ARTIGO IBEF

Modulação de efeitos de decisões judiciais tributárias e incertezas

No contexto brasileiro, as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que modulam efeitos em questões tributárias suscitam preocupações

IBEF-ES

Foto: Freepik
*Artigo escrito por Ramon Henrique Santos Fávero, advogado e consultor jurídico na Fávero Advocacia, professor de Direito, membro do IBEF Academy e do Comitê Qualificado de Conteúdo de Economia do IBEF-ES.

O liberalismo econômico defende a mínima intervenção do Estado na esfera privada do contribuinte. As decisões judiciais devem se pautar na proteção da liberdade econômica e da segurança jurídica, proporcionando estabilidade para o desenvolvimento empresarial.

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No contexto brasileiro, as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que modulam efeitos em questões tributárias suscitam preocupações. 

Como exemplo, a exclusão do ICMS da base de cálculo da PIS/COFINS, a chamada tese tributária do século, reconheceu a impropriedade da inclusão do ICMS no cálculo dessas contribuições. 

No entanto, embora a decisão do STF tenha favorecido os contribuintes, a modulação dos efeitos da decisão restringiu a aplicação retroativa da decisão, prejudicando contribuintes que pagaram indevidamente e causando situações desiguais para contribuintes em situações similares.

Na prática, isso significa que:

1) Para contribuintes que vinham discutindo a questão na via judicial ou administrativa até 15/03/2017: a decisão permitiu deixar de recolher ou reaver o PIS/COFINS recolhido a maior desde datas anteriores ao julgamento, potencialmente dos últimos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação;
2) Para os demais contribuintes que não estavam discutindo a questão judicialmente: a decisão permitiu deixar de recolher o PIS/COFINS recolhido a maior, mas só puderam requerer a restituição dos valores pagos a maior a partir de 15/03/2017, não podendo pleitear os valores anteriores a essa data.

Essa prática entra em conflito com os princípios constitucionais da igualdade e da segurança jurídica, previstos no artigo 5º da Constituição Federal, por permitir que contribuintes em situações semelhantes sejam tratados de forma desigual e por trazer incerteza e imprevisibilidade às relações econômicas.

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Além disso, a modulação de efeitos judiciais está prevista apenas em lei ordinária (art. 27 da Lei n. 9.868/99), diferentemente de Portugal, onde há previsão constitucional específica sobre o tema (art. 282 da Constituição Portuguesa), o que levanta a questão da legitimidade da modulação de efeitos baseada em lei e não em texto constitucional.

A modulação de efeitos tem sido aplicada pelo STF em julgamentos tributários há mais de 20 anos, sendo que desde 2021 já foram modulados 66 processos tributários. 

Por meio da modulação, quando o STF declara um tributo inconstitucional, ele altera a eficácia temporal dessa decisão. Na prática, isso significa que, na maioria das vezes, os contribuintes não têm direito à devolução de valores pagos indevidamente no passado.

Aliada a isso está a fundamentação utilizada para modular as decisões: privilegiar os cofres públicos em detrimento da igualdade de tratamento entre os contribuintes e à segurança jurídica.

A modulação pode, assim, perpetuar a incerteza no ambiente de negócios, dificultando o planejamento estratégico das empresas. 

Os empresários precisam de um ambiente de estabilidade para planejar investimentos e desenvolver estratégias de longo prazo. 

No entanto, a modulação pode gerar incerteza quanto à interpretação futura das normas tributárias, prejudicando a confiança nas decisões judiciais e no próprio Estado.

Em vez de aplicar a decisão de forma uniforme, o STF optou por um caminho que beneficia a arrecadação fiscal do Estado à custa da justiça tributária para os contribuintes. 

E mais: à custa de primados caros ao Estado Democrático de Direito, como a segurança jurídica e a igualdade fiscal.

Essa prática reforça a intervenção estatal excessiva no mercado, contrariando os preceitos do liberalismo econômico.

*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo