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Retrocesso disfarçado de progresso: os perigos da PEC dos Quinquênios

Em um país que enfrenta inúmeros desafios sociais, os altos salários pagos ao funcionalismo público contrastam fortemente com a realidade da maioria dos brasileiros

IBEF-ES

Foto: Thiago Soares/Folha Vitória
*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte, membro da Comissão de Direito Tributário pela OAB/ES e diretor de Relacionamentos do IBEF Academy.

O Senado está prestes a aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que institui o pagamento de um adicional por tempo de serviço (ATS) de 5% do salário dos membros do Poder Judiciário a cada cinco anos. 

A PEC dos Quinquênios, como foi apelidada, é uma proposta que busca modificar a Constituição brasileira para reintroduzir os quinquênios no serviço público. 

Esse "bônus" será adicionado à remuneração de procuradores e promotores de Justiça, representando mais um benefício na extensa lista de privilégios concedidos a um grupo específico da população brasileira.

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Como não poderia ser diferente, a PEC tem sido objeto de intensos debates e controvérsias. 

Isso porque a proposta esconde suas reais intenções, como tornar perene a permissão na Constituição para que as carreiras no Judiciário, no Ministério Público e na Defensoria usufruam de remuneração acima do teto constitucional, fixado em R$ 44.008,52 desde 1º de fevereiro de 2024.

Enquanto existiam, os quinquênios eram adicionais por tempo de serviço, concedidos a cada cinco anos de trabalho, como uma forma de incentivo à permanência dos servidores públicos. 

Esses adicionais foram abolidos em 1998, mas a PEC propõe sua reintrodução, trazendo de volta essa prática de progressão na carreira do funcionalismo público.

Pela proposta, o adicional fica fora do teto remuneratório e será concedido a quem já está na carreira e aos aposentados. 

Tal ganho, que pode ser acumulado até o limite de 35% (sete quinquênios), não será contado para efeitos do teto constitucional.

Seus defensores e, claro, principais beneficiados argumentam que há uma pequena diferença entre a remuneração inicial e final dos juízes federais. 

Em abril de 2023, conforme dados do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, essa diferença era de apenas 5%: o salário inicial da carreira era de R$ 33.924,93, enquanto o salário final era de R$ 35.710,46, desconsiderando os chamados penduricalhos, que são benefícios excluídos do teto salarial.

Do ponto de vista social, a PEC dos Quinquênios exacerba as desigualdades de renda. 

Em um país que enfrenta inúmeros desafios sociais, os altos salários pagos ao funcionalismo público contrastam fortemente com a realidade da maioria dos brasileiros. 

Segundo a Síntese de Indicadores Sociais 2023, uma pesquisa do IBGE que analisa as condições de vida da população brasileira, em 2022, a maioria da população (60,1%) vivia com até um salário mínimo per capita por mês, enquanto 31,8% tinham uma renda entre um e três salários mínimos per capita mensalmente, e apenas 8,1% recebiam mais de três salários mínimos per capita por mês.

Esses dados destacam as disparidades socioeconômicas no país, onde uma parcela significativa da população ainda vive com renda limitada. 

Ainda assim, o alto escalão do funcionalismo público está descontente com seus rendimentos astronômicos.

Vale pontuar, ainda, que, ao analisar a qualidade do serviço público prestado, é consenso entre os brasileiros que o funcionário público, em regra, não desempenha um exímio trabalho, mesmo sendo submissos ao inafastável princípio da eficiência. 

Da mesma forma, o retorno dos quinquênios é um retrocesso que conflita diretamente com as propostas de reforma administrativa, que visam modernizar e tornar mais eficiente a gestão pública, para, principalmente, reduzir privilégios e gastos desnecessários.

E por falar em despesas, da forma como está redigida, calcula-se que a PEC pode causar um impacto financeiro de R$ 5,2 bilhões a R$ 42 bilhões nas despesas remuneratórias dos servidores públicos, conforme uma nota técnica divulgada recentemente pela Instituição Fiscal Independente (IFI).

Para estimar o impacto fiscal da proposta, o relatório da IFI apresenta dois cenários. 

No primeiro, o pagamento do quinquênio é destinado apenas aos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público (MP), conforme o texto original da PEC 10/2023. 

Nesse cenário, o aumento nas despesas remuneratórias seria de R$ 5,2 bilhões por ano, com R$ 3,1 bilhões destinados aos magistrados e R$ 2,1 bilhões aos membros do MP. 

Este cálculo considera pagamentos a servidores ativos, aposentados e pensionistas.

O segundo cenário abrange outras 13 carreiras que foram incluídas na PEC 10/2023 por meio de emendas. 

Aqui, amplia-se o quinquênio para defensores públicos, auditores fiscais do Trabalho, auditores e técnicos da Receita Federal, fiscais de tributos, policiais civis, federais, rodoviários federais e legislativos, advogados da União, militares estaduais, oficiais de Justiça e membros de Tribunais de Contas. 

Nesse caso, o impacto financeiro anual poderia chegar a R$ 42 bilhões.

Logo, a PEC é, sobremaneira, ruim, porque garante uma remuneração acima do teto constitucional, sem relação com a eficiência do serviço, e não leva em consideração o funcionalismo público como um todo. 

Situar a produtividade como principal fator na determinação do desempenho do servidor público é a única maneira aceitável de se reconhecer a necessidade de um incremento no salário pago.

Não se pode perder de vista, também, a imprescindibilidade do mérito. A concessão de adicionais por tempo de serviço desestimula a busca por melhorias na produtividade e desempenho, já que os benefícios estão vinculados apenas à permanência no cargo, e não necessariamente à qualidade do trabalho realizado.

Há evidente falta de incentivo à meritocracia! Em um sistema no qual a remuneração e progressão são atreladas ao mérito e desempenho, como ocorre no setor privado, há estímulos claros para a capacitação constante e a busca por resultados significativos. 

A garantia de aumentos baseados em tempo de serviço simplesmente desincentiva os servidores de buscarem excelência profissional e inovação em suas áreas.

Essas críticas refletem preocupações sobre os impactos financeiros, de equidade e de eficiência que a reintrodução dos quinquênios poderia trazer ao serviço público.

Em suma, a PEC dos Quinquênios, apesar de potencialmente popular entre partes do funcionalismo público, carrega consigo uma série de implicações negativas para a gestão fiscal do país e para a dinâmica de incentivos no serviço público. 

Argumentos econômicos, sociais e de mérito profissional sugerem que a adoção dessa medida poderia levar a um aumento dos gastos públicos sem correspondentes ganhos em produtividade ou eficiência, estimulando a estagnação profissional de um setor já criticado por sua ineficiência.

*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo