Cobrança de IR e ITCMD em heranças: entenda a polêmica
Juridicamente, a distinção entre ganho de capital e transferência de propriedade é sólida, mas na prática, resulta em uma carga tributária excessiva
*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte, diretor de Relacionamentos do IBEF Academy e membro do Comitê Especial de Tributação Empresarial do IBEF-ES.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou a cobrança simultânea do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre a transferência de imóveis herdados.
Com o entendimento, o STF passa a ter dois acórdãos relativamente recentes e opostos sobre o tema, transmitindo ao contribuinte a já comum incerteza sobre o planejamento tributário em terras tupiniquins.
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Para tornar mais lúdico o assunto, convém explicar que a doação é um fenômeno que a Constituição Federal prevê como tributável pelos Estados, que possuem competência para instituir o ITCMD.
Por outro lado, do ponto de vista do receptor da doação, ela pode ser vista como um acréscimo patrimonial, sujeito à potencial tributação pelo Imposto de Renda, que é de competência da União.
A questão prática surge quando há doação de bens cujo valor é superior ao custo de aquisição ou ao valor registrado pelo doador.
A diferença entre o valor registrado e o valor da doação tem sido discutida para ser tributada pelo Imposto de Renda Pessoa Física como ganho de capital, conforme o artigo 23 da Lei nº 9.532/97.
Dito isso, em 2023, a 1ª turma do STF decidiu, no julgamento do ARE 1387761 AgR/ES, pelo afastamento do Imposto de Renda sobre doações e heranças.
Naquela oportunidade, a Suprema Corte entendeu que não ocorre acréscimo patrimonial ao doador em razão da antecipação da herança.
Em outras palavras, não há ganho de capital capaz de atrair a cobrança de Imposto de Renda em uma operação de doação, já que o doador não obtém lucro.
Além disso, para a Corte naquele julgamento, a incidência de Imposto de Renda sobre essas transações não onerosas resultaria em bitributação, considerando a coexistência com o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD.
Em um intervalo de praticamente 1 ano, em 2024, no julgamento do RE 1.425.609, o STF validou a cobrança de IR junto com o ITCMD sobre a transferência de imóveis herdados.
Com esse entendimento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal confirmou a cobrança de IR sobre a diferença entre o valor de mercado dos imóveis herdados e o valor declarado na declaração de bens, mesmo que já haja a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD.
Agora, os defensores da medida, incluindo os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Nunes Marques, argumentam que a cobrança conjunta de IR e ITCMD não configura bitributação, pois incidem sobre bases de cálculo e fatos geradores distintos: enquanto o ITCMD é cobrado sobre a transmissão de propriedade, com base no valor do bem, o IR incide sobre o ganho de capital, ou seja, a valorização do imóvel desde a aquisição até a transmissão.
Assim, passou-se a entender que a tributação sobre o ganho de capital é justificada pelo acréscimo patrimonial que o imóvel sofreu até o momento da herança.
Não se pode negar que esse entendimento visa assegurar que a União capture parte do incremento de valor que o imóvel obteve ao longo do tempo, um acréscimo que não é fruto de esforço direto do herdeiro, mas de fatores externos ao seu controle.
Esta lógica reforça a ideia de “justiça fiscal”, na qual o aumento de riqueza “deve ser compartilhado com toda a sociedade”.
Por outro lado, os críticos da medida, como o ministro Dias Toffoli e André Mendonça, vêem na dupla cobrança uma bitributação injusta, penalizando os herdeiros ao impor duas incidências tributárias sobre o mesmo evento econômico.
Eles argumentam que tanto o IR quanto o ITCMD estão recaindo sobre a mesma transferência patrimonial, o que viola o princípio da não-cumulatividade e aumenta indevidamente a carga tributária sobre o contribuinte.
Valoroso citar trecho do voto do ministro Dias Toffoli: “(...) com a doação, o ‘doador se desfaz de seu patrimônio’ e que viola a pessoalidade e a capacidade econômica “diferir o pagamento do imposto sobre acréscimo patrimonial para momento posterior ao da transferência do bem, para impô-lo ao doador.”
Com a derrota do pensamento exposto acima, a abordagem ao tema, como ficou decidida no afinal, não apenas reduz significativamente o valor líquido da herança, mas também adiciona uma camada extra de complexidade e custo ao processo de transmissão de bens. Isso é particularmente oneroso para herdeiros com menor capacidade financeira, que podem enfrentar dificuldades em arcar com essas obrigações tributárias adicionais.
O impacto social é considerável, pois essa dupla tributação pode desencorajar a manutenção e a transferência de patrimônio familiar, afetando negativamente a economia.
A decisão do STF, ao validar essa cobrança, traz à tona, em mais uma oportunidade, um conflito entre a insegurança e o planejamento tributário e sucessório, com práticas fiscais excessivamente onerosas.
Juridicamente, a distinção entre ganho de capital e transferência de propriedade é sólida, mas na prática, resulta em uma carga tributária excessiva.
Muito embora exista separação entre os poderes Executivo e Judiciário, a validação pelo STF da cobrança simultânea de IR e ITCMD sobre heranças sugere caminhar de mãos dados com o desafio governamental em aumentar a eficiência arrecadatória.
A medida, ao mesmo tempo que busca captar um incremento patrimonial, pode ser vista como uma afronta ao princípio da capacidade contributiva e a vedação a bitributação. Isso sem mencionar a já velha insegurança jurídica.
*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.