Em tempos de pandemia e incertezas na retomada da economia, a Federação das Indústrias do Estado (Findes) publicou o documento “Um grito pelas reformas: manifesto em defesa do Brasil”. No texto, a Findes chama atenção para a urgência na aprovação de medidas que podem impulsionar a economia e salvar empresas da esperada quebradeira com a junção de fatores como queda do consumo em função do novo coronavírus, entraves burocráticos e legislações atrasadas.
“Afligidos pela pandemia e pelo fantasma do desemprego, não podemos ficar presos à estagnação econômica promovida por impasse político ou disputas partidárias. É hora de unir o País em torno do que realmente importa: gerar esperança e oportunidades para uma sociedade já exaurida. De 2015 até o momento, o PIB do Brasil decresceu perto de 4%, enquanto o mundo cresceu 15% e os emergentes, 25%. Um País estagnado não oferece futuro à sua população!”, diz parte do manifesto da Findes.
E os números não mentem e dão uma dimensão real do tamanho do desafio pela frente. No Estado, de janeiro a julho, 18.822 pessoas perderam emprego na economia segundo a Findes. E não foi o pior período. Segundo estimativas do setor, maio deve ser ainda mais crítico.
A presidente eleita da Findes, Cristhine Samorini, acredita que só mudanças estruturais podem fazer a economia engrenar. Ela também aponta para um cenário difícil no horizonte pós-pandemia, mas acredita que, com inovação e trabalho duro, será possível a indústria capixaba sair mais forte e mais competitiva da crise sem precedentes.
No manifesto publicado pela Findes a entidade faz um apelo para mudanças estruturais. Tem alguma mudança mais urgente nesse momento?
Juntar tudo num pacote só é complicado. O novo marco do saneamento, que já está sendo votado no Senado, já é importantíssimo, as privatizações serão importantes no setor e na sequência, ouvi o Paulo Guedes (ministro da Economia) falando que vai passar a reforma tributária. Se tiver esse avanço será excelente. A aprovação do marco do saneamento é uma grande possibilidade que se abre, principalmente pelo modelo. A expectativa é de que o impacto econômico seja de R$ 750 bilhões no Brasil até 2033. Aqui no Estado ainda precisamos medir, mas um número aponta para oportunidades: 50% do Espírito Santo não tem saneamento. É uma grande possibilidade do ponto de vista de negócio.
A pandemia pode ser uma oportunidade para sensibilizar parlamentares e acelerar essas mudanças?
Não tenho dúvida que todos entendem a necessidade de reformas estruturais e há uma atenção especial ao momento. A economia como um todo sinaliza que a gente chegou ao limite. Só quem consegue avançar a partir de agora são o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Como pontuamos no manifesto, é um grito nosso porquê estamos sufocados. O momento agora está mais propício para mudanças porque a agenda é explícita depois de anos em retração. Se não houver mudanças, a desaceleração da economia será sem precedentes.
“Não tenho dúvida que todos entendem a necessidade de reformas estruturais e há uma atenção especial ao momento. A economia como um todo sinaliza que a gente chegou ao limite”
Como você vê a condição da indústria local no pós-pandemia, daqui a seis meses, por exemplo? É possível recuperar o tempo perdido?
A gente prevê que daqui a seis meses comece um retorno gradual da atividade. Temos que olhar que 28% das indústrias adiaram os investimentos, 17% adiaram os investimentos no segundo semestres e 21% simplesmente cancelaram os investimentos por causa da pandemia. Isso é ,ruim porque compromete o futuro do setor. Vejo uma mudança importante de consumo. As indústrias mais impactadas são as de vestuário que tiveram que fazer um ajuste para ter menos perdas. Esse segmento também precisa entender o que mudou. Tem que se ajustar à redução do volume de consumo. Não acho seis meses tempo suficiente para uma retomada total.
O manifesto aponta as décadas de 1980 e 2010 como perdidas. Por que uma avaliação tão incisiva em décadas marcadas pela redemocratização do País e outra por tantos avanços tecnológicos, com emprego massivo da internet nos negócios?
Na década de 1980 tivemos uma hiperinflação. De 2015 até atualmente decrescemos 4% e emergentes cresceram 25%. Ficamos muito para trás e apesar de ter muita capacidade produtiva, não conseguimos acompanhar o ritmo. Estamos atrasados. As agendas não estão acontecendo no tempo que precisam acontecer. A dificuldade do momento pede muito esforço de quem tem que colocar responsabilidade nas ações. Tem que entender que o mundo está girando em uma velocidade e a gente está em outra, mais devagar. A gente vive no século XIX. Há estudos que mostram que o Brasil vai ter uma retomada mais lenta que 90% dos demais países. Só a Venezuela na América do Sul será mais lenta que nós. Nossas agendas para mudar isso são conhecidas, mas a demora para colocar em prática deixa a gente aflito, ainda mais com o cenário político em guerra. Por isso queremos mandar esse manifesto para a Confederação Nacional da Indústria e para outras federações.
“As agendas não estão acontecendo no tempo que precisam acontecer. A dificuldade do momento pede muito esforço de quem tem que colocar responsabilidade nas ações”
Como o ambiente político polarizado atrapalha os negócios?
Essa polarização que a gente vê é um fenômeno mundial. Mas, enquanto entidade que representa a indústria, um setor, temos que de ser apartidários. Nos interessa um bom diálogo, queremos analisar a pauta, qual é a pauta econômica que está posta, o que precisa ser feito. Esse é o assunto que nos interessa. Saber se a estratégia política é melhor ou não isso é assunto da classe política. Nosso partido é pelo desenvolvimento. A gente torce para que dê tudo certo. Acreditamos na agenda liberal de reformas e é isso que trará resultados a longo prazo.
