Reforma tributária: projeto de lei e a ameaça ao direito de crédito
Entenda como o novo projeto de lei complementar pode impactar o direito de crédito dos contribuintes e a economia nacional
*Artigo: Leonardo Nunes Marques, mestre em Direito Tributário, sócio do Brum Kuster Marques & Fragoso Advogados e integrante do Comitê Especial de Tributação Empresarial do IBEF-ES
No dia 24 de abril de 2024, o governo federal entregou ao presidente da Câmara dos Deputados o primeiro projeto de lei complementar que objetiva regulamentar a reforma tributária deflagrada pela Emenda Constitucional nº 132, o PLP nº 68/2024.
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Por se tratar do vetor das mudanças relativas à tributação pelos novos IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços), CBS (Contribuição Sobre Bens e Serviços) e Imposto Seletivo, o ato normativo precisa ser examinado com total atenção, especialmente no tocante aos seus efeitos para a economia nacional.
Nessa perspectiva, merece destaque o conteúdo do seu artigo 28.
Segundo ele, o contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS poderá apropriar créditos desses tributos “quando ocorrer o pagamento” dos valores do IBS e da CBS incidentes sobre as operações nas quais seja adquirente de bem ou de serviço.
Em linhas gerais, pretende-se estabelecer como regra que o adquirente de bens ou de serviços apenas poderá se apropriar de crédito relativo ao IBS e à CBS se o fornecedor realizar o “pagamento” do tributo. Ou seja, se a quitação não ocorrer, o creditamento fica impossibilitado.
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Nesse sentido, o governo federal deseja atribuir ao adquirente de bens e de serviços o ônus de supervisionar a regularidade fiscal do fornecedor.
O objetivo dos autores do projeto, na verdade, é o de transferir o prejuízo decorrente da falta de pagamento do tributo para o contribuinte.
O dano que seria suportado pelo Fisco passa a ser do adquirente que, em razão do impedimento ao aproveitamento de crédito, fica obrigado a pagar mais tributo.
Sem contar com o fato de que tal medida onera o contribuinte com um custo que, em nada, compatibiliza-se com o exercício de sua atividade econômica.
Além disso, essa imputação de responsabilidade não está conjugada com a concessão de nenhum instrumento capaz de coagir o fornecedor a realizar o pagamento do tributo, o que coloca o adquirente num cenário de impotência.
E a previsão da possibilidade de pagamento da CBS e do IBS pelo próprio adquirente, a despeito de lhe garantir o direito ao respectivo crédito, não elimina o custo de operacionalização do procedimento.
Sem dúvida, trata-se de regra desproporcional, principalmente porque não se traduz na menos onerosa dentre as adequadas. O Fisco deve ser encarregado de fiscalizar e impor o cumprimento da obrigação tributária.
Ele está estruturado para o exercício dessa atividade e conta com diversos instrumentos de coerção voltados para o pagamento da dívida, tais como protesto de CDA, negativa de fornecimento de certidão de regularidade fiscal e cobrança judicial do débito.
Sob o prisma da validade da norma, é importante destacar que o art. 156-A, § 1º, inciso VIII, e o art. 195, § 16, da Constituição Federal estabelecem uma regra diferente para o creditamento: a compensação do imposto devido pelo contribuinte com o “montante cobrado” sobre todas as operações em que ele seja o adquirente.
Neste caso, o tributo não precisa ser pago pelo fornecedor para que o adquirente usufrua do direito ao crédito.
Basta que tenha nascido a obrigação tributária e a exação seja passível de cobrança por parte do Fisco.
Desse modo, ainda que a Emenda Constitucional nº 132 tenha concebido a possibilidade de condicionar o creditamento ao pagamento do tributo, esse não foi o padrão idealizado, motivo pelo qual a subversão do regime pelo projeto de lei complementar apresentado incorre, no ponto, em flagrante inconstitucionalidade.
Considerando que o artigo analisado onera as empresas em geral e prejudica o anseio de tornar neutra a tributação pelo IBS e pela CBS, torna-se inquestionável a necessidade de mobilização dos setores sociais e econômicos para alterar a sua redação.
*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo