualquer outra pessoa, podem não dar certo naquela oportunidade, o que faz parte, mas elas precisam chegar a esses lugares em um volume maior do que chegam hoje em dia.

Como é para você ser economista-chefe de uma instituição presidida, pela primeira vez na história do Espírito Santo, por uma mulher (Cris Samorini foi eleita presidente da Findes em 2021)?

Antes de qualquer coisa, é um prazer estar nesta gestão em que a gente tem a primeira mulher a presidir a Findes. Acredito que isso acaba dando força e torna menos questionável ter uma economista-chefe na instituição. 

É como se, ter a Cris, ali, me deixasse mais confortável; é como se a gente dividisse, de alguma forma, esse espaço, as dificuldades, caminhando muito para essa questão de ser, de fato, essa segurança para outra mulher.

Tendo em vista sua história, você planeja, futuramente, algum projeto visando ao incentivo e empoderamento de mulheres?

Não tenho algo concreto agora, mas obviamente tenho muita afinidade com a questão das mulheres negras. 

Acho que a gente ainda tem um caminho muito longo a seguir, mas, sem sombra de dúvidas, as mulheres negras estão um pouco atrás. 

Se a gente olhar em termos salariais e de oportunidade, não tem ninguém que estará abaixo de uma mulher negra, na média. Se eu puder, um dia, farei algo com esse foco.

Foto: Thiago Soares/ Folha Vitória

Que mensagem você deixa para mulheres neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher?

O que diria para mulheres é que a gente não tem controle sobre as oportunidades que nos são dadas. Então, nem todo mundo vai ter as mesmas oportunidades. O que podemos é fazer o nosso melhor para que essas oportunidades surjam. E esse melhor deve ser feito dentro do possível de cada um.

Para descontrair um pouco, você, que está aqui no Estado há um bom tempo, entre moqueca capixaba e churrasco (prato tradicional no Mato Grosso do Sul), qual sua escolha?

(Gargalhadas) Essa pergunta é difícil. Se estiver perto da praia, moqueca (gargalhadas).