O manifesto apresenta 14 pontos considerados urgentes para a retomada do crescimento. Alguns já estão em andamento. Tem algum que pode ser considerado prioridade?
Para nós aqui no Estado são a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, porque muitas empresas esperam demais para começar a operar à espera de aprovação de licença. E também nova Lei do Gás, que terá um impacto muito grande no setor produtivo aqui do Estado, que depende muito da exploração de petróleo e gás. Mas temos sinalizações positivas do governo, que age para resolver essas questões.
Em uma análise fria e realista, como a indústria do Estado vai sair da pandemia do novo coronavírus?
Nós enquanto sistema trabalhamos para que saia em melhores condições de competitividade. Em nosso plano de trabalho, priorizamos a transformação digital, mas acredito que cada tipo de indústria terá uma transformação. Com digitalização e aumento de produtividade, as indústrias conseguirão se recuperar de forma mais rápida. É preciso ter o olhar de que o modelo atual não vai voltar ao que era. A indústria precisa agir como uma startup, com capacidade de entender, num curtíssimo espaço de tempo, a forma de consumo, o modelo de distribuição e mudar rapidamente. É preciso ter um olhar atual para a mudança no comportamento de consumo. A transformação digital vem pra ampliar possibilidades, aumentar a competitividade, diminuir custos. A indústria não pode só se recuperar e se manter em crescimento. Se não se ajustar aos tempos de hoje, mais para frente você desaba novamente.
“É preciso ter o olhar de que o modelo atual não vai voltar ao que era. A indústria precisa agir como uma startup, com capacidade de entender, num curtíssimo espaço de tempo, a forma de consumo, o modelo de distribuição e mudar rapidamente. É preciso ter um olhar atual para a mudança no comportamento de consumo”
Veja abaixo o manifesto da Findes na íntegra:
UM GRITO PELAS REFORMAS: MANIFESTO EM DEFESA DO BRASIL
Os 210 milhões de brasileiros têm o direito à oportunidade de uma vida melhor, com educação, saúde, saneamento e segurança. Afligidos pela pandemia e pelo fantasma do desemprego, não podemos ficar presos à estagnação econômica promovida por impasse político ou disputas partidárias. É hora de unir o país em torno do que realmente importa: gerar esperança e oportunidades para uma sociedade já exaurida.
De 2015 até o momento, o PIB do Brasil decresceu perto de 4%, enquanto o mundo cresceu 15% e os emergentes, 25%. Um país estagnado não oferece futuro à sua população! A pandemia deve ser controlada com protocolos sanitários, mudança de comportamento da sociedade e o incansável trabalho dos profissionais de saúde. Cientistas do mundo inteiro correm para desenvolver vacinas. A pandemia vai passar.
Mas, quando ela passar, o que restará para a sobrevivência de milhões de trabalhadores desta e de futuras gerações? O Brasil não tem mais tempo a perder. Caminhamos para duas décadas perdidas em um ciclo de 40 anos: a década de 1980 e esta, de 2010 até hoje. O que está em jogo é a nossa agenda de longo prazo: podemos comprometer o nosso futuro de forma irremediável, se não adotarmos medidas com urgência.
Precisamos lançar um grito pelas reformas estruturais, pela aprovação de marcos regulatórios que facilitem investimentos, pelas concessões e privatizações que façam frente à total falta de capacidade de investimento do país e dos Estados, gerando assim emprego e renda para todos.
Lideranças do Executivo e do Legislativo devem agir com a responsabilidade que o momento exige, em todas as esferas, Municipais, Estaduais e Federal. Há pelo menos 20 anos o país debate reformas como a administrativa e a tributária. Tempo mais que suficiente para o amadurecimento de consensos. Nesta semana o Senado deve concluir a votação do novo marco do saneamento. É um passo. Mas, precisamos de muito mais.
Listamos abaixo destaques da agenda que entendemos serem URGENTES para a retomada do crescimento:
1) Nova lei do gás (PL 6407/2013)
2) Autonomia do Banco Central (PLP 200/1989)
3) Governo Digital (PL 3443/2019)
4) Novo Marco Legal de Ferrovias (PLS 261/2018)
5) Marco Legal do Saneamento Básico (PL 3261/2019)
6) PEC Emergencial (PEC 186/2019)
7) Reforma Tributária (PEC 110/2019 SF e PEC 45/2019 CD)
8) Reforma Administrativa (em discussão, a ser enviada ao Congresso)
9) Reforma do Setor Elétrico (PLS 232/2016)
10) Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/2004 e PLS 168/2018)
11) Contrato de Trabalho Verde e Amarelo (MPV 905 do Poder Executivo)
12) Pacto Federativo (PEC 188/2019)
13) Desestatização da Eletrobras (PL 5877/2019)
14) Execução do Programa Nacional de Desestatização, atualmente com 17 empresas.
A decisão está nas mãos do Executivo e do Legislativo. Precisamos que as lideranças façam acontecer!
TODA A SOCIEDADE PRECISA COBRAR O AVANÇO DESTA PAUTA. ESTA DEVE SER A AGENDA URGENTE DO BRASIL PARA O BRASIL.
Vitória, Junho de 2020.
FEDERAÇÃO DAS INDUSTRIAS DO ESPÍRITO SANTO – FINDES